Londres – O pesadelo jurídico vivido pelo bilionário magnata da mídia de Hong Kong Jimmy Lai foi mais uma vez objeto de reação internacional depois que seu julgamento, marcado para a terça-feira (13) foi adiado para setembro de 2023 porque o advogado britânico não foi autorizado a representá-lo, configurando segundo a Human Rights Watch mais uma das violação dos direitos humanos no caso. 

Lai, de 75 anos, fundou e dirigiu o conglomerado de mídia Next, dono do jornal Apple Daily, que fechou as portas em junho de 2021 depois de perseguições do governo do território. Sufocado financeiramente e com vários jornalistas presos, o grupo encerrou as operações.

Segundo a Human Rights Watch, o editor foi a primeira pessoa a ser acusada de “conluio com forças estrangeiras” sob a draconiana Lei de Segurança Nacional (NSL), que o governo chinês impôs a Hong Kong em junho de 2020. O empresário está na cadeia desde abril. 

Ele enfrenta três acusações de conluio estrangeiro e uma acusação de sedição, com base em seus tweets, entrevistas que deu e artigos publicados por seu jornal. 

Além das acusações de segurança nacional, Lai foi condenado em três casos de “assembléia não autorizada” em abril, maio e dezembro de 2021 por participar de protestos pacíficos e condenado a 20 meses de prisão.

Ele também foi sentenciado por duas acusações de “fraude” em outubro de 2022 por supostas violações de aluguel por sua empresa de mídia e condenado a mais cinco anos e nove meses de prisão, sentença anunciada na primeira semana de dezembro. 

 

 

A batalha em torno da autorização para o advogado Timothy Owen representar Jimmy Lai já vinha se desenrolando há várias semanas. O julgamento estava inicialmente agendado para 1º de dezembro e foi adiado para o dia 13.

Nesta terça-feira, a sessão foi postergada para o ano que vem, pois Owen teve negada a extensão de seu visto de trabalho, tendo sido obrigado a deixar Hong Kong. 

Direitos Humanos em risco em Hong Kong 

A Human Rights Watch acusa as autoridades de Hong Kong de terem pedido ao governo chinês que mudasse a lei local para impedir advogados estrangeiros de casos de segurança nacional, negando o direito de Lai a um advogado de sua escolha.

Segundo a organização, há o risco de Jimmy Lai e ser julgado na China continental, onde os tribunais são submetidos ao Partido Comunista Chinês. “Ele e os seis co-réus, que se declararam culpados de uma acusação, podem pegar prisão perpétua”, alerta a entidade. 

Em novembro, seis ex-funcionários do Apple Daily admitiram culpa pelo crime de conluio por terem feito reuniões com Jimmy Lai. O ato foi interpretado como uma forma de reduzir suas penas e afastar o risco de passarem a vida na cadeia.

Os seis são: Cheung Kim-hung, ex-presidente-executivo da Next Digital, controladora do Apple Daily ; Chan Pui-man, ex-editor associado do Apple Daily ; Ryan Law Wai-kwong, ex-editor-chefe; Lam Man-chung, ex-editor-chefe executivo; Fung Wai-kong, ex-editor-chefe executivo da seção de notícias em inglês; e Yeung Ching-kee, ex-redator editorial. 

A data para a audiência de mitigação para a acusação de conspiração ainda não foi marcada. Alguns deles testemunharão no julgamento de Lai e sua sentença será proferida após a conclusão do caso.

“Pequim parece ter a intenção de prender um de seus críticos mais poderosos por muitos anos, possivelmente pelo resto de sua vida”, disse Maya Wang , diretora da Human Rights Watch para a Ásia. 

Em um comunicado, a organização detalhou o que vê como violações ao direito de julgamento justo no caso, que considera “uma farsa”. 

Direito a aconselhamento jurídico

Em outubro de 2022, o Tribunal Superior de Hong Kong aprovou o pedido de Lai para ser representado pelo advogado sênior britânico Timothy Owen. O Departamento de Justiça apelou da decisão, mas perdeu no Tribunal de Apelação e no Tribunal de Apelação Final. 

O chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, disse então que pediria ao governo central chinês que entrasse no caso “interpretando” a constituição de fato de Hong Kong, a Lei Básica, para impedir advogados estrangeiros de representar réus de segurança nacional. 

Um alto funcionário de Hong Kong sugeriu ainda que, se Lai não encontrasse um advogado de Hong Kong para representá-lo, ele poderia ser julgado na China, onde existem poucas proteções processuais.

Detenção preventiva prolongada

A NSL (Lei de Segurança Nacional) nega fiança aos suspeitos, a menos que o juiz esteja convencido de que eles não cometerão crimes de segurança nacional. Lai está detido desde dezembro de 2020, quando foi acusado sob a NSL. 

A presunção da lei contra a fiança sem levar em conta a gravidade ou a natureza dos supostos delitos é inconsistente com a presunção a favor da fiança e presunção de inocência na tradição do direito de Hong Kong e sob o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 

Ambos são incorporados à estrutura legal de Hong Kong por meio da Lei Básica e expressos na Portaria da Declaração de Direitos.

Julgamento sem júri

Em obediência à NSL, a promotoria ordenou um julgamento sem júri para o caso de Lai, afastando-se da tradição dos julgamentos criminais do Tribunal Superior.

 O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, em seu Comentário Geral nº 32 sobre o direito a um julgamento justo, declara que se “procedimentos criminais excepcionais ou cortes ou tribunais especialmente constituídos [como julgamentos sem júri] se aplicam na determinação de certos categorias de casos, motivos objetivos e razoáveis ​​devem ser apresentados para justificar a distinção”.

Juízes escolhidos a dedo 

Três juízes selecionados pelo chefe do Executivo de Hong Kong, que foi escolhido por Pequim, presidirão o caso.

De que Jimmy Lai é acusado pelas autoridades de Hong Kong

A Human Rights Watch afirma que a suposta evidência de “conluio estrangeiro” contra Lai consistia em seus tweets buscando a atenção de políticos estrangeiros, uma reunião com o então secretário de Estado dos EUA e um talk show que ele apresentava na plataforma digital do Apple Daily, em que entrevistou políticos estrangeiros. 

“Outras evidências ostensivas incluem a publicação de uma versão em inglês do Apple Daily e seus apelos a governos e políticos estrangeiros para apoiar os protestos de Hong Kong em 2019 e sancionar autoridades de Hong Kong por violações dos direitos humanos”, explica a organização. 

A promotoria alegou que essas “comunicações com elementos externos” entre abril de 2019 e junho de 2021, algumas das quais ocorreram antes da entrada em vigor da NSL, mostraram que Lai era um “mentor” em conluio estrangeiro ”, sinalizando uma possível sentença severa . 

“Nenhuma das atividades ou discurso citado defendia violência ou outro comportamento que pudesse constituir um crime reconhecível sob o direito internacional”, afirma a Human Rights Watch. 

Como evidência de “sedição”, a promotoria alegou que 160 artigos publicados pelo Apple Daily entre 2019 e 2020, incluindo artigos de opinião escritos por políticos e ativistas pró-democracia, conclamavam as pessoas a protestar, “incitavam o ódio contra a polícia” e “promoção do uso de métodos violentos para resistir ao governo central chinês”. 

“Mas não está claro quais artigos a promotoria está usando para fundamentar essas alegações”, critica a entidade. 

Manobras da China em Hong Kong 

“As manobras dos governos da China e de Hong Kong para impedir advogados estrangeiros de casos de segurança nacional minarão ainda mais o estado de direito na cidade, que caiu vertiginosamente desde que a Lei de Segurança Nacional foi imposta”, disse Maya Wang.

A Human Rights Watch levantou a possibilidade de que o principal órgão legislativo da China, o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo (NPCSC), “interprete” a Lei Básica durante sua próxima sessão bimestral no final de dezembro, embora o item não esteja na agenda.

Para a organização, essa decisão prejudicaria ainda mais a independência dos advogados em Hong Kong e tornaria ainda mais difícil para aqueles em julgamentos políticos exercerem seu direito a aconselhamento jurídico, como Jimmy Lai.

Alguns advogados de Hong Kong que anteriormente representavam manifestantes presos deixaram a cidade após a imposição da NSL. 

O assédio de alto nível das autoridades chinesas e de Hong Kong ao ex-presidente da Ordem dos Advogados de Hong Kong, Paul Harris, contribuiu para o ambiente intimidador. 

Impedir que os réus em casos de segurança nacional tenham um advogado estrangeiro os deixará com poucos ou nenhum advogado baseado em Hong Kong disposto a aceitar seus casos. 

Os réus teriam que contratar advogados compatíveis com as demandas de Pequim ou correr o risco de serem transferidos para a China e o sistema jurídico controlado por Pequim.

A importância do caso Jimmy Lai vai além de Hong Kong, salientou a Human Rights Watch e ameaça as liberdades de imprensa e de expressão:

O governo chinês controla todos os meios de comunicação em língua chinesa no continente, juntamente com a internet. Desde 2020, os governos chinês e de Hong Kong desmantelaram a outrora próspera imprensa independente de Hong Kong, que por décadas costumava criticar fortemente o Partido Comunista Chinês. 

A polícia de Hong Kong invadiu e fechou o Apple Daily , junto com outro veículo influente, o Stand News ; pelo menos sete outros veículos fecharam com medo da repressão. 

Agora, existem poucas fontes alternativas e independentes de informações em chinês para falantes da língua chinesa fora do controle de Pequim.

“Governos preocupados devem pressionar Pequim a retirar todas as acusações contra Lai”, disse Wang. “O ataque do governo chinês ao estado de direito de Hong Kong e à mídia livre representa uma ameaça global.”

A Federação Internacional de Jornalistas lançou uma campanha de apoio a Jimmy Lai, com base em um relatório em que aponta a deterioração da liberdade de imprensa no território depois da volta do controle da China sobre Hong Kong. 

Redação MediaTalks
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