Inclusão não acontece se não houver esforço e treinamento. Essa é a premissa da Rede para Diversidade no Jornalismo Latino-Americano, criada em 2022 para apoiar redações da região a se tornarem mais diversas.
A jornalista mexicana Mariana Alvarado é uma das fundadoras do projeto, que tem o apoio do Knight Center para o Jornalismo nas Américas e da Google News Initiative.
Desde novembro, já foram realizados treinamentos no México, Peru, Uruguai e Colômbia. O Brasil está nos planos. Mariana, que já foi Editora de Negócios do jornal Reforma e trabalhou como jornalista nos EUA, compartilha sua visão sobre a inclusão de gênero no jornalismo em entrevista ao MediaTalks.
Mulheres na chefia: faz diferença?
As redações nativas digitais são mais inclusivas, mas nos grandes veículos a situação é mais complicada. Muitos não acreditam que uma mulher possa assumir uma posição mais alta. No México, os homens respondem pela maioria dos cargos de liderança.
Isso impacta a representação e a forma como a mídia cobre questões de gênero.
A cobertura sobre a Lei do Aborto é um exemplo. Penso que não estamos acompanhando essas questões da forma adequada, porque não há mulheres em número suficiente tomando decisões nas redações. E no México é difícil convencer os homens de que esses temas são importantes.
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Influência do presidente anti-feminismo
Embora existam veículos preocupados com a inclusão, há uma influência negativa do Presidente da República Andrés Manuel López Obrador, que critica o feminismo e condena manifestações como as de 8 de março.
Isso incentiva opinião dos públicos conservadores, que acham que mulheres não devem ter espaço na mídia.
Alguns veículos criticam a postura do presidente, mas a maioria reproduz sua narrativa. Com isso, ele consegue o que quer: espalhar sua mensagem. Os grandes veículos de mídia precisam ser mais críticos quanto a essas posições.
O governo do México mandou instalar uma barreira metálica de 3 metros de altura em torno do Palácio Nacional antes dos protestos de 8 de março
contra violência de gênero e feminicídio. Segundo o presidente, o objetivo foi evitar “provocações e ataques”.
Mientras terminaban de instalar una serie de vallas metálicas frente a Palacio Nacional, comenzaron una serie de #protestas ante el #8M y un grupo de mujeres pintaron en dicha barrera el mensaje “México feminicida”https://t.co/rdcLwWb387
— Sin Censura (@_VicenteSerrano) March 8, 2022
Violência feminina na mídia latina
Esforços como a Rede de Diversidade no Jornalismo, ministrando treinamento de inclusão não apenas de gênero mas também chamando a atenção para a diversidade como um todo, estão ajudando a melhorar o ângulo da cobertura. Mas a representação estereotipada na cobertura de violência contra a mulher ainda existe, e é triste.
Há erros e revitimização, como a atribuição de culpa à mulher. O problema está associado ao conservadorismo da região.
Como parte do trabalho da rede, fiz entrevistas com líderes de redações na América Latina. Um deles, do Peru, relatou que quando o jornal publica matérias sobre questões femininas ou de pessoas LGBTQ+, recebe manifestações raivosas do público, sobretudo por motivos religiosos.
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Mulheres invisíveis na mídia de negócios
Quando era editora de Negócios, minha lista de fontes era composta principalmente por homens. Hoje reflito sobre isso, mas na época não tinha consciência.
O jornal fazia pesquisas de opinião com grupos, para avaliar a perceção dos leitores, e a maioria dos participantes era homem. A inclusão de gênero deve estar em todos os lugares, inclusive nas empresas.
Na minha época de editora, se houvesse mais fontes mulheres eu as ouviria, mas não havia. É necessário que as organizações elevem mulheres a posições de comando para que elas tenham espaço na mídia.
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Caminhos para um jornalismo mais inclusivo
O primeiro passo é dar oportunidade a mulheres para ocuparem posições de comando nas redações. Já provamos que sabemos gerenciar e liderar.
O segundo é adotar uma postura ativa de educação para a inclusão de gênero em toda a empresa jornalística, incluindo treinamento para a redação, fotografia e setores administrativos.
O programa de treinamento em inclusão promovido pela Rede de Diversidade tem como condição a participação de toda a empresa jornalística Algumas organizações estranham no início, mas consideramos fundamental mudar atitudes em toda a cadeia.
O mesmo conselho vale para as companhias, que precisam educar suas equipes para a perspectiva de gênero e oferecer espaços seguros para mulheres e grupos de pouca visibilidade na sociedade.
Esta entrevista faz parte da edição especial sobre representação de gênero na mídia