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Análise | Depois de se eleger com promessas climáticas, premiê australiano esnoba a COP27

Anthony Albanese primeiro-ministro Austrália G20

Longe das tensões da COP27, Anthony Albanese (terceiro da esquerda para a direita) divertiu-se plantando árvores em Bali junto com líderes da G20

Liz Lacerda, jornalista

Sydney – Na Austrália, a presença do primeiro-ministro é o que determina o interesse da mídia, não necessariamente a relevância do tema, e a cobertura da COP27 no país acabou afetada pelo conflito com outros eventos internacionais não relacionados às mudanças climáticas. 

Na primeira semana, houve o encontro da Associação dos Países do Sudeste Asiático. Na segunda, o G20 em Bali.

O primeiro-ministro Anthony Albanese optou por marcar presença nesses eventos e não compareceu à cúpula do clima, recebendo muitas críticas de ativistas e de parte da imprensa.

Para representá-lo, Albanese enviou três representantes, incluindo o Ministro de Energia e Mudanças Climáticas.

Os meios de comunicação acompanharam a abertura e o início da COP27, com transmissões ao vivo. Mas em seguida a conferência praticamente desapareceu dos noticiários.

Veículos de comunicação com foco internacional como o The Guardian contrastaram a ausência do líder australiano com a presença do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

“Durou apenas três horas, mas a visita de Biden mostrou que foi um erro de Anthony Albanese não ir à COP27”, escreveu o jornal.

A ausência teve uma repercussão ainda maior porque Albanese tomou posse em maio com a promessa de implementar avanços ambientais, após nove anos do governo negacionista do partido liberal.

Austrália consciente sobre riscos das mudanças climáticas

Embora Anthony Albanese não tenha ido à COP27, a aprovação de um pacote de medidas ambientais 75 dias após a posse foi um sinal de que o novo governo entendeu a importância da questão para a população do país, afetada por incêndios florestais e inundações, devido às mudanças climáticas.

O pacote determina a redução de 43% nas emissões de gases do efeito estufa até 2030 em comparação com 2005, e emissões líquidas “zero” até 2050. A legislação prevê ações governamentais em várias esferas para atingir esse objetivo.

De acordo com o relatório “Clima da Nação” divulgado pelo Instituto Austrália, quase sete em cada dez australianos são contra o investimento em novas minas de carvão.

A maioria (57%) apoia a posição da Agência Internacional de Energia, que recomenda o fim de projetos de combustíveis fósseis para limitar o aumento da temperatura global em 1,5°C.

Enquanto isso,  mais de 100 projetos desse tipo aguardam aprovação no país. Os ativistas estão atentos.

“As pessoas estão ficando cansadas da tentativa do governo de querer as duas coisas. Não é possível ser um campeão do clima e aprovar novos projetos de combustíveis fósseis”, diz Sophie McNeill, pesquisadora da Human Rights Watch.

Vizinhos das Ilhas do Pacífico viram peças no xadrez geopolítico

O governo australiano sofre críticas internas por sua política ambiental, mas nada que se compare à pressão externa proveniente das ilhas do Pacífico Sul.

Pouco antes da COP27, os países vizinhos se reuniram em Fiji e assinaram a Declaração Kioa de Emergência Climática 2022 para ser apresentada em Sharm el-Sheikh. Eles pediram mais comprometimento dos países ricos.

O aumento de ciclones e a elevação do nível do oceano provocam perda de território e infraestrutura, pesca e agricultura, fundamentais para a subsistência.

Para Joseph Sikulu, diretor da ONG360.org, a Austrália tem sido “um grande desafio, com sua insistência em expandir minas de carvão”, uma das maiores causas das mudanças climáticas.

“Se os australianos foram vizinhos de verdade das ilhas do Pacífico, ele vão acabar com sua dependência do carvão e apoiar a recuperação das comunidades impactadas pela crise climática com financiamento adicional”.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Austrália, o país envia recursos para o desenvolvimento das ilhas-nações do Pacífico Sul há pelo menos 50 anos.

Albanese já anunciou um reforço de 375 milhões de dólares australianos (R$ 1,3 bilhão), totalizando assim uma ajuda de mais de R$ 5 bilhões para os próximos quatro anos.

Mas esse investimento também tem uma razão geopolítica: a China está se aproximando, com a assinatura de acordos de cooperação com países vizinhos, como as Ilhas Salomão.

A possibilidade de os chineses instalarem bases militares tão perto da Austrália alertou o novo governo para a importância da diplomacia e da colaboração com esses países.

Por essa e outras razões, Anthony Albanese anunciou a intenção de organizar a COP31 em conjunto com as ilhas do Pacífico. Se a parceria funcionar, ganha o planeta.


Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27


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