Londres – Às vésperas do primeiro aniversário do retorno do Talibã ao poder no Afeganistão, uma jornalista teve a transmissão ao vivo interrompida por soldados do grupo extremista durante a cobertura de uma doação de alimentos pelas Nações Unidas (ONU).

Em vídeo do incidente, é possível ver o momento em que a correspondente da TV Al-Hadath em Cabul, Christiane Baissary, e sua equipe são cercados por homens armados e impedidos de continuarem filmando

Não é um caso isolado. Os últimos 12 meses foram de intensa censura e repressão à mídia afegã, em especial para as profissionais mulheres. Em ordem recente, elas foram impedidas de apresentarem programas sem cobertura no rosto.

Após assédio do Talibã, jornalista finaliza fala do carro

A equipe da Al-Hadath fez uma entrada ao vivo para o jornal da rede na última quarta-feira (10) mostrando a distribuição de ajuda humanitária feita pela Organização para Agricultura e Alimentação, agência da ONU, em Cabul.

Enquanto a repórter Christiane Baissary está falando, agentes do Talibã se aproximam e empurram ela e o cinegrafista, que precisa abaixar a câmera por um momento. 

Nas imagens, é possível ouvir a jornalista dizer “eles atacaram o cinegrafista”, enquanto a câmera focaliza dois homens em trajes civis que ostentam chicotes e armas apontadas para os profissionais de TV. A equipe é orientada a sair do local.

A repórter começa a explicar para os homens que tinha sido autorizada a filmar a distribuição das doações. No entanto, um membro do Talibã empurra a câmera.

“Alguns disseram que poderíamos filmar aqui, mas outros disseram que não podemos”, diz Baissary.

A jornalista reafirma que alguém do Talibã permitiu que filmassem a ação da ONU, mas que outro homem atacou o cinegrafista com um chicote.

Baissary e o colega, que continua gravando tudo, entram no carro. E, mesmo dentro do veículo, eles são novamente abordados por um oficial armado do Talibã que falou com o motorista.

A equipe vai embora e finaliza a entrada ao vivo dentro do carro em movimento.

Mídia sufocada com retorno do Talibã no Afeganistão

Sob o governo do Talibã, a imprensa independente do Afeganistão foi completamente sufocada ao longo do último ano. A censura se tornou rotina no cotidiano dos profissionais da mídia.

Assédios e ataques contra jornalistas são incidentes cada vez mais frequentes desde que o Talibã voltou ao poder, em 15 de agosto de 2021.

No Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2022, elaborado pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Afeganistão ocupa o 156º lugar entre 180 países.

E outras entidades também alertam para a crescente repressão à liberdade de imprensa no país.

Nesta semana, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) condenou a contínua perseguição a jornalistas afegãos e exigiu uma ação global para proteger os trabalhadores da mídia em risco:

“Apesar do Afeganistão ter desaparecido das manchetes [do restante do mundo], os jornalistas locais continuam a enfrentar ataques, detenções arbitrárias, restrições à liberdade de imprensa e assassinatos, com o Talibã e outras organizações terroristas impunes por esses crimes.”

Um relatório sobre a liberdade de imprensa no Sul da Ásia feito pela federação documentou 75 violações de direitos da mídia no Afeganistão, incluindo 12 assassinatos e 30 prisões, entre maio de 2020 e abril de 2021.

De acordo com uma pesquisa do Sindicato Nacional de Jornalistas do Afeganistão, apenas 2.334 jornalistas do país ainda estão trabalhando — antes do Talibã, eram 5.069.

Segundo o sindicato, 72% dos profissionais que perderam seus empregos eram mulheres.

A FIJ relata que 87% das mulheres que trabalham com jornalismo afirmaram ter sofrido discriminação no último ano.

Um decreto do Talibã em 19 de maio proibiu todas as jornalistas de TV de mostrarem seus rostos no ar. 

Os impactos do país sob o Talibã não foram só para as jornalistas. A chegada do grupo fundamentalista ao poder significou a rápida supressão dos direitos das mulheres no país com assédio generalizado, prisão e restrições machistas.

Entre os profissionais de mídia, a entidade estima que cerca de mil jornalistas fugiram do Afeganistão com a tomada do poder pelo Talibã. 

A federação, assim como a RSF e outros grupos que defendem a livre imprensa, apoiam esses profissionais e lançaram um fundo especial para ajudá-los a deixar o país em segurança.