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Jornalista francesa é julgada por insulto público ao chamar ex-militar de Ruanda de nazista

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Londres – Postagens em redes sociais compartilhando uma reportagem sobre o ex-chefe da inteligência militar de Ruanda durante o genocídio que dizimou pelo menos 800 mil pessoas em 1994 valeram à repórter Maria Malagardis, do jornal francês Liberation, um processo judicial por “insulto público”. 

Malagardis, profissional experiente na cobertura de assuntos da África e que escreve sobre o genocídio de Ruanda há mais de 30 anos, está sendo julgada no Tribunal de Paris nesta quinta-feira (19), respondendo ao processo movido por Aloys Ntiwiragabo. 

A reportagem “Aloys Ntiwiragabo, suposto pilar do genocídio tutsi, está escondido na França” foi publicada em 2020 no site Mediapart, assinada pelo jornalista Théo Englebert.

Ele também está sendo processado em uma ação separada, segundo o Sindicato de Jornalistas da França.

Englebert revelou a presença do ex-oficial de Ruanda em território francês, vivendo tranquilamente na região de Orleans com a mulher.

Oficial de alto escalão na época dos massacres de 1994, Ntiwiragabo era procurado pelos magistrados do Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR).

O homem, cujo paradeiro não era conhecido há mais de vinte anos, tornou-se alvo de uma investigação preliminar na França por “crimes contra a humanidade”. 

Maria Malagardis, “cuja experiência e seriedade são reconhecidas por seus pares”, segundo o Sindicato, compartilhou a reportagem com o comentário:

“Um nazista africano na França? Alguém vai reagir? “

Ela é autora de um livro sobre a caçada aos autores do massacre, Sur la Piste des Tueurs Rwandais (Na Trilha dos Assassinos Ruandeses, em tradução livre).

Logo após a publicação da reportagem e das postagens, Aloys Ntiwiragabo, que passou grande parte de sua vida fugindo da justiça, apresentou queixas contra Théo Englebert e Maria Malagardis por insulto, em dois processos separados. 

Em nota, a Federação Internacional de Jornalistas lembrou que “o uso da palavra “nazista” para se referir aos massacres perpetrados em Ruanda não é novidade: vários historiadores fizeram essa escolha desde a década de 1990.”

Em entrevista ao podcast “Pergunta do Dia” da Rádio France, a historiadora Hélène Dumas descreveu o autor dos processos como um dos principais responsáveis pelo genocídio em Kigali, citando dados da ONG African Rights. O outro grande responsável apontado pela ONG é então prefeito Tarsis Renzao, condenado à prisão perpétua em 2011.

Dumas confirmou que a associação do massacre com o nazismo não era novo. 

“Desde os ataques mortíferos no Natal de 1963, a memória do extermínio dos judeus da Europa havia sido invocada pela imprensa internacional para descrever os massacres de várias dezenas de milhares de tutsis .

O historiador Jean-Pierre Chrétien, na edição do Liberation de 26 de abril de 1994, denunciou o que estava acontecendo em Ruanda sob o termo de “nazismo tropical” […].”

O caso é um constrangimento para a França. Ntiwiragabo teve o visto recusado em 2011, e o Pedro de asilo negado em 2020, mas segue no país por meio de recursos contra as decisões. Outros que tiveram participação na violência em Ruanda também conseguiram se estabelecer na França. 

A historiadora salientou que as suspeitas contra Aloys Ntiwiragabo são muito pesadas, mas as mais altas autoridades judiciais francesas recusam a extradição sob uma lei pós-genocídio.

Para ela, a Justiça francesa tem obrigação de julgar em seu território os suspeitos de terem participado do genocídio. 

Théo Englebert, o autor da reportagem publicada no Mediapart, considera o processo judicial por insulto público uma estratégia para intimidar os jornalistas e impedir o trabalho daqueles que investigam o genocídio de Ruanda.

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