Personagens homens possuem duas vezes mais tempo de fala e linhas de diálogo em games em comparação às mulheres, segundo um novo estudo publicado no periódico acadêmico Royal Society Open Science.
A análise, uma das maiores no setor, avaliou cerca de 13 mil personagens em 50 jogos em que a interação e o diálogo eram essenciais. O recorte inclui tanto séries famosas — como Final Fantasy, The Elder Scrolls e Mass Effect — quanto títulos indies como Stardew Valley e Monkey Island.
O número, segundo os pesquisadores, é outro reflexo da falta de representatividade em um setor já conhecido pela desigualdade, uma vez que o público feminino já representa cerca de 50% dos consumidores no mercado de jogos, mas é alvo de discriminação e falta de representação no setor.
Mulheres nos games são sujeitas a estereótipos da mídia
No artigo, os pesquisadores Seán Roberts e Steph Rennick apontam que 94% dos games estudados tinham o dobro de personagens masculinos e de linhas de diálogo do que mulheres — mesmo em jogos com várias protagonistas femininas, como Final Fantasy X-II ou King’s Field VII.
Estes padrões de desigualdade em personagens nos games são similares aos de outras mídias, como séries e TVs.
Citando estudos anteriores, os autores apontaram que a disparidade de diálogo entre mulheres e homens também se faz presente na indústria televisiva. No setor, personagens masculinos também possuem mais tempo de fala.
Outra similaridade entre os setores é a ocupação dos papéis de protagonismo. Na análise, os autores explicam que as personagens femininas continuam confinadas em papéis estereotipados:
“A princesa Peach [da série Super Mario, da Nintendo], por exemplo, constantemente é a donzela em perigo”, contam em um artigo no portal acadêmico The Conversation sobre o estudo.
Nos games estudados, a disparidade de tempo de fala se dá tanto com protagonistas quanto com personagens secundários.
“O padrão persistia mesmo quando levando em consideração as escolhas dos personagens sobre o gênero de um protagonista ou diálogo opcional.”
Mulheres não falam muito mais, mesmo quando protagonistas
Um dos destaques de Roberts e Rennick é que mesmo os games que fogem desta tendência do mercado — Final Fantasy XIII: Lightning Returns e a série King’s Field — tem pouca discrepância quando protagonistas são mulheres.
De acordo com a análise, as protagonistas de ambos os jogos possuem apenas 55% a mais de diálogo do que outros personagens masculinos.
Os pesquisadores notam que a tendência da indústria é de uma leve mudança, com diálogos femininos aumentando aos poucos. Ainda assim, os pesquisadores apontam que as mulheres possuem maior tendência a “hesitar, ser educada ou se desculpar” — comportamentos associados a estereótipo de gênero.
Leia também | Mulheres na mídia: pesquisa retrata baixa representação, invisibilidade e viés distorcido
Como o setor de games pode melhorar
A conclusão do estudo é que os desenvolvedores e estúdios de games devem monitorar mais a distribuição de diálogo entre personagens homens e mulheres.
Roberts e Rennick sugerem que a análise seja aproveitada como comparativo a títulos de sucesso da indústria, entendendo como ir além deles.
Os pesquisadores apontam que a discrepância não é causada apenas por uma questão de roteiro, mas de distribuição de papéis.
“O desequilíbrio geral é motivado por haver duas vezes mais personagens masculinos do que femininos. Uma estratégia chave seria simplesmente aumentar a proporção de personagens mulheres, [em papéis] maiores e menores.”
Leia também | Na América Latina, mulheres invisíveis no noticiário sobre grandes questões nacionais e ‘revitimizadas’ na imprensa
No entanto, o estudo faz um alerta: mais diálogo não resulta em melhor representação de gênero.
“No remake recente de Final Fantasy VII, a personagem feminina Jessie tem dez vezes mais diálogo do que no original. Porém, a maior parte dele se passa flertando com o protagonista.”
Por fim, os pesquisadores listam outra estratégia para que os personagens femininos sejam melhores escritos — a “reversão de gênero”. Esta estratégia foi usada com Fang, de Final Fantasy XIII, que no roteiro era um personagem masculino e, ao longo do desenvolvimento, foi transformado em mulher.
Leia também | Invisíveis, rotuladas, atacadas: Relatório sobre representação de gênero na mídia traz soluções para alcançar igualdade