O governo de Vladimir Putin está usando mais um instrumento para intensificar a censura de jornalistas e veículos de imprensa críticos na Rússia: acusações de fraude fiscal, crimes financeiros e até de extorsão.

Pelo menos sete profissionais de mídia estavam presos até a última terça-feira (23) por supostos casos de corrupção e extorsão, segundo denunciou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Entre os detidos há administradores de veículos independentes que funcionam no Telegram. Com o início da invasão à Ucrânia, o aplicativo de mensagens se tornou um dos principais meios de difusão de notícias por conseguir driblar a repressão do Kremlin.

Imprensa resiste à censura de Putin na Rússia 

A guerra obrigou quase todos os veículos de imprensa russos críticos ao governo de Vladmir Putin ou que assumiram posição contra o conflito a fechar.

Para fugir da censura, surgiram novas plataformas alternativas, incluindo em grupos do Telegram.

Agora, seis meses depois do início do conflito na Ucrânia, a Rússia de Putin aperta ainda mais o cerco até mesmo contra a imprensa que atua em grupos na plataforma de mídia social, como o Telegram e o YouTube. 

No dia 4 de agosto, os jornalistas Vladislav Malushenko, Yevgeny Moskvin e Aleksei Slobodenyuk, que atuam no canal “Scanner” do Telegram, receberam ordem de prisão preventiva por “fraude em grande escala”.

As autoridades acusaram o trio de tentar extorquir dinheiro da Rostec, um conglomerado de defesa estatal, em troca de não publicar dados negativos da organização.

A agência estatal Tass afirmou que Malushenko trabalha para a Agência Federal de Notícias, enquanto Moskvin e Slobodenyuk estão associados à editora Narodnye Novosti, ambos locais supostamente ligados ao oligarca russo Yevgeny Prigozhin.

Um tribunal de Moscou ordenou que os jornalistas fiquem detidos até 25 de setembro. Se forem considerados culpados, eles podem pegar até seis anos de prisão, de acordo com o código penal russo.

No Telegram, o canal “Scanner” tem cerca de 178 mil seguidores. O grupo afirma “monitorar funcionários corruptos do governo” e publicou reportagens sobre indícios de corrupção na Fundação Anticorrupção do líder da oposição Alexei Navalny.

Também em 4 de agosto, um tribunal na cidade de Oryol ordenou a prisão preventiva dos jornalistas Artem Prokhorov, dono do portal de notícias Orlets, e Vladimir Panfilov, apresentador do programa jornalístico no YouTube “Resume”.

 

Ambos são acusados de pedir 100 mil rublos (R$ 8,5 mil) a um empresário local para não publicarem informações comprometedoras sobre ele, segundo a imprensa russa.

Os jornalistas negaram as acusações. Se condenados, eles podem pegar uma pena de até sete anos. 

O CPJ informou que apura se as acusações contra os profissionais estão ligadas ao seu trabalho jornalístico.

O modus operandi do governo Putin 

No dia 1º de agosto, o editor Denis Shaikin, do jornal Kursk Week, foi condenado a dois anos de prisão e uma multa de 100 mil rublos (R$ 8,5 mil) por extorsão.

Em setembro de 2020, o jornalista foi acusado de pedir 400 mil rublos (R$ 34 mil) a um diretor de uma empresa da cidade de Kursk para não publicar uma matéria negativa sobre a companhia.

Em publicação nas redes sociais, Shaikin negou as acusações e disse que faria greve de fome “até sua total libertação”.

“Esta é uma prática padrão na Rússia – se um jornalista teve conflitos com uma empresa ou organização, ele é enviado para a prisão por acusações de ‘extorsão’”, disse Ekaterina Sergeycheva, editora-chefe da agência de notícias Lenizdat, ao CPJ.

Esse modus operandi contra a imprensa da Rússia também foi usado no caso da jornalista freelancer Aleksandra Bayazitova, que colabora para o site pró-governo Life.

Ela administra o canal Adskiye Babki, com 37 mil seguidores no Telegram, onde informa sobre questões econômicas e de corrupção.

No dia 10 de agosto, um tribunal em Moscou condenou Bayazitova a ficar em prisão preventiva até 7 de outubro por suposta extorsão do banco estatal Promsvyazbank.

A justiça alega que a jornalista ameaçou publicar reportagens negativas sobre a entidade, mas no julgamento ela negou as acusações.

E disse que foi processada por publicar evidências de que executivos do Promsvyazbank estavam envolvidos em corrupção e desvio de recursos públicos, o que atribuiu ter levado à atual “situação ruim da Rússia na Ucrânia”.

O caso mais recente de tentativa de censura à imprensa por parte do governo Putin registrado pelo CPJ foi a prisão do jornalista investigativo Lev Speransky, do jornal Moskovsky Komsomolets. Ele foi detido e interrogado em Moscou em 16 de agosto, e liberado horas depois.

Em um vídeo publicado pelo veículo do repórter, a esposa dele, Maria, disse que um grupo de seis pessoas entrou em seu apartamento e apenas duas delas mostraram credenciais da polícia.

Em outras imagens publicadas antes dele ser interrogado, Speransky disse que a polícia revistou sua casa, apreendeu seu computador e celular e “o pressionou física e psicologicamente”.

Speransky disse no vídeo que foi detido em relação a um caso de difamação e extorsão aberto em 2018 com o qual não tinha conexão, mas acredita que a prisão esteja ligada à sua atividade jornalística. 

Segundo o veículo independente Baza, o interrogatório do jornalista focou somente em sua atuação no canal do Telegram ” VChK-OGPU” , que tem mais de 438 mil seguidores e publica informações sobre os serviços de segurança russos. Speransky negou qualquer conexão com esse veículo.

“A situação da liberdade de imprensa na Rússia se tornou mais alarmante com a invasão em larga escala da Ucrânia pelo país em fevereiro”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ, em Nova York, ao comentar a nova forma de censura e perseguição à imprensa do governo Putin.

“As autoridades russas acusam cada vez mais jornalistas de crimes financeiros em aparente retaliação por suas investigações sobre questões comerciais e políticas”.

A organização condena o uso do sistema judicial russo para silenciar vozes críticas, e pede que as autoridades libertem imediatamente todos os jornalistas e profissionais da mídia que permanecem sob custódia, retirando as acusações contra eles.