Em abril de 2022 a revista The New Yorker publicou uma matéria abordando um suicídio infantil. Contava a história de um menino de 12 anos, descrevendo como ele evitou a supervisão dos adultos para tirar a própria vida.
E mostrou em detalhes gráficos a condição do corpo do menino após a morte.
A matéria é mais uma sobre o aumento dos suicídios de jovens nos EUA, buscando responder à pergunta: o que convence uma criança a desistir do próprio futuro?
Como tem sido a cobertura do suicídio infantil
Mas falar de suicídio é um esforço eticamente complicado e de alto risco que, se feito de forma irresponsável, pode contribuir para a propagação do comportamento suicida.
Então vale a pena perguntar: essas matérias estão dando certo? E qual a melhor maneira de elaborá-las?
Jornais importantes como o New York Times e o The Wall Street Journal têm retratado as crianças que morreram por suicídio ou sobreviveram às suas tentativas com matérias de extrema dor emocional e psicológica.
Por um lado, as publicações devem ser aplaudidas por chamar atenção para uma crise que parece estar piorando para grupos não brancos e não hispânicos.
Reportagens que analisam os fatores de risco para sentimentos suicidas e as possibilidades de acesso a um tratamento eficaz podem apontar falhas no sistema e encaminhar soluções. Assim, podem ajudar aqueles que lutam com pensamentos suicidas — e seus entes queridos — a se sentirem menos sozinhos.
Qual a melhor forma de cobrir suicídio infantil?
Especialistas no campo da prevenção do suicídio debatem há muito tempo a melhor forma de escrever sobre as mortes das crianças.
As principais conclusões foram listadas nas “Recomendações para Reportagens sobre Suicídio”, um conjunto de diretrizes lançado em 2011.
Oito anos depois, a Associação Americana de Suicidologia divulgou diretrizes sobre o mesmo tema, desenvolvidas com o apoio de três outras instituições, entre elas a escola de jornalismo da Universidade de Ohio.
Outras diretrizes foram publicadas por iniciativas no Reino Unido, como o “Guia para reportagens sobre suicídios” e as “Diretrizes de Mídia dos Samaritanos para relatar suicídios”.
Embora os detalhes desses guias variem, eles ecoam um conjunto de princípios gerais: os jornalistas devem omitir informações sobre o local do ato e o método utilizado, não utilizar linguagem e enquadramento sensacionalistas, abster-se de glorificar ou romantizar a morte e evitar sugerir que a morte serviu a um propósito ou função.
O principal cuidado é evitar que leitores que já estejam em alto risco se identifiquem com detalhes narrados em uma matéria sobre suicídio, e se sintam mais propensos a colocar em prática seus pensamentos suicidas.
Os erros da New Yorker ao relatar o suicídio infantil
No entanto, apesar da existências desses guias, muitas reportagens recentes sobre suicídio infantil desrespeitaram suas recomendações.
À luz dessas diretrizes, a reportagem da New Yorker cometeu uma série de erros: incluiu detalhes sensacionalistas sobre o comportamento e a saúde mental da criança, além de informações sobre como o ato foi realizado e uma descrição macabra de sua morte e do estado do corpo.
Por sua vez, o New York Times incluiu em uma de suas matérias as informações sobre os materiais que os adolescentes usaram para se machucar.
O Wall Street Journal abriu uma reportagem descrevendo o suicídio de uma menina de 10 anos como inexplicável. Esse é um erro que, segundo os especialistas, pode levar à conclusão de que o suicídio é aleatório e impossível de prevenir. Para completar, descreveu o método utilizado para a morte da criança.
Embora as matérias reflitam compaixão com o pensamento suicida entre os jovens, seus erros podem ter consequências não intencionais.
Posso compreender os jornalistas que escreveram essas matérias, porque no passado eu mesmo cometi alguns dos mesmos pecados. Em 2013, antes de ter acesso pela primeira vez às diretrizes sobre cobertura de suicídio, escrevi uma reportagem sobre um jovem fuzileiro naval que se matou.
Descrevi em detalhes a arma de fogo que ele usou, por ter um significado especial para seu pai. Também relatei os detalhes do momento de sua morte.
Na época, acreditava que isso estava de acordo com as técnicas narrativas que havia aprendido para chamar a atenção para um problema importante.
Dilema entre as diretrizes e o que os jornalistas são treinados para fazer
O exemplo destaca o dilema fundamental enfrentado pelos jornalistas: as diretrizes para reportagens sobre suicídio pedem que se evite o que os jornalistas, são treinados para fazer, que é dramatizar a experiência humana, focando particularmente em detalhes evocativos.
Esse tipo de narrativa ganha audiência e prêmios. Mas décadas de pesquisas sugerem que, em reportagens sobre suicídio, a narrativa visceral e evocativa pode fazer mais mal do que bem.
Muitos dos primeiros estudos sobre o tema sugeriram que a reportagem gráfica poderia levar ao aumento das mortes por suicídio. Embora a relação entre causa e efeito permaneça difícil de provar, a ciência evoluiu substancialmente nos últimos anos e demonstrou uma ligação clara.
Efeito Werther: suicídio altamente divulgado provoca aumento de atos imitativos
Uma série de estudos apoia a existência de um fenômeno conhecido como efeito Werther. Quando um suicídio é altamente divulgado de forma irresponsável, ele é capaz de gerar um aumento de suicídios imitativos.
Essa conexão ficou clara em estudos recentes que usaram análises de séries temporais, dados de mecanismos de busca e outras técnicas para examinar o efeito de mortes por suicídio de celebridades.
Uma revisão sistêmica e meta-análise dessa pesquisa, publicada no The BMJ em 2020, descobriu que o risco de suicídio aumentou 13% nas semanas após o suicídio de uma celebridade.
Quando os meios de comunicação informaram o método do suicídio, houve um aumento de 30% nas mortes pela mesma técnica.
Os pesquisadores descobriram que a cobertura geral do suicídio não relacionado às mortes de celebridades não parecia afetar as taxas de suicídio, mas observaram que esse resultado foi baseado em um pequeno número de estudos.
Nenhuma das pesquisas levou em conta se as reportagens seguiram as diretrizes para reduzir o contágio. Se a cobertura de alta e baixa qualidade tivesse sido analisada, isso poderia ter alterado os efeitos negativos dos grupos de matérias.
Uma revisão de mais de 100 artigos de pesquisa de 2021 sugere que o efeito Werther é “causal e real”, e que as pessoas mais jovens, em particular, podem ser mais vulneráveis ao contágio suicida.
Pesquisas indicam que entre 1% e 5% das mortes por suicídio de adolescentes e jovens adultos acontecem em grupos, provavelmente como resultado do contágio.
Por outro lado, alguns estudos sugerem que certas formas de elaborar reportagens podem ter um efeito protetor contra o suicídio, conhecido como efeito Papageno, mas essa área de pesquisa ainda é nova.
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Você publicaria uma matéria se soubesse que provocaria outro suicídio?
Como jornalista que elabora reportagens sobre suicídio há mais de uma década, acredito que a cobertura sensível e responsável do tema é um serviço público.
Embora matérias baseadas em narrativas gráficas ou surpreendentes possam chamar mais atenção, existem outras maneiras talvez mais construtivas de contar essas histórias.
Por exemplo, o psicólogo John Ackerman, clínico do Nationwide Children’s Hospital e autor principal do guia da Associação Americana de Suicidologia, sugere que a mídia poderia destacar estratégias de prevenção e intervenção, acesso a cuidados especializados e em esforços para identificar populações em risco.
Os jornalistas também podem e devem se inspirar em matéria do Toronto Star, que preferiu destacar o exemplo positivo de jovens que sobreviveram a pensamentos ou tentativas suicidas.
Esses esforços não precisam se concentrar apenas na resiliência individual; mas podem também explorar de forma holística o esforço coletivo para que as pessoas dominem suas crises.
Nesse sentido, a cobertura do suicídio infantil e de jovens pode explorar maneiras pelas quais os indivíduos podem recorrer a recursos internos e externos, observando o papel complexo desempenhado por fatores estruturais, como racismo sistêmico e acesso aos cuidados de saúde.
Dan Reidenberg, diretor executivo da “Suicide Awareness Voices of Education”, ressalta que os jovens angustiados a ponto de considerar o suicídio acham que não há esperança e que é necessário ajudá-los a superar esse momento. Em seus treinamentos de jornalistas, ele pergunta:
“Se você soubesse que sua matéria provocaria outra morte, isso mudaria seu comportamento?”
Rebecca Ruiz é jornalista do Mashable e especializada em saúde mental.
Este artigo foi publicado originalmente no Undark e é republicado aqui mediante autorização.
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