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Análise | Por que ‘Os Versos Satânicos’ de Rushdie despertou a ira de muçulmanos

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Salman Rushdie, em entrevista à Sky News (reprodução YouTube)

Londres – Em 2007, quando a Grã-Bretanha anunciou o nome do escritor Salman Rushdie para receber o título de Cavaleiro da Coroa Britânica, protestos aconteceram em vários países islâmicos por causa de seu livro mais famoso-  no Paquistão uma resolução foi aprovada no Parlamento para exigir a retirada do título.

Sir Salman Rushdie, como é chamado no Reino Unido, foi finalmente alcançado pelos que consideram o livro Os Versos Satânicos uma blasfêmia nesta sexta-feira (12).

O esfaqueamento do escritor de 75 anos durante uma palestra em Nova York, trouxe novamente à superfície a intolerância religiosa que levou a atentados sangrentos nas últimas décadas, com seu livro sendo um exemplo desse comportamento. 

Livro de Salman Rushdie valeu ‘fatwa’

O livro Os Versos Satânicos foi publicada em 1988. Um ano depois, o líder do Irã, aiatolá Khomeini, emitiu uma fatwa, determinando que muçulmanos assassinassem Rushdie, cidadão britânico nascido na Índia.

Ele viveu mais de 10 escondido e sob proteção, sem contato com a família. Na década de 90, depois que o Irã disse que a fatwa estava revogada, ele reapareceu, e hoje vive em Nova York.

Na época da comenda real, o ministro de Assuntos Parlamentares do Paquistão, Sher Afgan Khan Niazi,  classificou o escritor nascido de uma família muçulmana e que se diz ateu, de”blasfemo”.

E afirmou que a homenagem, feita por ocasião dos 81 anos da rainha Elizabeth, feria os sentimentos  muçulmanos em todo o mundo, representando”ódio religioso”.

Jovens manifestantes chegaram a queimar imagens da rainha e de Salman Rushdie em vários países. Os que protestaram naquela época já não são tão jovens, mas as novas gerações herdaram a intolerância contra o escritor. 

Foi um jovem de 24 anos que comprou um ingresso para entrar no auditório do Instituto Chautauqua, em Nova York e atingir Rushdie. 

No aniversário de 30 anos de Os Versos Satânicos, em 2018, a professora Myriam Renaud, da 
faculdade de Religiões Mundiais Contemporâneas da Union Institute & University do Reino Unido, publicou um artigo no portal acadêmico The Conversation analisando o motivo da controvérsia. 

“Versos Satânicos” vai ao coração das crenças religiosas muçulmanas quando Rushdie, em sequências de sonhos, desafia e às vezes parece zombar de alguns de seus princípios mais sensíveis”.

A professora explica que os muçulmanos acreditam que o profeta Maomé foi visitado pelo anjo Gibreel – Gabriel – que, durante um período de 22 anos, recitou as palavras de Deus para ele.

Por sua vez, Maomé repetiu as palavras aos seus seguidores. Essas palavras acabaram sendo escritas e se tornaram os versos e capítulos do Alcorão.

“O romance de Rushdie retoma essas crenças fundamentais.

Um dos personagens principais, Gibreel Farishta, tem uma série de sonhos nos quais ele se torna seu homônimo, o anjo Gibreel.

Nesses sonhos, Gibreel encontra outro personagem central de maneiras que ecoam o relato tradicional do Islã sobre os encontros do anjo com Maomé.”

Renaud observa que Rushdie escolheu um nome provocativo para Maomé.

” A versão do romance do Profeta é chamada de Mahound – um nome alternativo para Maomé às vezes usado durante a Idade Média por cristãos que o consideravam um diabo”, aponta. 

Ela explica que o Mahound de Rushdie coloca suas próprias palavras na boca do anjo Gibreel e entrega decretos a seus seguidores, que convenientemente reforçam seus propósitos de autoatendimento.

Mesmo que, no livro, o escriba fictício de Mahound, Salman, o Persa, rejeite a autenticidade das recitações de seu mestre, ele as registra como se fossem de Deus.

Um dos pontos sensíveis do livro diz respeito ao machismo.

Segundo a professora, no livro de Rushdie, Salman atribui a visões sexistas de Mahound certas passagens reais no Alcorão que colocam os homens “no comando das mulheres” e dão a eles o direito de atacar esposas de quem “temor arrogância”.

“Através de Mahound, Rushdie parece lançar dúvidas sobre a natureza divina do Alcorão.”

Autor do livro defendeu desafio a textos religiosos 

Para muitos muçulmanos, Rushdie, em sua recontagem fictícia do nascimento dos principais eventos do Islã, sugere que, em vez de Deus, o próprio Profeta Maomé é a fonte das verdades reveladas, explica Renaud. 

Ela lembra que em defesa de Rushdie, alguns estudiosos argumentaram que sua “zombaria irreverente” destinava-se a explorar se é possível separar o fato da ficção. 

E cita uma entrevista de 2015, em que Rushdie defendeu que os textos religiosos devem estar abertos a desafios.

“Por que não podemos debater o Islã?

“É possível respeitar os indivíduos, protegê-los da intolerância, enquanto é cético em relação às suas ideias, até mesmo criticá-los ferozmente.”

No entanto, como admitiu a professora, essa visão entra em conflito com a visão daqueles para quem o Alcorão é a palavra literal de Deus.

E foi essa visão que levou o jovem Hadi Matar a cumprir a fatwa que havia sido oficialmente suspensa após a morte de Khomeini, mas que ficou viva entre muçulmanos inconformados com o escritor, cujas obras já foram publicadas em mais de 40 idiomas. 

Em um de seus posts mais recentes no Twitter, ele apresentou seu novo livro, Victory City, que será publicado em fevereiro de 2023. 

 

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