Um dos jornalistas mais famosos da rede de TV Al Jazeera, Kamahl Santamaria, foi acusado de assédio sexual por ex-colegas em duas empresas jornalísticas diferentes e abriu uma crise na emissora financiada pelo Estado do Catar.
O caso escalou para denúncias de má conduta da própria TV com sede em Doha, que teria ignorado as denúncias das vítimas por anos.
Reportagem da BBC ouviu funcionários atuais e que já saíram da Al Jazeera que acusam a emissora de promover um ambiente de trabalho tóxico, onde queixas de assédio, sexismo, bullying e racismo não são levadas a sério pela direção.
Casos de assédio sexual na Al Jazeera foram conhecidos na Nova Zelândia
Kamahl Santamaria, de 42 anos, trabalhou por 16 na Al Jazeera, saindo da empresa no primeiro semestre deste ano.
Natural de Auckland, na Nova Zelândia, o jornalista estrela da TV árabe decidiu voltar ao seu país de origem para apresentar o matinal “Breakfast” na principal emissora neozelandesa, a TVNZ.
A estreia dele aconteceu em abril, mas ele durou pouco no ar. Apenas 32 dias depois, Santamaria pediu demissão em meio a diversas alegações sobre seu comportamento inadequado na redação.
Com as primeiras denúncias de assédio sexual vindo a público, os ex-colegas de Santamaria da Al Jazeera também começaram a expor relatos sobre sua má conduta na empresa de Doha.
A investigação conduzida pela BBC reuniu 22 alegações de assédio sexual contra Santamaria, além de denúncias contra outros funcionários da Al Jazeera.
Alguns alegaram que, apesar de reportarem os casos à administração da emissora, nenhuma ação foi tomada e, como resultado, foram forçados a se demitir.
A reportagem teve acesso a mensagens inapropriadas que o ex-âncora enviou a colegas no Twitter, Whatsapp e e-mail interno da empresa.
Em um dos relatos, uma produtora contou à BBC que Santamaria mandava mensagens para ela no Twitter dizendo que estava “disponível para um abraço” e perguntando por que ela “não o convidou para as férias”:
“Então veio o toque no escritório. Uma mão no ombro, um abraço estranho, e o pior: o beijo na bochecha.
Em mais de uma ocasião tive que ir ao banheiro limpar a saliva de Kamahl do meu rosto.”
A produtora denunciou esse e outros assédios do jornalista a superiores, mas a emissora nunca tomou providências contra ele. Ela e outros ex-colegas alegam que o comportamento de Santamaria foi presenciado por testemunhas em mais de uma ocasião.
As denúncias ainda incluem um beijo na boca forçado de um funcionário do sexo masculino que ainda trabalha na Al Jazeera; um beijo no pescoço de uma ex-produtora; e comentários sexuais falados e escritos pelo jornalista para uma freelancer da TV.
Katie Turner, ex-editora de notícias da Al Jazeera em Doha, decidiu falar publicamente sobre os casos que sabia — mas nunca foi vítima –nas redes sociais.
“FATOS: Kamahl Santamaria deixou seu emprego na TVNZ após 32 dias depois de uma reclamação sobre seu comportamento inadequado.
Ele foi apresentador da Al Jazeera em Doha por 16 anos, onde seu comportamento inadequado foi tolerado pela gerência e pelo RH. Denúncias sobre o que estava acontecendo foram amplamente ignorados.”
https://twitter.com/nurtip77/status/1543929206739898370
Jornalista diz que houve ‘reescrita da história’
Procurado pela BBC, Kamahl Santamaria não quis comentar as denúncias. Mas decidiu publicar uma declaração no seu site, afirmando que os relatos da reportagem tinham “algumas verdades, algumas falta de contexto crucial, algumas mentiras descaradas e uma reescrita da história.”
“Até agora, optei por não comentar, em parte devido ao meu próprio bem-estar físico e mental e – no caso de minha saída da TVNZ – por razões legais.
A única vez em que respondi publicamente, as evidências contrárias que forneci foram amplamente ignoradas e os comentários foram editados da minha declaração escrita.”
O jornalista ainda pediu desculpas por “todo e qualquer comportamento” que possa ter deixado alguém “desconfortável”.
“Foi mortificante descobrir que minhas ações fizeram com que as pessoas se sentissem desconfortáveis ao meu redor. Nunca foi minha intenção fazer as pessoas se sentirem assim, e ofereço minhas mais sinceras desculpas a elas e a qualquer outra pessoa afetada pelo meu comportamento.
O que eu vim a entender é que o que eu anteriormente considerava flerte superamigável, ‘apenas um pouco de brincadeira’, ou simplesmente dentro dos limites do aceitável na cultura predominante da redação, na verdade não era.
Como jornalista e pessoa, eu deveria ter feito melhor.”
O caso de Santamaria não parece ser isolado, já que os funcionários da Al Jazeera acusam a empresa de manter uma cultura tóxica que proporciona situações de assédio, bullying e racismo.
A BBC também recebeu relatos de assédio na redação da emissora em Londres e em outro escritório não identificado, onde um chefe do sexo masculino empurrou uma jovem correspondente feminina fazendo com que ela caísse.
O Catar vai sediar a próxima Copa do Mundo, e vem sendo seguidamente criticado por tentativas de limitar o trabalho dos jornalistas internacionais.
Uma das regras recentes é a proibição de entrevistas com pessoas em suas residências, o que pode estar associado a denúncias de trabalho escravo de operários estrangeiros acomodados em alojamentos.
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