Londres – A nova onda de violência no Sudão, que segundo organizações internacionais deixou pelo menos 56 mortos e mais de 500 feridos, colocou o país africano novamente nas manchetes.
Mas muitos sudaneses não serão bem informados, pois o país ostenta um dos piores índices de liberdade de imprensa do mundo, com a situação agravada depois do golpe militar de outubro de 2021.
Segundo o ranking da organização Repórteres Sem Fronteiras, o país caiu da 151ª para a 159ª posição entre 2021 e 2022, como reflexo do retorno do controle das informações, censura e violência contra jornalistas.
A crise no Sudão começou em 2019, com a saída do presidente Omar al-Bashir do poder, lançando o país em instabilidade política.
O Sudão do Sul é atualmente presidido por Salva Kiir Mayardit, conhecido pelo chapéu em estilo caubói que virou sua marca registrada.
Em janeiro deste ano, ele mandou prender seis profissionais da rede estatal de TV por conta de um vídeo em que parecia estar urinando em si mesmo durante a execução do hino nacional em uma solenidade.
As prisões correspondem a “um padrão de pessoal de segurança que recorre à detenção arbitrária sempre que as autoridades consideram a cobertura desfavorável”, disse o representante do CPJ na África Subsaariana, Muthoki Mumo.
A crise que resultou na violência no Sudão
Em nota pedindo ‘calma’ na região, a ONU explica que dois generais disputam influência política, o comandante do Exército sudanês, general Abdel Fattah Al-Burhan, e o líder da RSF, general Mohamed Hamdan Dagalo, que controla uma força paramilitar de 100 mil integrantes.
As RSF nasceram das milícias Janjaweed, que permanecem na ativa na região de Darfur.
O grupo tem participado de conversações sobre a transição para um governo civil que substituiria o regime militar no comando do Sudão, mas a escalada de violência que começou neste sábado mostra que um acordo está distante.
Nesse cenário, o acesso da população a informações confiáveis também fica cada vez mais difícil.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, a mídia de radiodifusão, em grande parte dominada pelo governo, é a principal fonte de informação para o povo do Sudão:
As empresas de mídia estatais, Sudan National Radio Corporation e Sudan National Broadcasting Corporation, operam como vozes do regime.
Desde o golpe, as condições da mídia e dos jornalistas pioraram. O setor está profundamente polarizado. Jornalistas críticos foram presos e a internet é regularmente desligada para bloquear o fluxo de informações.
Mensagens de propaganda são divulgadas em meios de comunicação estatais, que operam sob controle militar, lembrando métodos empregados durante o regime de Omar al-Bashir, que governou entre 1989-2019.
A organização observa que a liberdade de imprensa e o acesso à informação são garantidos por uma Constituição provisória adotada em 2019.
Mas afirma que algumas leis usadas no antigo regime permanecem em vigor “e amordaçam a mídia crítica”.
Uma lei de crimes cibernéticos de 2020 limita a liberdade dos jornalistas, e uma lei de imprensa de 2009 permitiu um controle reforçado sobre a publicação pelo Conselho Nacional de Imprensa e Publicação.
Há ainda uma lei de segurança nacional de 2010 criminaliza a publicação de mentiras e “informações falsas” e qualquer conteúdo que “ameace a paz pública” ou “enfraqueça o prestígio do Estado”.
O Sindicato de Jornalistas do Sudão (SJU, na sigla em inglês) chegou a ser fechado pelas autoridades, em 2019, e seu presidente recebeu ordem de prisão.
Em outubro de 2022 o Ministério da Justiça autorizou o retorno das atividades.
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Violência contra jornalistas no Sudão
O diagnóstico da situação da liberdade de imprensa no Sudão feito pela Repórteres Sem Fronteiras aponta que as ameaças enfrentadas pelos jornalistas se intensificaram nos últimos anos com o surgimento de novas milícias e movimentos armados.
Repórteres são sistematicamente atacados e insultados em manifestações, tanto pelo exército quanto pelas forças de resposta rápida.
Jornalistas que fazem críticas às autoridades ou publicaram documentos comprometedores envolvendo o governo estão sob constante vigilância e monitoramento eletrônico.
Os correspondentes só podem trabalhar com um passe especial de mídia emitido pelo governo. Uma permissão deve ser concedida para a maioria das regiões cada vez que um repórter viaja para lá.
Segundo a organização, o governo investiga a vida privada de mulheres jornalistas para intimidá-las. Seus bate-papos nas redes sociais são monitorados constantemente, o que gera ameaças e, às vezes, represálias.
E os chamados “predadores antijornalistas” gozam de total impunidade e são protegidos pelas autoridades, diz a entidade.
Outro risco para a imprensa é a intolerância e a dificuldade de coexistência entre os diferentes grupos étnicos no país, tornando a mídia um alvo de ataques.
A Repórteres Sem Fronteiras salienta também que a interferência de grupos religiosos, que usam suas redes para defender seus interesses, está contribuindo para piorar as condições dos jornalistas.
Nesse contexto, ” revolução passou a representar maior franqueza nas redes sociais, mas de forma descontrolada, alimentando o racismo e a misoginia e tem como alvo mulheres e minorias étnicas e sexuais”, diz o relatório.