Londres – Anistia Internacional, Human Rights Watch, PEN International, Artigo 19, Repórteres Sem Fronteiras e Comitê de Proteção a Jornalistas estão entre as mais de 90 organizações de direitos humanos e jornalismo unidas em um manifesto cobrando do governo de Ruanda uma investigação transparente sobre a morte de John Williams Ntwali, por suspeitarem de violência e não de um acidente de trânsito.
Importante jornalista investigativo, ele era editor do site de notícias online The Chronicle e criou o canal de notícias Pax TV/Ireme News, no YouTube. Ntwali recebia ameaças frequentes por suas reportagens críticas ao governo.
Segundo a Human Rights Watch (HRW), a família foi informada sobre a morte em 19 de janeiro, quando a polícia pediu ao irmão do jornalista que identificasse seu corpo no necrotério do Hospital Kacyiru.
As autoridades disseram ao jornal local New Times que Ntwali havia morrido no dia anterior, quando o mototáxi em que viajava teria sido atingido por um carro na capital, Kigali.
No entanto, segundo as organizações que assinaram o manifesto esta semana, nenhuma evidência como foto, vídeo ou informações detalhadas sobre o outro veículo supostamente envolvido no acidente foi apresentada, o que deu origem à suspeita de ato de violência deliberada.
O Comitê de Proteção a Jornalistas disse ter pedido informações à porta-voz do governo de Ruanda, Yolande Makolo.
E recebeu de volta um link para um tweet dizendo que oito pessoas morreram em acidentes de mototáxi em janeiro no país, e que “insinuações infundadas” não ajudaram no caso.
A resposta não convenceu. A Unesco foi uma das organizações que pediu apuração transparente sobre a morte do jornalista investigativo.
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Medo de atos de violência depois de conferência em Ruanda
A emissora pública americana Voice of America citou um jornalista local dizendo que esteve com Ntwali na noite de 17 de janeiro e que o profissional parecia cauteloso, demonstrando preocupação com a possibilidade de estar sendo vigiado.
Em junho de 2022, ele falou sobre as ameaças à Human Rights Watch:
“Disseram-me que depois da Reunião dos Chefes de Governo da Commonwealth, eles não vão mais brincar conosco. Já me disseram cinco ou seis vezes.
Recebo ligações de números privados. Algumas pessoas [da inteligência] vieram à minha casa duas vezes. O NISS [Serviço Nacional de Inteligência e Segurança] me disse: ‘Se você não mudar de tom depois da conferência, verá o que acontece com você.”
A Human Rights Watch destaca que Ntwali desempenhou um papel de liderança ao cobrir e chamar a atenção para a situação dos moradores do bairro de Kangondo, que estão em uma disputa de longa data com as autoridades sobre desocupação de terras.
Na época, ele disse à rede Al Jazeera :
“Estou focado em justiça, direitos humanos e defesa, e os três são arriscados aqui em Ruanda. Mas eu tenho um compromisso. Aqueles que tentam falar, são presos – perseguidos, intimidados ou presos.
Depois são forçados a fugir de seu país. Alguns desaparecem no ar. Ou morrem.”
Ntwali também foi um dos poucos jornalistas em Ruanda a cobrir de forma independente julgamentos de jornalistas, comentaristas políticos e membros da oposição, postando em seu canal vídeos sobre violência que teriam sofrido e suas condições na prisão, segundo a HTW.
Em junho de 2022, ele relatou à organização ferimentos resultantes de tortura que viu em alguns desses críticos e oponentes. Recentemente, ele também publicou vídeos em seu canal no YouTube sobre pessoas que haviam “desaparecido” de forma suspeita
Seu último vídeo , postado em 17 de janeiro, era sobre o suposto desaparecimento de um sobrevivente da violência praticada durante o genocídio em Ruanda que havia denunciado ter sido espancado por policiais em 2018.
Ruanda, 136º em liberdade de imprensa
O Índice de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras lista Ruanda em 136º lugar entre 180 nações. Segundo a entidade, os canais de TV são controlados pelo governo ou por membros do partido no poder. A maioria das estações de rádio se concentra em música e esportes para evitar problemas.
Num país de 12 milhões de habitantes, já não existe um único jornal nacional, segundo a RSF.
O jornalismo investigativo não é amplamente praticado em Ruanda, e os jornalistas que tentaram divulgar conteúdo sensível ou crítico via YouTube ou outros canais online nos últimos anos receberam sentenças duras foram alvo de violência, como pode ter sido o caso de John Ntwali.
“A reeleição de Paul Kagame para um quinto mandato em agosto de 2017 reforçou o autoritarismo e a censura do regime.
Os donos de empresas de mídia devem jurar lealdade ao governo, e muitos jornalistas foram forçados a participar de um programa de patriotismo ou se tornar membros do partido no poder.”
A perseguição ao jornalismo se estende além das fronteiras do país. Aloys Ntiwiragabo, ex-chefe da inteligência militar em Ruanda durante o genocídio de pessoas da etnia tutsi, está processando jornalistas na França, onde se refugiou com a família.
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Veja a íntegra da carta assinada pelas entidades, incluindo grandes ONGS globais e associações de jornalismo e direitos humanos de vários países africanos.
Ruanda tem a obrigação, sob a lei internacional de direitos humanos, de assegurar uma investigação efetiva sobre a morte de Ntwali. O direito à vida está consagrado na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e, de acordo com a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África , “Os Estados devem tomar medidas legais eficazes e outras medidas para investigar, processar e punir perpetradores de ataques contra jornalistas e outros profissionais da mídia e garantir que as vítimas tenham acesso a remédios eficazes”.
O presidente de Ruanda é o presidente em exercício da Commonwealth desde a última Reunião dos Chefes de Governo da Commonwealth, realizada em Kigali, Ruanda, em junho de 2022. O presidente em exercício representa a Commonwealth em reuniões internacionais de alto nível e o secretário da Commonwealth -Trabalho de prevenção e resolução de conflitos do General por um período de dois anos.
Na Carta da Commonwealth de 2013 , os estados membros reafirmaram seus valores e princípios fundamentais, incluindo a defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão, estado de direito e o papel da sociedade civil.
Os Princípios da Commonwealth sobre liberdade de expressão e o papel da mídia na boa governança, adotados pelos ministros jurídicos da Commonwealth em novembro, afirmam que “os Estados membros devem agir de forma decisiva para acabar com a impunidade por meio de investigações imparciais, imediatas e eficazes em todos os casos de alegados assassinatos , ataques e maus-tratos a jornalistas e profissionais da mídia, por meio de ações judiciais para levar os instigadores e perpetradores de tais crimes à justiça e pela provisão de reparação efetiva para as vítimas”.
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As autoridades ruandesas falharam consistentemente em garantir investigações confiáveis e responsabilização por mortes suspeitas de oponentes políticos ou críticos de alto nível, como Kizito Mihigo em fevereiro de 2020 .
Portanto, especialistas regionais e internacionais, como o Relator Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias ou o grupo de trabalho da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos sobre pena de morte, execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias e desaparecimentos forçados na África devem estar envolvidos na investigação.
Uma investigação efetiva precisa ser independente, imparcial, minuciosa e transparente, conduzida em total conformidade com o Manual das Nações Unidas sobre a prevenção e investigação efetiva de execuções extralegais, arbitrárias e sumárias […].
Nós, as organizações abaixo assinadas, exortamos os parceiros internacionais de Ruanda, incluindo a Commonwealth, a manter seu compromisso declarado com a liberdade de imprensa e a pedir ao país que permita uma investigação efetiva, independente e imediata sobre a morte suspeita de John Williams Ntwali.
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