Duas jornalistas que participaram da cobertura da morte da jovem Mahsa Amini, que desencadeou indignação e protestos populares em todo o Irã, foram acusadas pelo governo de serem agentes estrangeiras trabalhando para a CIA, agência de inteligência dos EUA. 

Niloofar Hamedi, primeira a noticiar a históriua, e Elahe Mohammadi, que cobriu o funeral, stão presas desde a repercussão da morte de Amini. A jovem de 22 anos morreu sob custódia da polícia da moralidade após ser detida por usar o tradicional véu (hijab) de maneira considerada incorreta.

Ao menos 41 jornalistas já foram presos durante as manifestações que eclodiram no Irã no último mês. Em resposta, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) formalizou uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) contra a repressão vivida pelos profissionais de imprensa no país.

Jornalistas do caso Mahsa Amini podem ser condenadas à morte

As jornalistas Niloofar Hamedi e Elahe Mohammadi estão detidas desde 22 de setembro na prisão de Evin, famosa por ser o local onde os presos políticos do país são encarcerados.

Hamedi foi a primeira jornalista a fazer reportagem a partir do hospital onde Amini foi levada após desmaiar enquanto estava sob custódia das autoridades iranianas.

Já Mohammadi fez a cobertura do funeral da jovem dias depois. Em comunicado enviado às agências de notícias iranianas na sexta-feira (28), as duas mulheres foram acusadas pelo Ministério da Inteligência do Irã de serem espiãs da CIA trabalhando no país.

As autoridades também descreveram os protestos como uma operação pré-planejada pela CIA, Mossad e outras agências de inteligência ocidentais.

A declaração, que chama ambas mulheres de “fontes primárias de notícias para a mídia estrangeira”, acusa Hamedi de se passar por jornalista e obrigar a família de Mahsa Amini a divulgar informações sobre a morte de sua filha.

Mohammadi foi acusada de “receber treinamento como agente estrangeira no exterior” por causa das matérias que publicou sobre o funeral de Amini.

O comunicado das autoridades iranianas foi recebido com temor pelos jornalistas do país, pois é prevista a pena de morte para o crime de espionagem para governos estrangeiros no Irã.

Um jornalista iraniano falou ao jornal The Guardian que rotular as duas jornalistas como espiãs faz parte de um ataque combinado à imprensa do país — o que inevitavelmente levará a mais prisões, já que o governo tenta impedir notícias sobre o que está acontecendo em relação à repressão dos protestos.

“Eles usarão essa acusação para fazer mais prisões, ou pior, executar seus próprios cidadãos por espionagem”, disse ele à publicação britânica.

ONG denuncia prisão de jornalistas à ONU

A crescente repressão contra jornalistas no Irã é monitorada de perto por entidades defensoras do jornalismo.

Ao mesmo tempo em que os protestos populares são sufocados pelas autoridades no país, em outras frentes a violação às liberdades da imprensa também continuam acontecendo.

Os Estados Unidos denunciaram na sexta-feira (31) que líderes iranianos impediram o enterro do corpo de um jornalista que trabalhou no exílio para a Radio Farda-Radio Free Europe/Radio Liberty, emissora de língua persa financiada pelo governo norte-americano.

O corpo de Reza Haghighatnejad, de 45 anos, foi apreendido pela Guarda Revolucionária Islâmica no aeroporto ao chegar da Alemanha. Segundo a família do jornalista, eles foram impedidos de continuar o transporte do corpo para Shiraz, a cidade natal dele, onde seria realizado o enterro.

Por essa e outras violações, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) pediu à ONU que sejam feitos todos os esforços para a libertação dos jornalistas presos durante os protestos no Irã.

Na denúncia encaminhada pela ONG, são detalhadas as muitas formas de repressão aos profissionais de imprensa que cobrem as manifestações, incluindo detenção arbitrária, violação dos direitos de defesa, violência física, ameaças e assédios, batidas policiais sem mandado e apreensão de equipamentos de trabalho.

“Aqueles que monitoram essa perseguição implacável de jornalistas pelas autoridades estão especialmente preocupados com as mulheres jornalistas, que estão entre as principais vítimas da resposta brutal do regime patriarcal iraniano”, diz a RSF.

A denúncia da RSF também chama a atenção da ONU para a censura estabelecida pelo governo do Irã e suas consequências para o direito à informação:

“Ao visar todos os meios de comunicação e reduzir o acesso à Internet a quase nada, as autoridades iranianas deixaram muito poucas possibilidades para que sua população e o mundo exterior tenham acesso livre a informações confiáveis.”

A ONG encaminhou a denúncia para nove mecanismos de proteção estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O documento foi enviado para os relatores especiais sobre liberdade de expressão, sobre a situação dos direitos humanos no Irã, sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, sobre violência contra as mulheres, sobre a liberdade de associação, sobre a tortura, sobre a independência dos juízes e sobre os direitos humanos no combate ao terrorismo, e para o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária.