Buenos Aires – A ‘foto de família’ no fim da reunião de Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) realizada em janeiro de 2023 em Buenos Aires, escancara a limitada presença feminina nas lideranças dos países da região, uma baixa equidade de gênero que se reflete na representação de mulheres na cobertura de política.
A Celac tem 33 países. Na foto mostrando 38 pessoas (chefes de Estado e de Governo, chanceleres e representantes), há três mulheres.
Um retrato da exclusão.
Sem equidade de gênero na capa
Uma capa do La Nación em março reflete bem a desigualdade.
No dia seguinte ao da passeata que reuniu milhares de pessoas nas ruas, parte do movimento ‘#8M’ por mais equidade de gênero, o jornal estampou uma imagem da AEA, associação que reúne os empresários mais poderosos do país, com apenas três mulheres entre os 34 fotografados.
Segundo o Cepalstat, órgão que faz parte da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), nos parlamentos elas são 34,9% do total de participantes, e lideram 24,5% dos governos locais.
Uma reportagem do Clarín salientou que apesar de a presença feminina na liderança ter crescido, os ho- mens ainda representam 75% a mais do que as mulheres no topo das companhias argentinas.
Na Argentina, o destaque às equidade de gênero tem gerado movimentos como o ‘Ni Una Menos’ (Nem uma a menos), que já se espalhou por outros países.
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Na semana do Dia Internacional da Mulher, o canal estatal Encuentro dedicou sua programação a filmes e séries sobre a situação feminina.
Um fato inédito na Argentina e em muitos países da América do Sul aconteceu em 1o de março: as mulheres ocuparam a maioria dos lugares da mesa diretora do Congresso.
Ao lado do presidente, Alberto Fernández, estavam a vice-presidente do país, a ex-presidente Cristina Kirchner, a presidente da Câmara dos Deputados, Cecilia Moreau, e a vice-presidente do Senado, Claudia Ledesma Abdala de Zamora.
“Pela primeira vez, somos três mulheres”, celebrou a ex-presidente da Argentina.
Mas ela própria é um exemplo de como mulheres poderosas são retratadas pela mídia sob ângulos que vão além de seus atos ou posicionamentos.
As cores de suas roupas são um exemplo. Quando usa branco, estaria transmitindo uma “mensagem de paz”. Se usa rosa, “quer ser feminina”. Se usa negro, “não superou a morte do marido”, o ex-presidente Nestor Kirchner.
Cristina “não passa despercebida, por sua roupa e estilo”, diz uma comentarista de TV.
É como se nas vestimentas da vice-presidente, que já foi criticada pelas bolsas caras e importadas, estivessem as respostas para seus feitos políticos.
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Ministério de Gênero
A Argentina tem um Ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade, mas o próprio órgão é alvo de controvérsia na mídia.
A ministra da pasta, Ayelén Mazzina, de 32 anos, foi atacada por políticos que a criticaram por ser homossexual. O peronista Miguel Pichetto declarou que “deveriam ter colocado uma mulher no cargo”.
“Sou mulher, lésbica, feminista e ministra das Mulheres, Gênero e Diversidade da Nação”, disse ela em suas redes sociais.
A imprensa limitou-se a colocar o foco no bate-boca público entre ela e o político, sem emitir opinião sobre o assunto.
Mas, se deu maior visibilidade à questão da equidade de gênero nos cargos políticos, a presença de Ayelén estimulou os questionamentos na imprensa sobre a necessidade de um ministério das Mulheres.
O órgão não tem o apoio de parte da mídia. Em um editorial publicado logo após a posse da ministra,
o La Nación criticou a existência da pasta, classificando-a como “cabide de empregos e desperdício de recursos”.
Este artigo faz parte da edição especial sobre representação de gênero na mídia
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