Londres – Enquanto o governo de Vladimir Putin utiliza leis e intimidação para silenciar a mídia independente, a TV russa inundada por propaganda política, registrou uma queda significativa de público desde fevereiro, quando aconteceu a invasão da Ucrânia.

O monitoramento de audiência, feito pelo instituto de pesquisas Romir, constatou uma queda média de  25% nos canais principais, o Channel One, o”Russia 1″ e a NTV em seis meses. 

O relatório informa que o público médio diário dos três canais estatais é agora menor do que o do aplicativo Telegram. 

Propaganda estatal na TV pode estar afastando público na Rússia 

O Romir é um instituto independente, que faz parte do Gallup internacional e realiza pesquisas regulares sobre hábitos de consumo, confiança e performance de empresas de mídia na Rússia. 

Segundo a empresa de monitoramento, a cobertura do Channel One caiu de 33,7 para 25,5%. O “Rússia 1” desceu de 30,9 para 23%. E o NTV passou de de 21,1 para 16,6%.

O relatório mostra que entre pessoas da “Geração X” (55 a 36 anos) e a “Geração Z” (35 a 19 anos) a redução foi mais ativa do que entre a “Geração Y”, de pessoas entre 7 e 18 anos. 

Isso não significa que os mais jovens estejam mais conectados na TV do que os mais velhos, ou que se importem menos com a propaganda estatal russa. 

A preferência da geração Y por consumir conteúdo (de notícias a entretenimento) em plataformas digitais vem sendo confirmada por pesquisas em todo o mundo nos últimos anos. 

Embora as grandes plataformas ocidentais tenham sido banidas na Rússia, as mídias sociais locais e o Telegram continuam acessíveis.

E o Telegram pode estar absorvendo uma parte dos que desligaram a TV tradicional, com muitos canais de notícias independentes falando sobre a guerra da Ucrânia sem a propaganda estatal russa e compartilhando notícias veiculadas em outros países.

O Romir constatou que o volume de usuários diários do Telegram últimos seis meses aumentou de 19,1 para 26,8%. 

Mas outra pesquisa do instituto, divulgada na semana passada, revelou que o WhatsApp continua reinando soberano na Rússia, com cobertura de 44,6%.

Em segundo lugar aparece a rede social local  VKontakte (27,9%), com o Telegram vindo em terceiro. 

Protesto contra propaganda estatal no Canal 1 

Um dos canais acompanhados pela pesquisa, o Channel 1, ficou famoso por uma surpreendente intervenção feita pela jornalista Marina Ovsyannikova. 

Em 14 de março, ela invadiu um estúdio onde um telejornal era transmitido ao vivo erguendo uma placa de protesto contra a guerra, e advertindo os espectadores para não acreditarem em fake news. 

A jornalista foi detida para interrogatório, passou três meses na Alemanha e depois que voltou à Rússia fez novos protestos. Agora ela está em prisão domiciliar por uma manifestação diante do Kremlin, disseminada nas redes sociais. 

No entanto, a queda na audiência pode não estar ligada a uma falta de confiança no noticiário apenas. Segundo o jornal The Moscow Times, após a eclosão da guerra na Ucrânia, os canais de TV estatais redesenharam a rede de transmissão.

Agora, a programação é concentrada em jornalismo e programas sobre sobre política, e quase não há programas de entretenimento.

O jornal acha que essa é a principal razão para o declínio, pois “elevando o grau de propaganda aos níveis da União Soviética stalinista, os canais estatais perderam seu apelo para todas as faixas etárias”.

Outro fator pode ser a partida de figuras conhecidas do público. Muitos jornalistas deixaram a Rússia após a invasão, incomodados com a guerra e com a interferência do governo impondo narrativas de propaganda estatal em jornais e na TV. 

No Channel One, Zhanna Agalakova deixou seu emprego como correspondente na Europa, enquanto dois jornalistas saíram da rival NTV. Lilia Gildeyeva trabalhava para o canal como apresentadora desde 2006 e Vadim Glusker estava na NTV há quase 30 anos.

Também deixaram a TV russa (e o país) o casal de celebridades principal da Rússia, Alla Pugacheva e Maxim Galkin. 

Em março, ele disse no Instagram: “Não pode haver justificativa para a guerra! Sem guerra!”

O parlamento russo (Duma) incluiu Galkin em uma lista de celebridades, incluindo diretores e atores proeminentes, que se manifestaram contra a guerra ou se recusaram a apoiar a “operação militar especial” do presidente Vladimir Putin.