Londres – Os perigos enfrentados por profissionais que se dedicam ao jornalismo ambiental no mundo foram mais uma vez expostos em Bangladesh, onde o repórter Ayub Meahzi, 34 anos, foi atacado, espancado e jogado do segundo andar do prédio em que trabalhava supostamente em represália a reportagens sobre escavações ilegais em colinas da região.
Meahzi passou vários dias no hospital para tratar dos ferimentos causados pela queda do segundo andar, incluindo uma fratura nas costas, três costelas quebradas e um corte na cabeça provocado por um facão.
O ataque aconteceu no escritório do jornalista em Chattogram, segunda maior cidade de Bangladesh depois da capital, Dhaka. Ele já recebeu alta.
Mehazi tem um curso de informática no local e é jornalista freelancer, correspondente do diário nacional Janobani e do diário local Shangu, cobrindo frequentemente assuntos ambientais.
O jornalismo ambiental é alvo de perseguição de governos e de grupos criminosos em todo o mundo, tornando os profissionais sujeitos a perigos e até ao risco de morte, como aconteceu com o jornalista britânico Dom Philips, assassinado na Amazônia em 2022.
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Ayub Meahzi contou ao Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) que o ataque foi feito por 10 homens, que no dia 4 de abril invadiram o escritório armados com facões e barras de ferro.
Além de agredi-lo, roubaram computadores, destruíram celulares e levaram 50.000 taka (cerca de R$ 2.400) em dinheiro.
Jornalista investigava crimes contra o meio ambiente
Ele disse acreditar que os ataques foram motivados por suas recentes reportagens sobre cortes de colinas envolvendo agentes do governo de Bangladesh e grupos criminosos.
O esquema consiste em escavar o solo para vender a terra para olarias, enquanto oferecem o terreno por preços abaixo do mercado a imobiliárias e especuladores.
A prática, além de ilegal, prejudica o meio ambiente.
Segundo o jornal local The Daily Star, uma dessas áreas montanhosas que está sob constante ameaça é o distrito de Moulvibazar, onde sindicatos estariam envolvidos na devastação de colinas para criar lotes.
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O Comitê de Proteção a Jornalistas informou que a polícia de Chandanaish inicialmente se recusou a registrar uma queixa apresentada pelo pai de Meahzi.
O jornalista afirmou ao comitê que as autoridades só registraram a queixa cerca de nove horas depois, após a intervenção do Chandanaish Press Club.
Anwar Hossain, oficial encarregado da polícia da região ao sul de Bangladesh, disse ao CPJ que a denúncia foi registrada sem demora e que a investigação estava em andamento.
Beh Lih Yi, coordenador do programa do CPJ para a Ásia, cobrou mais empenho das autoridades e disse que o ataque ao repórter jogado do prédio reflete os perigos para profissionais de jornalismo ambiental, que denunciam ações prejudiciais à natureza envolvendo interesses poderosos.
“As autoridades devem investigar imediata e minuciosamente este ataque hediondo e tomar medidas para reverter uma tendência perigosa de impunidade em relação à violência contra jornalistas.”
Um homem chegou a ser preso, mas, segundo Meahzi, ele não estaria envolvido no ataque e foi liberado sob pagamento de fiança.
Hossain disse que o suspeito teria sido identificado por câmeras que filmaram a queda do jornalista do prédio e pelo irmão dele, mas ele nega a informação.
Dois outros suspeitos, incluindo o chefe do grupo criminoso, foram presos na semana passada, de acordo com Meahzi e Hossain.
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Liberdade de imprensa em Bangladesh
Bangladesh ocupa o 162º lugar entre 180 países no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Segundo a RSF, a grande mídia é controlada pelo governo ou por grupos empresariais, e jornalistas são frequentemente alvo de assédio judicial e até de violência física praticada por simpatizantes do partido que comanda o governo, Liga Awami.
O país tem uma lei de segurança digital considerada draconiana por entidades de liberdade de imprensa.
Na última semana de março, ela foi usada para punir o jornalista Shamsuzzaman Shams, do Prothom Alo, um dos principais jornais do país, por uma reportagem sobre aumento de preços de alimentos que se tornou viral.
Shams foi capturado em casa, interrogado pela polícia e um processo foi aberto contra ele.
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