Londres – Apesar de a rede alemã estatal DW ser um dos alvos da perseguição do governo de Vladimir Putin desde antes da guerra na Ucrânia, ela entrou no alvo do país invadido ao ser acusada de disseminar propaganda russa sobre o conflito. 

Em uma postagem no Facebook nesta quarta-feira (17), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, Oleg Nikolenko, pediu às autoridades alemãs que ajam contra as “narrativas da propaganda russa” encontradas na Deutsche Welle (DW).

Ele afirma que a manipulação de informações sobre a guerra não está sendo feita apenas por agentes estatais e “propagandistas” russos, mas também pela rede alemã estatal “financiada pelos contribuintes”.

Para Ucrânia, DW está permitindo a propaganda russa 

Nikolenko manifestou desconfiança sobre o motivo pelo qual o serviço russo da emissora alemã, criado há 60 anos, estaria “jogando junto com a propaganda russa, manipulando as narrativas e substituindo conceitos sobre as causas e consequências da agressão da Rússia contra a Ucrânia”. 

“Pedimos aos nossos parceiros alemães que reajam às narrativas da propaganda russa que estão espalhadas nos materiais da DW” disse o porta-voz.

Como exemplo, Nikolenko reproduziu várias postagens da DW, destacando frases como “uma falta de defensores ucranianos pode provocar uma catástrofe nuclear na usina nuclear de Zaporozhye” e “uma proibição da entrada de russos no Ocidente não ajudará a derrotar Putin”. 

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Em alguns casos, a DW havia sinalizado que o comentário expressava a opinião pessoal do autor e poderia não coincidir com a opinião do escritório editorial russo e da Deutsche Welle como um todo.

Mas isso não parece ter sido suficiente para o governo da Ucrânia. 

DW já estava na mira da Rússia antes da guerra 

A manifestação do Ministério das Relações Exteriores ucraniano é um exemplo da dificuldade de documentar a guerra, com os dois lados incomodados com o que consideram uma cobertura injusta e parcial. 

Criticada agora pela Ucrânia, a DW já vinha tendo tensões com a Rússia desde antes da invasão do país vizinho.

Em 2 de fevereiro, a Comissão Alemã de Licenciamento e Supervisão de Mídia decidiu interromper a transmissão por satélite e outras transmissões do canal RT (Russia Today) no país, sob o argumento de que a emissora não tinha solicitado licença para operar.

A editora-chefe da RT, Margarita Simonyan, uma das principais apoiadoras de Vladimir Putin, respondeu que a RT DE tinha “todos os direitos de transmissão na Alemanha e em outros 32 países europeus”.

Após a decisão do regulador alemão, o Ministério das Relações Exteriores russo afirmou que “os argumentos russos foram ignorados” e que Moscou retaliaria contra a mídia alemã credenciada na Rússia.

O Ministério das Relações Exteriores também prometeu medidas de retaliação contra “intermediários da Internet que excluíram arbitrariamente e irracionalmente as contas do canal de TV de suas plataformas”.

Era uma referência ao YouTube, que em 2021 havia removido contas da RT na Alemanha, embora aparentemente sem relação com o governo do país. 

O escritório da Deutsche Welle em Moscou foi fechado em fevereiro. 

“Sem nosso estúdio em Moscou, o trabalho se tornou mais difícil para nós. Também não há como adoçar. Mas encontramos uma maneira de continuar a fornecer ao nosso público na Rússia informações autênticas de e sobre seu país”, disse Christian F. Trippe, Diretor de Programas para a Rússia, Ucrânia e Europa Oriental em um comunicado. 

Em resposta à censura, a equipe se mudou para Riga e reforçou o conteúdo em russo, oferecendo também novos podcasts, DW Novosti Show e Geofaktor.

As transmissões multiplataforma ficaram disponíveis online e em frequências de ondas médias (MW).

“De certa forma, o Serviço Russo da DW está de volta às suas raízes, tendo configurado sua primeira transmissão de rádio em agosto de 1962 e sua última em 2011”, disse o comunicado na época. 

No início de março, o órgão regulador russo de telecomunicações, o Roskomnadzor, bloqueou o site da Deutsche Welle por divulgar “falsas informações sobre a essência de uma operação militar especial no território da Ucrânia”.

Em 1º de agosto, quando o serviço completou 60 anos, Christian Trippe fez um balanço das atividades em russo desde o inicio da guerra. 

Em um comunicado publicado no site da rede, ele disse:

“Bloquear nosso site na Rússia não resultou em perda de alcance. Muito pelo contrário: ganhamos mais usuários em todas as nossas plataformas de língua russa.

A tentativa de nos silenciar não foi bem-sucedida. Essa censura técnica não funciona na Rússia mais do que em outros países não livres.”

Segundo o comunicado, de janeiro a junho de 2022 a produção on-line da DW Russian atingiu cerca de 125 milhões de usuários multiplataforma mensais na Rússia (tendo batido o recorde mensal de 49 milhões estabelecido nos seis meses anteriores) – um aumento de mais de 250%.

Ele destacou a competência da equipe diante da situação e a oferta de mais conteúdo local, ressaltando a imparcialidade da DW: 

“Se uma nova cortina, desta vez em termos de mídia e não de ferro, isolasse a Rússia do resto do continente, saberíamos como violá-la: com informações imparciais”.

Lei de mídia ucraniana desperta críticas 

Ao mesmo tempo em que reclama da rede alemã, a Ucrânia prepara uma lei vista por entidades de defesa da liberdade de imprensa como um risco para a cobertura independente da guerra. 

Para ingressar na União Europeia, o país deve adequar diversas leis e regulamentos aos padrões do bloco.

Mas a lei de mídia proposta despertou críticas por conter dispositivos capazes de permitir ao governo exercer censura sobre jornalistas e veículos de comunicação.