Londres – Testar o quanto uma imagem gerada por inteligência artificial pode ser convincente a ponto de enganar jurados de um dos mais importantes concursos de fotografia do mundo e assim discutir o uso dessa tecnologia na produção de imagens foi o objetivo do fotógrafo alemão Boris Eldgadsen – e o teste deu positivo.
Anunciado vencedor na categoria Criação Aberta do Sony World Photo Awards com uma foto de duas mulheres em tons de sépia, ele recusou o prêmio e tomou a iniciativa de revelar que a imagem não preenchia os requisitos do concurso, pois havia sido gerada por inteligência artificial.
Eldgadsen deixou os organizadores em má situação, pois ele contou ter informado que a imagem não era autêntica mas ouviu deles que deveria ficar com o prêmio de qualquer forma, talvez para evitar que a capacidade dos jurados em perceber a farsa fosse exposta.
Limites da inteligência artificial na fotografia
Não adiantou, pois ao divulgar a história em seu site nesta segunda-feira (17), o alemão provocativo compartilhou detalhes de suas conversas com os organizadores, demonstrando que eles tinham todas as informações para tomar a decisão de rever o resultado antes que ele o fizesse.
E colocou o debate sobre o papel da inteligência artificial na fotografia em pauta:
“Nós, do mundo da fotografia, precisamos de uma discussão sobre o que queremos considerar fotografia e o que não queremos.
O guarda-chuva da fotografia é grande o suficiente para abrigar imagens feitas por inteligência artificial – ou isso seria um erro? Com minha recusa ao prêmio, espero acelerar esse debate.”
Origem da fotografia informada aos organizadores
Baseado em Berlim, Eldgadsen não é um fotojornalista ou fotógrafo documental. Ele se apresenta como “um artista fotomídia que investiga a mente inconsciente”.
E explica que seu trabalho usa arquétipos e atos simbólicos para falar a linguagem do inconsciente. O resultado são imagens oníricas que mais se parecem com quadros.
O fotógrafo relata que inscreveu o trabalho denominada Pseudoamnesia – Eletricista em dezembro, em uma categoria que permitia o uso de “qualquer dispositivo”.
O título já era uma provocação: significa “memória falsa”.
Ao receber no dia 3 de março a noticia de que tinha sido premiado, ele disse ter enviado uma mensagem aos organizadores do concurso patrocinado pela Sony dizendo:
“Os links solicitados (página da web e Instagram, histórico de exposições) mostram claramente que, após duas décadas de fotografia, meu foco artístico mudou cada vez mais para explorar as possibilidades criativas de geradores de IA [… ]
Como não quero que haja mal-entendido, é importante explicar o plano de fundo da imagem escolhida com o máximo de detalhes possível. […] .
Na Alemanha, sou ativo como especialista em IA no “Deutscher Fotorat” [fórum de debates] para discutir as chances e os riscos dos geradores de imagens de IA. Talvez a Sony esteja interessada em abordar o tema para um painel de discussão neste contexto.”
O alemão iniciou tentativas de convencer a Sony a tratar do assunto publicamente por várias semanas, sem sucesso.
Quando os vencedores foram anunciados ao público, na semana passada, ele recebeu um pedido de mais informações sobre a foto por parte da assessoria de imprensa do concurso e mandou uma declaração.
Mas disse que ela não foi usada na divulgação.
Depois que tornou o caso púbico em seu site e a notícia repercutiu na mídia, a imagem foi retirada do site da Sony e da Sommerset House, onde as fotos vencedoras estão expostas.
No site do fotógrafo, a foto em destaque é a do concurso, com uma tarja em cima avisando que o prêmio foi recusado.
O alemão disse em seu manifesto que seu trabalho resulta na produção de “imagens” criadas sinteticamente, usando “o fotográfico” como linguagem visual.
“Não são “fotografias”, afirma.
Ele defende que organizadores de prêmios de fotografia se conscientizem dessa diferença e criem concursos separados para imagens geradas por inteligência artificial.
A história da fotografia premiada e ‘despremiada’
A imagem inscrita por Boris Eldagsen no Sony Photo Awards faz parte de uma série chamada Pseudomnesia, termo latino para pseudomemória, uma memória falsa, “como uma lembrança espúria de eventos que nunca aconteceram, em oposição a uma memória meramente imprecisa”.
Utilizando a linguagem visual dos anos 1940, Boris Eldagsen produz suas imagens como memórias falsas de um passado que nunca existiu, que ninguém fotografou.
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As imagens foram imaginadas por linguagem e reeditadas mais de 20 a 40 vezes por meio de geradores de imagens de inteligência artificial, combinando técnicas de” inpainting”, “outpainting” and “prompt whispering”.
Eldgasen não está entre os que repele a inteligência artificial com medo de seus efeitos.
“Assim como a fotografia substituiu a pintura na reprodução da realidade, a inteligência artificial substituirá a fotografia.”
Ele diz não tenha medo do futuro. E acha que a técnica “deixará mais mais óbvio que nossa mente sempre criou o mundo que a faz sofrer”.
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