Londres – Advogados que representam Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, e dois repórteres acusam a agência de inteligência americana CIA e seu ex-diretor Mike Pompeo de espionagem.

A defesa do jornalista entrou com uma ação judicial na segunda-feira (15) alegando que o órgão dos EUA violou o direito constitucional à proteção de conversas confidenciais entre cliente e advogados, além de gravar os encontros de Assange com visitantes.

A denúncia já está sendo usada por apoiadores do australiano para pressionar o presidente Joe Biden a arquivar as queixas contra ele e libertá-lo da prisão. Detido em Londres desde 2019, Assange pode ser extraditado a qualquer momento pelo Reino Unido para os EUA. 

CIA trabalhou com empresa para espionar Assange

Os advogados de Assange alegam que a CIA, sob o comando de Pompeo, teve acesso a conversas privadas do jornalista através de uma empresa de segurança contratada pela embaixada do Equador em Londres, onde o fundador do WikiLeaks se refugiava na época.

No processo, é relatado que os encontros de Assange com sua equipe jurídica, os dois jornalistas americanos e outras pessoas que o visitaram foram gravados pela Undercover Global, prestadora de serviços na embaixada desde 2017. Arquivos de celulares e computadores também teriam sido copiados.

A ação judicial foi apresentada a um tribunal de Nova York pelas advogadas Margaret Ratner Kunstler e Deborah Hrbek, que integram a defesa de Assange nos EUA, e pelos jornalistas Charles Glass e John Goetz.

Os quatro são americanos e visitaram o fundador do WikiLeaks na embaixada equatoriana em Londres.

Segundo o documento, todos foram obrigados, em cada visita a Assange, a deixar os aparelhos eletrônicos (celular, notebooks, etc) com funcionários da Undercover Global:

“Funcionários da UC Global, agindo sem o conhecimento do governo equatoriano, copiaram as informações armazenadas nos dispositivos.

A UC Global então forneceu essas informações à Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), então chefiada pelo réu Michael Pompeo. Essas ações foram autorizadas e aprovadas por Pompeo.

As práticas denunciadas violam os direitos de mais de 100 cidadãos americanos que visitaram Assange na Embaixada do Equador em Londres, incluindo advogados que o representavam, jornalistas que foram entrevistá-lo, e até mesmo médicos que o tratavam.”

Ainda de acordo com o processo, a empresa teria instalado microfones e câmeras de segurança no prédio da embaixada para gravar as conversas de Assange. O material também foi enviado à CIA.

Os advogados apontam que todos esses atos da agência de inteligência violam a Quarta Emenda da Constituição dos EUA, que resguarda a privacidade dos cidadãos americanos.

“A gravação de reuniões com amigos, com advogados e a cópia das informações digitais de seus defensores e visitantes contamina o processo penal porque agora o governo conhece o conteúdo dessas comunicações”, afirmou à imprensa Robert Boyle, advogado de Assange que representa o grupo no processo contra a CIA.

“É preciso haver sanções, até mesmo a retirada dessas acusações ou a do pedido de extradição em resposta a essas atividades flagrantemente inconstitucionais”, acrescentou.

Repercutindo essa fala de Boyle, a ONG Artigo 19 foi uma das que se manifestou contra as supostas ações da CIA:

“Quando a CIA espionou Julian Assange, seus advogados e mais 2 jornalistas violou seus direitos à privacidade e à liberdade de expressão, além de trair a Constituição dos EUA. O direito de Assange a um julgamento justo está ‘contaminado, se não destruído’, diz um advogado do caso.”

CIA já tentou sequestrar e matar Assange

A saga do fundador do WikiLeaks começou em 2010, quando o site publicou dados e documentos oficiais mantidos sob sigilo de ações militares dos americanos no exterior.

Em 2012, Assange se asilou na Embaixada do Equador em Londres, onde permaneceu por sete anos e, segundo os advogados, teria sido espionado pela CIA.

Nesse mesmo período, uma reportagem do Yahoo do ano passado mostrou que a agência considerou sequestrar e matar o ativista em 2017.

Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada e funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e praticidade de uma operação para retirar o jornalista do local, segundo a apuração.

Altos funcionários da CIA e da administração Trump solicitaram “esboços” de como assassiná-lo.

As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo. “Parecia não haver limites”, relatou.

Dois anos depois desse episódio revelado pelo Yahoo, Assange foi forçado a sair da embaixada para ser preso pela polícia britânica — e o imbróglio sobre sua extradição teve início.

Somente em junho deste ano o Reino Unido autorizou, em uma vitória para o Departamento de Estados dos EUA, a extradição do fundador do WikiLeaks.

Após a decisão, os advogados de Julian Assange entraram com um recurso para evitar o envio dele para os Estados Unidos, onde pode pegar até 175 anos de prisão.

Enquanto a frente britânica avança lentamente, a defesa do jornalista tenta outras possibilidades, como o novo processo contra a CIA.

Há também a opção dele ser enviado para cumprir pena na Austrália, embora o governo também não tenha interferido até então para isso ocorrer

Outra possibilidade é uma apelação ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, antecipada pelos advogados em uma coletiva de imprensa em outubro. Porém, como o Reino Unido não faz mais parte da União Europeia, não há garantias de que leve isso em conta.