Com a popularização do uso da inteligência artificial para tarefas que vão de escrever textos jornalísticos a criar músicas, famosos e influentes têm vindo a público manifestar preocupações e medos, sozinhos ou como na carta aberta assinada por centenas de nomes que vão de Elon Musk a Steve Wozniak, um dos fundadores da Apple.
A discussão ganhou amplitude desde que a OpenAI liberou em dezembro de 2022 o acesso a uma versão de teste do ChatGPT, um chatbot que escreve e responde de maneira quase humana.
A Microsoft apresentou em fevereiro os buscadores Bing e Edge com tecnologia AI, e o Google anunciou há uma semana como vai incorporar a IA em seus produtos.
Embora esses riscos da IA não sejam novos, o primeiro a causar ondas de choque com os avanços recentes da tecnologia foi Blake Lemoine, engenheiro demitido pelo Google em julho de 2022 depois de dizer o chatbot que ele ajudava a desenvolver tinha sentimentos.
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Lemoine não era famoso quando fez as afirmações, contestadas pelo Google, e foi até ridicularizado.
Mas há duas semanas, outro funcionário do Google deixou a companhia por vontade própria e chamou a atenção do mundo para o medo da inteligência artificial.
Ele é ninguém menos do que Geoffrey Hinton, psicólogo cognitivo e cientista da computação cujas pesquisas abriram caminho para os atuais sistemas.
O chamado “padrinho da inteligência artificial” disse ao New York Times que se arrependia de seu trabalho. Em uma entrevista à BBC, afirmou que os perigos dos chatbots de IA são ‘bastante assustadores”.
“Neste momento, eles não são mais inteligentes do que nós, pelo que sei. Mas acho que logo poderão ser.”
Sting antecipa futuro de ‘batalhas’ contra IAs
Saindo do mundo da tecnologia, a arte também está com medo dos efeitos da inteligência artificial.
A Getty Images e um coletivo de artistas processam a Stability AI, dona da DeviantArt e do Midjourney, por infração de direitos autorais.
Esta semana, o músico e ator britânico Sting veio a público apontar o que entende como um futuro negativo para a arte com a popularização da inteligência artificial.
Cantor, compositor e baixista na banda The Police, o artista criticou o uso desenfreado destas ferramentas em entrevista antes de receber o prêmio Ivor Novello.
“Essa será uma batalha que todos nós teremos que travar nos próximos dois anos: defender nosso capital humano contra a IA”.
Ele ainda prevê uma “batalha” para artistas defenderem suas obras na indústria, e pede cuidado com estas ferramentas.
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Nick Cave considera letras feitas por IAs ‘uma patifaria’
O cantor e compositor Nick Cave teceu críticas a letras escritas pelo ChatGPT emulando seu estilo.
O artista, que vinha recebendo composições geradas pela inteligência artificial e enviada por fãs, publicou em sua newsletter que considerava os resultados “absurdos”.
Para ele, músicas surgem do “esforço humano e complexo da criação”.
“Até onde eu sei, algoritmos não sentem. Dados não sofrem. ChatGPT não tem um senso interior, nunca foi a lugar algum, nunca aguentou nada, nunca teve a audácia de ir além de suas limitações, e por isso não tem a capacidade de compartilhar uma experiência de transcendência, já que não tem limitações para transcender.”
Para ele, o pior dessa experiência é que o ChatGPT, apesar de seu estado inicial, é o pontapé de um desenvolvimento infinito, sempre mais rápido, e que nunca será freado, sem saber se isso será bom ou ruim.
“O apocalipse pode estar chegando. Essa música é horrível.”
Repórteres do Watergate temem que IAs impactem jornalismo
O jornalismo, que pode se beneficiar da inteligência artificial para a produção mais rápida de conteúdo, também anda preocupado com problemas que vão da desinformação à quebra de privacidade.
Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas conhecidos pelo caso Watergate, criticaram estas ferramentas esta semana.
Para Bernstein, a evolução rápida de ferramentas como o ChatGPT aumentam o potencial de circular informações falsas, e que não possuem o rigor de um profissonal.
“Precisamos saber o que é real em oposição ao que é falso. A imprensa é essencial em uma comunidade para fazer isso”
Na mesma entrevista, Woodward considera que a ferramenta é limitada, e que a agilidade e convencimento do resultado não podem substituir o jornalista.
“Eu posso ligar para o Pentágono e dizer, ‘Eu quero falar com o líder do Estado-Maior Conjunto, o posto militar mais alto’, e ou ele vai falar, ou não vai. A IA não pode fazer isso.”
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Pentágono ‘morrendo de medo’ da IA
Mesmo que a IA possa ligar para Pentágono, é possível que não seja atendida.
Em um discurso no dia 3 de maio, o chefe digital e oficial de IA do Departamento de Defesa dos EUA, Craig Martell, disse que está “morrendo de medo” do potencial de sistemas de inteligência artificial generativos, como o ChatGPT, capazes de “enganar os cidadãos e ameaçar a segurança nacional”.
“Meu medo é que confiemos demais [na inteligência artificial] sem que os provedores incluam as proteções corretas e a capacidade de validarmos as informações”.
A regulamentação foi defendida pelo próprio fundador CEO da OpenAI em um depoimento no Congresso dos EUA.
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Elon Musk teme que IAs destruam o mundo
O bilionário Elon Musk também entrou no rol de famosos preocupados com o uso desenfreado da inteligência artificial.
O executivo foi um dos que assinou o uma carta do Future of Life Institute, documento que pedia uma “pausa” em grandes experimentos na área.
Apoiado por cerca de 1000 especialistas em tecnologia, o documento expressa o medo de que IAs mais avançadas possam desestruturar áreas essenciais da vida.
Em entrevista à CNN, Musk defendeu que a área seja regulada, mesmo que “não seja legal ser regulado”.
“IAs são mais perigosas que, digamos, um design mal-feito de avião ou de carro, no sentido de que tem o potencial — por menor que seja, embora não-trivial — elas tem o potencial de destruir a civilização.”
Ex-investidor da OpenAI, Elon Musk trabalha na criação de uma empresa de inteligência artificial, a X.ai, que promete rivalizar com gigantes de tecnologia como Google e Microsoft.
O primeiro trabalho da X.ai é o “TruthGPT”, que segundo seu fundador, desenvolverá uma “inteligência artificial em busca da verdade” e que tentará “entender o universo”.
“Espero que haja mais bem do que mal”, conclui ele sobre o resultado.
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