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Análise | O que a semana da Europa fervendo ensina sobre o papel da mídia na crise da mudança climática

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Sede da News UK atacada em protesto do Extinction Rebellion contra cobertura da onda de calor (foto: reprodução vídeo Real Media)

Londres – A Europa ferve. O Reino Unido entrou em pânico na terça-feira (19), com temperaturas passando dos 40ºC pela primeira vez e colocando os efeitos da mudança climática em destaque na imprensa. Incêndios destruíram casas sólidas em Londres.

A culpa não é da imprensa. Mas ela pode ter uma parcela da responsabilidade pelo grau de informação que as pessoas comuns recebem sobre a mudança climática e pela forma como o tema é abordado, o que chegou a valer um protesto violento contra a sede do império de mídia de Ruppert Murdoch em Londres. 

Uma pesquisa da Universidade Yale e da Meta divulgada esta semana revelou uma baixa taxa de pessoas que disseram receber informações sobre a crise ambiental pelo menos uma vez por semana via imprensa e também por mídias sociais ou em conversas com amigos.

Mudança climática disputa espaço na imprensa com outros temas

Somente os entrevistados de 12 países disseram ser atingidos por notícias a respeito do aquecimento global semanalmente. No Brasil, onde não faltam crises para ocupar os espaços na mídia, a taxa é de 27%, tendência que se estende por quase todos os países da América Latina e Central.

Ainda assim, o estudo revelou que a consciência sobre a extensão da emergência climática é maior do que se poderia supor considerando o déficit de informação regular.

Os brasileiros estão entre os que mais acreditam que as mudanças climáticas já estão acontecendo (90%), percentual maior do que no Reino Unido, que sediou a COP26 em 2021 e por isso teve uma cobertura massiva do tema. No país, 88% dos entrevistados acham que a crise já chegou.

A enquete foi realizada entre usuários do Facebook, gente com acesso regular à internet. Se fosse repetida semana que vem, talvez a opinião dos britânicos mudasse, pois foi grande o susto tomado no dia chamado de “histórico” das altas temperaturas. 

Desde a segunda-feira, quando a temperatura já havia subido, imprensa e redes sociais não falavam de outra coisa. No dia D, parecia uma guerra. TVs sobrevoavam os incêndios e mostravam ao vivo casas desabando e pessoas chorando. 

O sentimento era de perplexidade com algo que parecia distante em um país conhecido pela temperatura fria e pelas chuvas. 

Mas será que esse interesse vai durar para sempre? A julgar pelo passado, não. Programas na TV e seções nos jornais criados na época da COP26 desapareceram discretamente ou foram empurrados para horários secundários.

Um estudo da consultoria Akas, apresentado durante a reunião da WAN-Ifra (Associação Mundial de Jornais) em janeiro, constatou que menos de 2% de 750 milhões de noticias publicadas pela imprensa e registradas no banco de dados GDELT desde 2017 faziam referência às mudanças climáticas.

Sol de verão ou mudança climática?

O problema não é só quantidade, mas também o ângulo. A cobertura da imprensa britânica nos últimos dias é um exemplo.

Antes dos incêndios da terça-feira, poucos jornais ou matérias de TV associaram o aumento da temperatura ao aquecimento global. Isso era mencionado de forma discreta, quando muito.

O foco era serviço: como se prevenir do calor, o que fazer com os pets, linhas férreas podendo parar devido ao derretimento dos trilhos. Sim, eles derreteram, porque suportam até 45ºC. Sob o sol, o calor foi muito maior. 

No dia do recorde, apenas o jornal i deu uma manchete sugerindo uma ligação entre mudança climática e o recorde de temperatura. E no dia seguinte, o The Guardian foi o único a fazer a associação, embora os demais jornais tenham aberto espaço para especialistas em clima em seus textos. 

Nas redes sociais, ambientalistas e jornalistas especializados em clima criticavam a imprensa por sua abordagem dissociada dos motivos para os incêndios e transtornos. E a BBC sempre no alvo. 

Cenas alegres para ilustrar uma crise? 

Outra crítica feita ao tratamento da imprensa é quanto à seleção de imagens. A Columbia Journalism Review publicou recentemente um artigo criticando o uso de cenas associadas a prazer e felicidade, como crianças se refrescando em chafarizes. Mudança climática não é diversão.

Sob este argumento, a sede londrina do News UK, empresa de Rupert Murdoch que edita o The Sun e o The Times, teve os vidros quebrados na terça-feira por ativistas do grupo ambientalista Extinction Rebellion.

Um porta-voz disse: “Em vez de alertar os leitores sobre os riscos crescentes de ondas de calor à medida que a crise climática se intensifica, o Sun escolheu ilustrar suas primeiras páginas com imagens de mulheres de biquíni, banhistas e crianças felizes com sorvetes”. 

Justiça seja feita, não foi apenas ele. Outros tabloides, jornais sérios e TVs fizeram o mesmo. Mas os ativistas miram principalmente no conglomerado de Murdoch, negacionista reconhecido, e no Daily Mail. 

Produzido pelo canal independente Real Media, o vídeo postado no Twitter tem o nome de “In case of lying media, break the glass” (Em caso de mídia mentiroa, quebre o vidro), em alusão aos avisos expostos nos alarmes de incêndio protegidos por caixas de vidro.

Ouvindo-se as entrevistas, percebe-se o mau humor em relação aos jornais de Murdoch mas também ao restante da imprensa britânica. 

Está certo que antes da famigerada terça-feira histórica, fotos de felicidade faziam sentido editorialmente em um país com pouco sol durante o ano todo. Retratar pessoas se refrescando no parque ou na praia, como muitos britânicos fizeram no fim de semana anterior, não era um crime editorial.

O problema é que os alertas sobre o risco de o país ver os termômetros chegarem a 42º já tinham sido anunciados pelos meteorologistas.

A imprensa britânica perdeu uma oportunidade de equilibrar a cobertura, falando do prazer do sol e aproveitando a atenção sobre ele para abordar o motivo pelo qual ondas de calor mais severas e frequentes estão acontecendo. 

Para chamar a atenção sobre isso, não precisa quebrar vidros. Mas o alerta do XR é válido para a imprensa sob a ótica da responsabilidade social.

Quantidade de notícias e ângulo podem fazer a diferença na compreensão do público e na pressão sobre governos, corporações e cidadãos para reverter algo que a maioria já entende ser uma realidade.

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