Londres – Poucos casos mobilizaram tanto a imprensa e as redes sociais no Reino Unido por tanto tempo como uma treta de famosos que virou um dos julgamentos mais acompanhados do país, encerrado na semana passada.
As partes que se enfrentaram no tribunal são casadas com dois astros do futebol inglês. Rebekah Vardy e Coleen Rooney viraram melhores inimigas de infância depois que uma acusou a outra de vazamento de informações pessoais obtidas na conta no Instagram para o tabloide The Sun − sempre ele.
A acusadora perdeu a ação, mas todos saíram chamuscados de uma saga que parece enredo de filme.
Treta de famosos expôs relações com a mídia de celebridades
A treta expôs práticas discutíveis no relacionamento de famosos com a mídia, mostrando como é fácil manipular uma parte da imprensa para atingir um objetivo.
Basta alimentar a sua fome insaciável por notícias exclusivas − mesmo que obtidas de forma pouco elogiável. E em certos casos, oferecidas em troca de dinheiro, como sugerido mais não provado.
Coleen é casada com Wayne Rooney, que brilhou no Manchester United. O enlace dos dois, na sofisticada Portofino, na Itália, foi “vendido” à revista OK! por £ 2,5 milhões.
Ela já trabalhou como colunista de celebridades e na TV. Por isso, entende como funciona a mídia de famosos.
Rebekah é a mulher de Jamie Vardy, do Leicester. Os atletas eram da seleção inglesa de futebol, e as duas apareciam juntas em eventos e em arquibancadas.
Até que em 2019 Coleen notou que informações postadas em sua conta fechada no Instagram apareciam seguidamente no jornal The Sun.
Em um lance de espionagem, postou três informações falsas e ajustou as configurações para que só fossem vistas pela “amiga”, que caiu na armadilha. As três histórias apareceram no The Sun.
Uma delas era até boba, um vazamento no porão da casa. Mas para os tabloides, qualquer suspiro de uma celebridade que não seja público vale uma notinha.
Devido ao estratagema, a treta ficou conhecido como “Wagatha Christie”, em alusão à escritora de livros de mistério e à expressão Wag (de wives and girlfriends), cunhada pelos tabloides para se referir às companheiras de jogadores.
Como famosos e normais lidam com a mídia
E aí começa a diferença de condução de uma situação dessas, que se tivesse ocorrido com uma pessoa “normal” possivelmente não teria tido o mesmo desfecho.
Em outubro de 2019, Coleen Rooney tuitou contando o enredo de espionagem e sua conclusão.
Não acusou a ex-amiga diretamente, mas revelou que a única conta que viu aqueles posts era a de… Rebekah Vardy, naquela altura grávida de oito meses.
Para quem não queria ter sua vida acompanhada, foi um movimento questionável. Ela poderia ter rompido a amizade discretamente, e a história não ter virado a treta que virou, porque mesmo ganhando a causa, saiu afetada.
A mídia não deixou o caso esfriar. Nas redes sociais, cada novo lance era compartilhado e comentado, como se fosse uma novela. E era. Muitas intimidades acabaram reveladas.
Mas o pior ainda estava por vir. Se o caso tivesse parado ali, teria acabado esfriando e hoje poucos lembrariam da história. Entretanto, para surpresa de muita gente, a acusada resolveu desafiar a acusadora com um processo de difamação.
Quem trabalha com administração de crises já deve ter tido que avaliar o risco de abrir um processo desses. Mesmo vencendo, a sangria pode não compensar.
No caso de Vardy, havia evidências de que ela tinha vazado diretamente ou por meio da agente e amiga Caroline Watt, que dificilmente faria isso sem o seu consentimento.
A baixaria foi total, com acusações de traição e destruição de provas. Um telefone teria sido jogado no mar para não ser entregue às autoridades. Três anos de má publicidade.
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Para provar que a amizade não era sincera, a defesa conseguiu uma mensagem de WhatsApp em que Vardy referiu-se a Coleen como uma “vadia desagradável”. Elegância pura.
Há uma semana a autora foi derrotada, saindo de sua bravata £ 3 milhões mais pobre.
Para a juíza Karen Steyn, Rooney provou que a essência da causa era “substancialmente verdadeira”.
E as alegações de Vardy foram consideradas ”inconsistentes, evasivas ou implausíveis”. Uma delas, aventada por pessoas próximas, era de que a conta teria sido hackeada.
Vale a pena processar?
Um dos aspectos mais debatidos, antes e depois do veredito, foi por que Rebekah Vardy encarou uma briga judicial com poucas chances de vencer.
Mais do que o dinheiro perdido, ela se tornou um mau exemplo e foi abandonada por amigos. Quem vai querer ser amiga de uma pessoa comprovadamente indiscreta?
E para quem vive no mundo de famosos como Vardy, a treta vai custar caro, perdendo convites ou contatos com marcas.
A história, que está sendo preparada para virar filme, levanta também o tema de excessos nas redes sociais, mesmo que em grupos privados.
Quem se arrisca a contar tudo o que se passa em sua vida está sujeito a vazamentos, intencionais − como nesse caso − ou acidentais.
No meio da confusão, o The Sun foi o menos afetado. Assim como os outros tabloides, ele vive de vazamentos muito antes de as redes sociais existirem. E se pagou pelas notícias, como sugerido, não teria sido a primeira vez.
Mas as redes podem estar facilitando um pouco o trabalho e exacerbando as insanidades em torno da notoriedade e do jogo de influência. No caso Wagatha Christie, um jogo sem vencedores, e que parece ter muito tempo de prorrogação.
Nos jornais e nas redes sociais, os desdobramentos e as especulações continuam, principalmente em torno do pagamento da indenização.
Nem Agatha Christie inventaria um enredo desses.
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