Londres – Embora quase tudo esteja saindo conforme o planejado nas homenagens à rainha Elizabeth, um fator vem fugindo ao controle dos organizadores: os protestos dos contrários à monarquia e à ascensão do rei Charles ao trono, que resultaram em prisões em Londres, Edimburgo e Oxford nos dois últimos dias. 

Em Edimburgo, capital da Escócia cuja população pode decidir em referendo no ano que vem se sai do Reino Unido, vaias foram ouvidas no domingo (11) durante a proclamação de  Charles III como novo rei. Uma jovem foi presa por portar um cartaz dizendo “não é meu rei” e pedindo o fim da monarquia.

Na manhã desta segunda-feira (12), uma postagem do jornal Evening Standard, mostrou uma mulher sendo cercada e conduzida pela polícia por estar segurando um cartaz com apenas três palavras, “Not my King “em frente ao Parlamento de Londres, e já teve mais mais de 1,5 milhão de visualizações no Twitter. 

Na procissão na Escócia, à tarde, um manifestante gritou com o príncipe Andrew enquanto o cortejo fúnebre da rainha passava pela Royal Mile de Edimburgo. Em Oxford, um homem que foi preso ao protestar contra a monarquia considerou a punição um “ataque ultrajante à democracia”. 

As manifestações galesas aconteceram também durante a proclamação de Charles como rei no País de Gales,  neste domingo (11). Um grupo de anti-monarquistas empunhou cartazes na parte de fora do Castelo de Cardiff, onde apenas 2 mil convidados puderam entrar para acompanhar o evento.

Os cartazes, escritos em inglês e em galês, tinham inscrições como “Não é nosso Rei!” e “Pelo fim da subjugação colonial dos galeses!”.

Questionado sobre os incidentes em uma entrevista coletiva diária, o porta-voz oficial do governo britânico minimizou: “Este é um período de luto nacional para a grande maioria do país, mas o direito fundamental de protestar continua sendo a pedra angular de nossa democracia”.

Leitores criticaram ação para reprimir protestos contra Charles 

Sem tomar partido, a postagem do Evening Standard informava que um manifestante anti-monarquia portando um cartaz com a inscrição “Not my King” tinha sido levado pela polícia.

 A maioria dos dos leitores, porém, tomou o partido do manifestante, reprovando a atuação da polícia. Um deles escreveu:

“Ele estava fazendo algo errado? Parece que estava apenas segurando um cartaz…”

Outro perguntou:

“Onde está a brigada da defesa da liberdade de expressão quando mais se precisa dela?”

Também em Londres, o advogado Paul Powlesland publicou no Twitter a gravação que fez com o celular da abordagem de um policial que o ameaçou de prisão se escrevesse “Not My King” no papel em branco que segurava. Nas postagens, ele disse: 

“Ele pediu meus dados e confirmou que me prenderia sob a Lei de Ordem Pública porque alguém poderia se ofender.”
 
“Um período de luto pela rainha é bom, mas usar esse período para cimentar a subida de Carlos como rei e reprimir qualquer dissidência à ascensão como desrespeitoso é ultrajante.”

https://twitter.com/paulpowlesland/status/1569351772606550022?s=20&t=nCnX2jF5ooX-bcj_em0dWw

Pedido de “República Já!” durante proclamação de Charles

Se por um lado os eventos que estão monopolizando a atenção do povo britânico reforçam a imagem da realeza, por outro são o palco ideal para aqueles que não estão satisfeitos com ela.

Durante a proclamação de Charles em Edimburgo neste domingo (11), o lorde que conduzia a cerimônia terminou seu discurso declarando “Deus salve o rei”, no que foi acompanhado pela multidão.

Nesse momento, foram ouvidas vaias misturadas aos aplausos. Cantou-se então o hino nacional mas, depois, ouviu-se gritos de “República já”!

https://twitter.com/TomEden11/status/1568923639684206592?s=20&t=Kcw0SQt4ScCNhS127p_8ng

Ao final, depois que o condutor da cerimônia pediu três saudações ao novo rei gritando “hip hip” para respostas de “hurra!”, vaias foram ouvidas pela segunda vez.

Prisão por protesto contra monarquia e rei Charles 

Terminada a proclamação em Edimburgo, uma mulher foi presa nas proximidades. O protesto não era diretamente contra o rei Charles III. Ela exibia um cartaz tosco, feito num pedaço de papelão, pedindo o fim do imperialismo e a abolição da monarquia.

A polícia da Escócia disse que a prisão foi feita do lado de fora da Catedral de St Giles, local onde ocorreu a missão de corpo presente em memória da Rainha nesta segunda-feira (12).

A manifestante apareceu perante a multidão em frente ao Mercat Cross segurando o cartaz, onde se lia: “f*** o imperialismo, pela abolição da monarquia”.

Policiais a levaram embora, sendo aplaudidos por muitos da multidão. O comunicado da polícia foi lacônico: informou que uma jovem de 22 anos foi presa “devido a uma violação da paz”.

Grito de “Quem o elegeu?” também provoca detenção

Symon Hill, de 45 anos,  foi preso por gritar “Quem o elegeu?” quando a proclamação do novo rei foi lida em Oxford.

O manifestante contou ao jornal The Guardian que três seguranças se aproximaram dele antes da intervenção dos policiais. Disse que foi levado para uma van da polícia, apesar dos protestos de outras pessoas presentes, que defenderam seu direito à liberdade de expressão.

O porta-voz da polícia de Thames Valley informou que“um homem de 45 anos foi preso por um distúrbio causado durante a cerimônia de proclamação do rei Charles III em Oxford.

“Ele foi posteriormente detido e investigado por ofensa à ordem pública. O homem foi preso por suspeita de uma ofensa à ordem pública nos termos da seção 5 da Lei de Ordem Pública de 1986.”

Por enquanto, os casos são poucos em relação à enorme quantidade de pessoas que têm se perfilado nas ruas para prestar homenagens à rainha Elizabeth e a seu filho Charles.

E se depender do amplo alcance da Lei de Ordem Pública, os casos devem continuar poucos. A Seção 5 pode ser aplicada a quaisquer comportamentos “capazes de causar assédio, alarme ou angústia”. Gritos, cartazes e slogans incluídos.

Em entrevista ao jornal The Guardian, o grupo Liberty, de defesa das liberdades civis, se disse alarmado com a resposta da polícia aos manifestantes anti-monarquia.
 

Para o Liberty, os novos poderes dados recentemente à polícia para restringir os protestos, e a forma como eles estão sendo aplicados pelos policiais, são motivo de profunda preocupação.
 

A responsável por políticas e campanhas do grupo, Jodie Beck, afirmou:
 

“Dado o contexto em que estamos no momento, não é de surpreender que a polícia esteja interpretando certas leis de uma maneira completamente distorcida”.

Também ouvido pelo Guardian, o deputado de oposição Zarah Sultana, do Partido Trabalhista, fez questão de ressaltar o óbvio:

“Ninguém deve ser preso por apenas expressar opiniões republicanas. É extraordinário – e chocante – que isso precise ser dito.”