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Acusado de ‘alta traição’, repórter de defesa russo que se negou a assinar confissão é condenado a 22 anos

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Ivan Safronov no Tribunal de Moscou (reprodução Rain TV)

Londres – Em mais um sinal da repressão implacável do regime de Vladimir Putin sobre a imprensa que se agravou depois da guerra da Rússia com a Ucrânia, o jornalista Ivan Safronov foi condenado nesta segunda-feira (5) pelo Tribunal da Cidade de Moscou a 22 dois anos de reclusão em uma colônia penal por “alta traição”.

O caso de Safronov atraiu atenção internacional, com protestos de entidades de direitos humanos e da União Europeia por sua libertação. A promotoria tinha pedido uma pena de 24 anos. 

De acordo com agência estatal RIA Novosti, ele também foi multado em 500 mil rublos e terá que cumprir mais dois anos de restrição de liberdade após sua libertação. Apoiadores o aplaudiram quando a sentença foi anunciada, e a defesa informou que vai recorrer. 

Jornalistas condenados na Rússia por acusações antigas 

Desde o início da guerra com a Ucrânia, o governo de Vladimir Putin adotou novas formas de censura e repressão sobre o jornalismo e intensificou o uso de instrumentos legais já existentes. 

Jornalistas e também ativistas que tinham sido objeto de acusações ou processos antes do conflito estão sendo julgados e condenados a penas rigorosas. 

O caso de Ivan Safranov é um exemplo. Ex-correespondente militar dos jornais russos Kommersant e Vedomosti, está preso desde julho de 2020 por acusações de traição, por supostamente ter passado informações a um país estrangeiro.

No momento de sua prisão ele era conselheiro do chefe do Roskosmos, o programa espacial russo. 

A agência de inteligência russa, a FSB, acusou Safronov de transmitido ao cientista político Demuri Voronin, que tem cidadania da Rússia e da Alemanha, informações sobre tropas russas na Síria em 2015. E em 2017, por meio de um amigo tcheco Martin Larysh, ele teria passado informações secretas aos serviços especiais tchecos .

Segundo o Serviço Russo da BBC, o verdadeiro motivo da perseguição de Safronov seria ser um artigo sobre o envio de combatentes russos ao Egito.

Durante uma audiência no tribunal de Moscou no dia 30 de agosto, um promotor público pediu que Safronov fosse preso por 24 anos, multado em 500 mil rublos (US$ 8.170) e condenado a dois anos de liberdade restrita depois de sair da cadeia. 

Jornalista recusou acordo para evitar condenação 

Outro promotor havia sugerido anteriormente que Safronov poderia se declarar culpado em troca de 12 anos de prisão, o que o jornalista recusou.

Na semana passada o site investigativo russo Proekt vazou uma cópia da acusação de Safronov e informou que as informações classificadas que ele supostamente compartilhou com a inteligência tcheca já estavam disponíveis publicamente.

No mesmo dia, as autoridades negaram o pedido de Safronov para adicionar a investigação de Proekt ao seu caso, disse o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ). 

Segundo o site de notícias Meduza, ao se recusar a fazer o acordo com os investigadores, Safronov disse: 

“Se você acredita na acusação, eu em algum momento (não identificado), em alguma data (não identificada) de algumas pessoas (também não identificadas) descobri algo secreto.

Eles procuraram por esses míticos portadores de segredos – mas não os encontraram. Por quê? Eu tenho uma resposta: porque não há pessoas sobre as quais eu já tenha descoberto algo secreto”.

A defesa de Safronov afirmou que o cientista político Demuri Voronin, que foi testemunha de acusação, inocentou o jornalista.

“O pedido do promotor russo para que o jornalista Ivan Safronov seja condenado é chocante mesmo pelos baixos padrões já estabelecidos pelo governo do país”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ, em Nova York.

“As autoridades devem libertar imediatamente Safronov, retirar todas as acusações contra ele e parar de prender vozes independentes por seu trabalho.”

Dois dos  advogados do jornalista foram forçados a deixar o país, e outro está preso sob acusação de “falsificações” sobre o exército durante a guerra com a Ucrânia. 

A emissora independente russa Rain, que acompanhou a sessão no tribunal, relatou que Ivan Safronov disse aos apoiadores “eu te amo” quando o veredito foi anunciado, e ele foi aplaudido. 

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Em seu canal no Telegram, o advogado russo Pavel Chikov, que dirige a organização de apoio a presos políticos Agora, disse não ter encontrado sentenças em casos de traição com penas superiores a 20 anos.

Ele explicou o entendimento do tribunal sobre o artigo 275.º do Código Pena, que determina uma pena máxima de 20 anos.

O tribunal condenou Ivan Safronov a mais do que 20 anos porque ele foi acusado de dois episódios. A punição para cada um deles é atribuída separadamente. Em seguida, o tribunal determinou o prazo final por adição parcial ou completa.

O advogado afirmou que penas para casos de traição sempre foram longas, “mas nos últimos anos tem havido uma notável tendência ascendente”, embora os que admitam culpa tenham a condenação aliviada, o que não foi o caso de Safronov. 

Manifesto de jornalistas russos por libertação de Safronov 

Embora Ivan Safronov não seja o único jornalista processado ou preso na Rússia, a extensão da pena proposta pela promotoria e as condições de sua detenção e das acusações motivaram protestos generalizados. 

Em um deles, os principais veículos de mídia independentes assinaram um manifesto conjunto, destacando que embora este seja um “período assustador”,  a agência de inteligência russa (FSB) “nunca forneceu nenhuma evidência da culpa do jornalista”.

O texto também se refere às revelações do site Proekt: 

Uma pesquisa regular na Internet mostrou que as acusações contra Ivan Safronov não podiam resistir às críticas: as informações usadas no momento da redação dos materiais estavam disponíveis publicamente onde todos podiam vê-las.

O manifesto salienta que a acusação “não conseguiu comprovar que o jornalista tinha acesso a materiais classificados, muito menos os transmitiu a qualquer serviço deinteligência”, e que não há há evidências de que ele tenha recebido remuneração de serviços de inteligência estrangeiros, atribuindo o caso a uma represália por seu trabalho como jornalista. 

Os autores apontam que o momento de repressão acentuada na Rússia por causa da guerra com a Ucrânia tornou as revelações feitas pelo site Proekt inúteis: 

Em uma situação normal, a publicação do Proekt causaria um escândalo e levaria à completa absolvição do jornalista e punição daqueles que o perseguem ilegalmente.

No entanto, em nossa realidade, o tribunal está calmamente se preparando para condenar o inocente, e há pouca esperança de que ele seja absolvido. Estas são as estatísticas dos tribunais russos.

Para os jornalistas e veículos independentes, a condenação de Safronov “é vingança”.

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