Londres – Assombrada pelo fantasma da rejeição por parte do público, a imprensa pode estar precisando do reforço de relações públicas para ser mais conhecida e compreendida e aumentar os índices de confiança no jornalismo.
Esta é a conclusão de uma pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Impress, órgão regulador independente de imprensa do Reino Unido, que reúne mais de 200 publicações. O estudo revelou uma correlação considerada “impressionante” entre os baixos níveis de confiança nas notícias e a falta de conhecimento sobre a indústria de jornalismo.
Uma das descobertas é que o público confia mais nos meios de comunicação (49%) do que nos jornalistas (39%), refletindo a força de marcas como a BBC e de jornais como Daily Telegraph e The Times, este último fundado há mais de 200 anos.
Baixa confiança no jornalismo
O estudo, denominado “Lições para Construir a Confiança do Público”, foi feito em conjunto com as Universidades Derby e Leeds. Os pesquisadores entrevistaram 3 mil pessoas.
Julie Firmstone, professora e pesquisadora de mídia e comunicação de Leeds, disse:
“O relatório e a pesquisa demonstram a importância dos esforços para aumentar os níveis de alfabetização midiática entre o público, mostrando que quando as pessoas se sentem informadas sobre como as notícias são regulamentadas e como o jornalismo funciona, é mais provável que confiem nas notícias”.
A realidade está bem distante. Mais da metade da população admite ter baixos níveis de alfabetização midiática e confiança nas notícias, principalmente no que diz respeito a como as decisões são tomadas nas redações, os padrões editoriais que são aplicados e como os meios são regulamentados e fiscalizados pelos órgãos da indústria.
O estudo constatou que em um cenário de mídia em transformação, o público tem altas expectativas em relação ao papel do jornalismo. No entanto, elas não estão sendo correspondidas, e os que consomem notícias ainda não estão convencidos sobre a confiabilidade dos meios online.
Em um país com a BBC, era de se esperar que a TV fosse o meio dominante para se informar, citada por mais da metade dos pesquisados. Mas o estudo do Impress revelou que jornais e rádio são mais utilizados do que se poderia supor.
Eles não são o primeiro ponto de acesso a notícias, mas fazem parte da composição de fontes acessada pelo público e “desempenham um papel significativo na conversa nacional”, destacaram os pesquisadores.
No entanto, em termos quantitativos, perdem para o digital: 32% das pessoas dizem que os veículos online são sua principal fonte de notícias, enquanto o rádio e a mídia impressa são os principais meios para menos de 10% das pessoas.
A pesquisa identificou uma clara preferência por TV e mídia impressa entre as faixas etárias de idade mais alta, com a TV chegando a 65% entre as pessoas com mais de 55 anos.
Já entre os jovens, o online (principalmente via smartphone) figura como o meio mais acessado para informações. Sua preferência cai de 48% entre pessoas de 18 a 24 anos para apenas 6% entre os acima de 75 anos.
Os resultados são consistentes com outras pesquisas, como o Digital News Report do Instituto Reuters, que vem atestando ano a ano o aumento de consumo de notícias por meios digitais e redes sociais nas faixas mais jovens.
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O Facebook foi apontado “de longe” a rede social mais usada para notícias, com duas vezes mais acessos do que o segundo colocado, o Instagram.
Os pesquisadores salientaram que o Facebook é a única plataforma onde o consumo de notícias em canais ou contas não oficiais (de organizações jornalísticas) supera os canais formais, enquanto o Twitter é relativamente mais usado para encontrar notícias de meios e jornalistas conhecidos.
Mas uma proporção considerável (mais de 35%) diz não usar as mídias sociais para notícias.
O que o público quer do jornalismo
Os conteúdos com maior potencial de atração para o público também foram investigados. Sem quebra por idade, notícias locais são as mais importantes, mas as internacionais aparecem em destaque.
É importante lembrar que o Reino Unido envolveu-se fortemente na guerra com a Ucrânia, o que tornou o tema relevante para a população geral devido a implicações sobre custo de vida, imigração e abastecimento de energia.
Crime e policiamento aparecem em seguida, quase empatados com saúde e assistência social, que na maior parte das vezes são pautas locais. Isso reforça a importância do jornalismo local, que vem desaparecendo no país.
Curiosamente para o país famoso pelos tabloides e com uma família real eternamente sob os holofotes, notícias sobre celebridades foram as menos votadas pelo público. No entanto, é reconhecido que nem todos admitem em pesquisas alguns hábitos que podem ser alvo de recriminação – e a leitura de tabloides talvez seja uma delas.
Os jornais tabloides mais sensacionalistas são os campeões em desconfiança na visão dos britânicos.
A credibilidade aumenta em relação a tabloides que exploram menos fofocas, é maior ainda entre os grandes títulos e encontra seu ponto mais alto nos jornais regionais e locais.
Esses jornais são muito influentes em suas comunidades e cobrem notícias que os meios de Londres deixam de lado.
Jornalismo na sociedade
O estudo explorou ainda a percepção das contribuições do jornalismo para a sociedade britânica. Informação, equilíbrio e imparcialidade lideram. Denunciar e responsabilizar falhas de pessoas e instituições figuram em seguida, antes de “educar”.
Novamente o culto às celebridades é visto como pouco importante, perdendo apenas para o apoio a um partido político. Curiosamente, essa é uma prática dos jornais britânicos, que declaram seu apoio a um dos dois grandes partidos do país, o Conservador ou o Trabalhista.
No entanto, esse tipo de apoio declarado não acontece nas emissoras de TV. E a BBC vive um pesadelo desde a eleição do ex-primeiro-ministro Boris Johnson, que a acusava de parcialidade e iniciou um processo de esvaziamento de seus recursos e poder de influência.
Jornalismo precisa admitir erros para assegurar confiança
Segundo o relatório, há um consenso forte sobre quais valores devem guiar jornalistas e meios de comunicação. Os principais são: admitir erros abertamente, separar fatos, opiniões e anúncios, e espelhar diferentes pontos de vista.
Valores como engajamento e empatia do usuário, resposta a reclamações e explicação sobre como são produzidas as notícias são apoiados por mais de 70% das pessoas.
“Há um forte senso de que as notícias devem ser transparentes, abertas, responsáveis, empáticas e independentes”, salienta o Impress
A credibilidade do público nos meios de comunicação é dividida entre os que confiam (49%) e os que desconfiam (48%). O público confia ainda menos (39%) nos jornalistas.
Na quebra por localidades, a cidade de Humberside, região Norte da Inglaterra, demonstrou o menor índice de confiança na mídia (45%), enquanto os que vivem em Londres são os que mais confiam (53%).
Segundo o estudo do Impress, a confiança nos jornalistas aumenta ligeiramente entre aqueles com maior nível educacional, mas permanece abaixo de 50% em todos os casos.
Ela é maior nas faixas etárias de 18 a 24 anos e 75 anos ou mais (ambos com 47%), enquanto as pessoas de 25 a 34 anos têm os níveis mais baixos de confiança, com 39% confiando na mídia e 33% confiando nos jornalistas.
Outra revelação do estudo é o grau de desconhecimento sobre o processo de produção de notícias e sobre como a mídia é fiscalizada.
Metade ou mais da metade admite desconhecimento sobre como as pautas são escolhidas e os critérios para essa escolha. O mesmo acontece sobre quem fiscaliza e quais são os padrões de operação da imprensa no país.
O presidente do Impress, Richard Ayre, disse:
“A mensagem não poderia ser mais clara. Se quisermos melhorar a confiança no jornalismo, toda a indústria precisa se envolver mais abertamente com o público sobre os valores do jornalismo, sobre como altos padrões podem ser alcançados e sobre o papel que a regulamentação pode desempenhar na manutenção desses padrões”.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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