Londres – Ao escolher o tema DigitALL: Inovação e tecnologia para a igualdade de gênero para marcar as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, a ONU está chamando a atenção para problemas de inclusão que afetam as mulheres em todo o mundo, que incluem falta de oportunidades no mercado de trabalho em mídia e tecnologia, violência online, sub-representação na imprensa e exclusão digital.

Em um discurso abrindo uma série de debates sobre a situação na sede da ONU em Nova York, Sima Bahous, Subsecretária-Geral da organização e diretora da ONU Mulheres, apresentou um quadro sombrio da situação, que classificou como “pobreza digital”.

“É um novo tipo de pobreza que exclui mulheres e meninas de forma devastadora”, aponta a diretora. 

Em seu discursos sobre a data, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que a sociedade precisa de 300 anos para alcançar a igualdade de gênero. 

Inclusão digital de gênero ainda distante 

A mídia e a tecnologia são áreas em que as desigualdades resistem. Mulheres seguem fora dos cargos de liderança de empresas jornalísticas em vários países, incluindo o Brasil, apesar de serem maioria nas redações. São sub-representadas na mídia, e sofrem mais ataques online do que os homens. 

De acordo com dados recentes compilados pela ONU, a exclusão das mulheres do mundo digital vem com custos maciços para todos, tendo já reduzido US$ 1 trilhão do produto interno bruto dos países de baixa e média renda na última década – uma perda que, sem um plano de ação pretendido e investimento adequado, deve aumentar para US$ 1,5 trilhão até 2025.

Nem a inteligência artificial  escapou: apenas 22% de mulheres trabalham na área no mundo, segundo a ONU. Pode ser mera coincidência, mas 44% dos sistemas de IA analisados em uma pesquisa citada pela ONU demonstraram preconceito de gênero.

“A tecnologia digital sensível ao gênero representa uma oportunidade sem precedentes para o empoderamento global das mulheres, para eliminar todas as formas de disparidade e desigualdade na era digital e para transformar os ecossistemas de inovação”, afirma Bahous. 

Em tecnologia digital, as mulheres não apenas ocupam menos cargos, mas também enfrentam diferença salarial de 21%, diz a organização, configurando a falta de inclusão de gênero no setor. E quase metade delas já enfrentou assédio no ambiente profissional. 

Entrando no mundo das pessoas comuns, Sima Bahous quantificou a exclusão digital: 

“As mulheres têm 18% menos probabilidade do que os homens de possuir um smartphone e muito menos probabilidade de acessar ou usar a Internet. Em 2022, 259 milhões de homens a mais do que mulheres estavam online.”

A chamada “pobreza digital” afeta desproporcionalmente meninas e mulheres de baixa escolaridade ou renda, que vivem em áreas rurais ou remotas, migrantes, com deficiência e mais velhas, de acordo com o manifesto da organização.

“A exclusão digital limita o acesso a informações que salvam vidas, a serviços financeiros e a serviços públicos. Isso influencia a capacidade de uma mulher concluir seus estudos, possuir uma conta bancária, tomar decisões informadas sobre seu corpo, alimentar a família ou conseguir emprego”, disse a diretora da ONU Mulher ao expor os desafios da inclusão digital de gênero. 

Riscos para mulheres no ambiente digital 

A organização também abordou os riscos online para mulheres. Uma pesquisa mostrou que 80% das crianças em 25 países relataram sentir-se em perigo de abuso e exploração sexual ao usar a internet. 

Outra, com mulheres jornalistas em 125 países, constatou que três quartos sofreram violência online durante seu trabalho e um terço praticou autocensura.

Há ainda a chamada opressão digital, com grupo radicais e governos usando as mídias sociais para atingir mulheres, principalmente defensoras dos direitos humanos. Um exemplo foi a repressão do Talibã às afegãs que se manifestaram pelo YouTube e tiveram as portas de suas casas marcadas pelo grupo extremista. 

“A realidade é que essas forças e atores que negam às mulheres e meninas seus direitos são tão adaptáveis ​​quanto perversos”.

No Afeganistão, mulheres jornalistas foram praticamente banidas da profissão, e muitas deixaram o país rumo ao exílio. 

Redes sociais podem ser solução para inclusão digital de gênero 

Na apresentação, Sima Bahous salientou a contribuição positiva das redes sociais, apontadas como “conectores” cruciais para o movimento de igualdade de gênero dentro dos países e na esfera internacional.

“Em países como Níger e Haiti, conseguimos digitalizar a coleta de dados em Avaliações Rápidas de Gênero, economizando tempo e dinheiro, além de oferecer gerenciamento e visualização de dados novos e mais poderosos.

Na Ucrânia, as autoridades nacionais, as organizações da sociedade civil e o setor privado estão trabalhando juntos para criar soluções digitais que apoiem a ajuda sensível ao gênero, a recuperação econômica e a redução das lacunas digitais.”

A diretora disse que “cabe a nós usar a oportunidade para construir um mundo melhor, sem deixar nenhuma mulher ou menina para trás na revolução digital”, uma responsabilidade de governos, plataformas, sociedade civil e setor privado”:  

“Aproveitadas de forma eficaz, a tecnologia e a inovação podem mudar o jogo para catalisar a redução da pobreza, diminuir a fome, melhorar a saúde, criar novos empregos, mitigar as mudanças climáticas, enfrentar crises humanitárias, melhorar o acesso à energia e tornar cidades e comunidades inteiras mais seguras e sustentáveis ​​- beneficiando mulheres e meninas.”

Soluções para a inclusão de gênero na tecnologia 

Para a ONU, o desafio vai além de distribuir aparelhos celulares ou treinar mulheres em tecnologia.  A organização defende a necessidade de “consertar as instituições e os estereótipos de gênero prejudiciais em torno da tecnologia e da inovação que falham com mulheres e meninas”. 

O primeiro passo é acabar com a divisão digital de gênero.

“Todos os membros da sociedade, especialmente os mais marginalizados, devem ter igual acesso a habilidades e serviços digitais. Os serviços digitais, especialmente governo eletrônico, devem ser adaptados e acessíveis para todas as mulheres e meninas”. 

Outra medida é investir em educação digital, científica e tecnológica para meninas e mulheres, sem se limitar ao fornecimento de conhecimentos básicos de informática.

“A educação deve se estender a todo o conjunto de recursos necessários para garantir os empregos do século 21 em um mundo digital”, propõe a ONU. 

A igualdade de gênero no setor envolve também a garantia de empregos e posições de liderança para as mulheres nos setores de tecnologia e inovação. Segundo António Guterres, “a misoginia está enraizada nos Vales do Silício deste mundo”.

Outro ponto de atenção é a transparência e a responsabilidade da tecnologia digital.

“Por design, a tecnologia deve ser segura, inclusiva, econômica e acessível. Isso inclui garantir que preconceitos inconscientes ou conscientes não sejam incorporados a novas tecnologias e no campo da inteligência artificial.”

Para a ONU, se as mulheres não forem incluídas entre os criadores de tecnologia e inteligência artificial, ou tomadoras de decisão, os produtos digitais não refletirão as prioridades de mulheres e meninas.

A desinformação nas redes sociais também faz parte do conjunto de propostas para eliminar a desigualdade de gênero. 

Devemos enfrentar a desinformação de frente e trabalhar com homens e meninos para promover um comportamento on-line ético e responsável e fazer da igualdade uma pedra angular da cidadania digital.

E fazer o esforço e o investimento necessários para garantir que os espaços online sejam livres de violência e abuso, com mecanismos e responsabilização clara para enfrentar todas as formas de assédio e discriminação e discurso de ódio.

Sima Bahous observou que a tecnologia que deveria libertar está na verdade agravando a violência, com comportamentos online que buscam controlar, prejudicar, silenciar ou desacreditar as vozes de mulheres e meninas.

“Todas essas soluções exigem ações articuladas não apenas dos governos, mas de toda a sociedade e, em particular, do setor privado, disse a diretora, para quem “os direitos digitais são os direitos das mulheres”.

“Mulheres e meninas têm o mesmo direito de acessar o mundo digital e prosperar nele quanto homens e meninos. Sua criatividade, conhecimento e perspectivas podem moldar um futuro onde a tecnologia contribui para transformar as normas sociais, amplificar as vozes das mulheres, avançar contra o assédio on-line, evitar a perpetuação de vieses algorítmicos e distribuir os benefícios da digitalização como o grande equalizador para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ”, disse a Diretora Executiva da ONU Mulheres

 “Nossa visão de igualdade, do que nosso mundo poderia ser, para todos nós, pode e incluirá o gozo igual dos frutos da tecnologia e da inovação sem medo de violência ou abuso de qualquer tipo. Mulheres e meninas devem ser capazes de se envolver, criar, aprender e trabalhar, de forma segura e produtiva, online ou offline, aproveitando ao máximo todas as oportunidades em todas as esferas da vida e em todas as fases, na educação, na economia, na sociedade e na política”, acrescentou Bahous.