Londres – As duas últimas semanas foram tensas em algumas das principais organizações de mídia americanas, como New York Times, Washington Post, CNN Internacional, Gannett e BuzzFeed, que viraram notícia por demissões, encerramento de publicações e greve, movimento que não se via desde o auge da crise da covid-19. 

O ponto alto da crise foi a greve de mais de 1 mil funcionários sindicalizados do New York Times, que cruzaram os braços por 24 horas na quinta-feira (8) em reação à falta de acordo sobre o novo contrato de trabalho que vinha sendo negociado pelo sindicato New York Times Guild.

Houve protestos diante da sede do jornal, em que os grevistas e apoiadores questionam os salários considerados insatisfatórios diante dos altos lucros da empresa. Não houve acordo também em questões como trabalho remoto e benefícios. 

O sindicato quer um salário mínimo anual de US$ 65 mil (R$ 341 mil) , um aumento de 10% após a ratificação do contrato e aumentos de 5,5% em 2023 e 2024.

O New York Times ofereceu US$ 60 mil (R$ 315 mil), aumentando para US$ 62.500 em 2024, um aumento de 5,5% após a ratificação e aumentos anuais de 3%. 

Em um comunicado distribuído na véspera da greve, o sindicato alegou que a proposta “ainda não consegue atender ao momento econômico, ficando muito atrás da inflação e da taxa média de ganhos salariais nos EUA”. 

 

A posição do New York Times fica vulnerável diante dos lucros prometidos aos acionistas e de grandes investimentos em aquisições este ano.

O NYT comprou o game Worldle e o site de esportes The Athletic, de olho no aumento de audiência. 

Internamente, o discurso é diferente. A CEO Meredith Kopit Levien escreveu uma mensagem aos funcionários no dia anterior à greve alegando que 40% da receita da empresa vem do meio impresso, que está em declínio, e que os lucros ainda não alcançaram os níveis de algumas décadas atrás.

Segundo a CEO, o salário mínimo exigido pelo NewsGuild adicionaria custos de mais de US$ 100  ao longo da vida útil do contrato, “dificultando a sustentação do nosso investimento em jornalismo”. 

O jornal não deixou de circular ou atualizar o site, pois tinha se preparado antes com conteúdo pronto, e nem todos os funcionários aderiram ao movimento, restrito aos sindicalizados. 

A última paralisação de mais do que algumas horas no New York Times havia acontecido em 1965. 

Gannett, estrela da mídia impressa americana 

Uma semana antes da greve do New York Times, o conglomerado Gannett tinha voltado às manchetes – inclusive do próprio jornal novaiorquino – por uma onda de cortes para fazer face às perdas financeiras significativas que vem registrando. 

O Gannett é o maior grupo de mídia impressa dos EUA, dono de publicações como o USA Today. Em agosto, o grupo havia eliminado 400 empregos e confirmou que não faria novas contratações. 

Em outubro, o CEO da Mike Reed enviou um comunicado à equipe informando sobre a suspensão temporária do pagamento do fundo de pensão, determinando que os colaboradores tirassem uma semana de licença não remunerada em dezembro,  e anunciando um programa de indenização para demissões voluntárias.

No dia 1º de dezembro, veio nova bomba: foram demitidos 200 profissionais. Segundo o New York Times, o plano é cortar 6% da divisão de mídia, que tem cerca de 3,4 mil funcionários. 

Washington Post cortou revista 

No Washington Post, o corte foi seletivo, ceifando a prestigiada revista impressa dominical que existia há mais de 60 anos. O último exemplar sairá no dia de Natal. 

Embora o jornal tenha anunciado contratações e vagas abertas para seu novo projeto de jornalismo climático, não houve remanejamento da equipe para outras áreas. 

Os 10 funcionários da revista perderam o emprego, de acordo com Shani George, vice-presidente de comunicações do jornal. 

O Post publicou uma reportagem sobre o fim da revista impressa, em que reproduziu elogios da editora-chefe, Sally Buzbee, à publicação feitos no início deste ano. 

Ela disse que a revista estava fazendo um excelente trabalho e que o jornal “estava comprometido com sua impressão” – mas o compromisso não durou muito. 

O sindicato Post Guild fez um comunicado dizendo-se indignado com a demissão de profissionais reconhecidos com prêmios como o Pulitzer. 

Entre os demitidos junto com o corte da revista está  Sarah L.Kaufman, que era uma das últimas críticas de dança regular no jornalismo americano. Ela ganhou Pulitzer de crítica em 2010 por um conjunto de reportagens sobre grandes artistas.  

A demissão gerou críticas no meio jornalístico de de dança. 

Cortes na CNN americana em ano de crise 

Em mais um lance de um ciclo de crises em que teve que demitir sua estrela Chris Cuomo, trocou de CEO e fechou o projeto de streaming CNN+ um mês após o lançamento, a CNN Internacional avisou em novembro que “mudanças agressivas” estavam por vir. 

No dia 1º de dezembro, um comunicado do CEO Chris Licht confirmou os cortes, mas não disse quantos eram, concentrando-se em explicar mudanças na programação.

Os cortes aconteceram simultaneamente à demissão de profissionais na CNN Brasil, mas nenhum dos lados mencionou o outro nos comunicados sobre as decisões. 

Segundo matéria da própria CNN Business, os demitidos na CNN Internacional seriam “centenas”, incluindo estrelas do elenco como o apresentador Robin Meade, o repórter político Chris Cillizza e os comentaristas Susan Glasser e Jonathan Martin. 

Licht assumiu o comando da CNN Internacional  depois da saída de Jeff Zucker, em fevereiro.

Ele pediu demissão ao revelar um relacionamento secreto que mantinha com a vice-presidente executiva e diretora de marketing da emissora, Allison Gollust. Ela também renunciou, em um dos escândalos enfrentados por uma das mais importantes empresas de mídia americanas. 

Coube a Licht encerrar o CNN+, que custou o emprego de seus 360 funcionários, e a reorganizar as finanças em um cenário adverso depois consolidação da operação que fundiu a Warner Media e a Discovery. 

Na reportagem sobre as demissões, a CNN Business salientou que a empresa ainda registra lucros de centenas de milhões de dólares.

Mas em agosto, o New York Times teve acesso a um informe da S&P projetando lucro da CNN para 2022 em US$ 956,8 milhões, primeira vez em cinco anos em um patamar abaixo de US$ 1 bilhão.

BuzzFeed, estrela da mídia digital americana 

No BuzzFeed, um dos outrora queridinhos da mídia digital, a demissão atingiu 12% da força de trabalho, um total de 180 profissionais. 

Em comunicado protocolado junto ao órgão regulador do mercado acionário,  SEC (Securities and Exchange Commission), a empresa expôs o desafio da monetização, barreira para grandes e pequenos. 

O texto explica que as demissões “destinam-se a reduzir os custos da empresa” em resposta a fatores como “condições macroeconômicas desafiadoras”, “eliminando redundâncias onde elas existem” e a “mudança contínua do público para formatos curtos e verticais de vídeo, que o BuzzFeed ainda está desenvolvendo do ponto de vista da monetização”.

Mídia americana vinha bem até 2021

A crise de empregos em 2022 é uma reviravolta em uma situação que parecia favorável em 2021.

Um relatório do Pew Research Center publicado em 13 de outubro constatou que no ano passado, 11% dos jornais de alta circulação – aqueles com uma circulação média de domingo de 50 mil exemplares ou mais – sofreram demissões, em comparação com três vezes o mesmo que no ano anterior (33%), quando a pandemia do coronavírus abalou a economia do país.

O número de 2021 é o menor percentual de grandes jornais com demissões desde que o Centro começou a acompanhar essa tendência em 2017.

O resultado foi atribuído ao aquecimento da economia. Mas em 2022 os ventos parecem estar soprando contra para a indústria.