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Mulheres guerreiras, violência infantil, memórias cristãs e mais: fotos retratam passado e presente da África

Londres – Reportagens fotográficas que retratam a África contemporânea e refletem sobre questões históricas do continente como colonialismo, migração forçada, perda de identidade e opressão das mulheres foram reconhecidas pelo prêmio CAP Prize de fotografia africana, que acaba de anunciar os 25 projetos finalistas de sua edição 2023. 

Realizado desde 2012 por uma organização não-governamental baseada na Suíça, o prêmio escolhe anualmente projetos de fotografia contando histórias visuais da África ou da diáspora africana no mundo. 

Os trabalhos finalistas foram selecionados por um painel de 20 jurados. Conheça algumas das séries e as histórias que inspiraram os fotógrafos.

Retratos da luta pela igualdade das mulheres africanas

A guerra das mulheres, por Bright Charles, Nigéria

Nascida em Port Harcourt, Nigéria, Bright Charles fez um projeto baseado em fatos reais sobre a história das guerreiras que lutaram no ‘Motim das Mulheres de Aba’ de 1929.

Foto de mulheres guerreiras indo a luta é uma das finalistas do concurso de fotografia africana contemporânea CAP Prize 2023
Foto: Charles Bright / CAP Prize 2023

As imagens produzidas em 2022 mostram como as mulheres protestaram contra a restrição da participação feminina no governo. A rebelião foi considerada uma revolta anticolonial para corrigir questões sociais, políticas e problemas econômicos.

Foto: Bright Charles / CAP Prize 2023

 “Percebemos que as histórias africanas não são contadas pelos africanos, e por isso estamos empenhados em usar a nossa criatividade para preservar essas histórias por meio do nosso trabalho”.

Foto: Bright Charles/ CAP Prize 2023

Domingo especial, por Carlos Idun-Tawiah, Gana

O fotógrafo Carlos Tawiah é natural de Sekondi-Takaradi, Gana e atualmente vive em Acra. Seu ensaio fotográfico foi realizado em 2022 e é inspirado pelas suas memórias e lembranças de crescer em um lar cristão.

Foto: Carlos Idun-Tawiah / CAP Prize 2023

Ele conta que brincou com a nostalgia visual, cores e gestos para mostrar as tradições de como os domingos são normalmente em Gana.

Foto: Carlos Idun-Tawiah / CAP Prize 2023

E tentou confundir as linhas entre santidade e humanidade e enfatizar como a comunidade e a divindade podem existir em um só lugar.

Foto: Carlos Idun-Tawiah / CAP Prize 2023

“Minha alegria é ver que todo mundo que olha esse trabalho volta no tempo, provocando as doces alegrias que as memórias podem proporcionar.”


Memórias sombrias, por Emeke Obano, Nigéria

O projeto de Obano, finalista do prêmio de fotografia CAP Prize, conta as histórias de vítimas do tráfico de crianças na Nigéria que superaram trabalhos forçados, escravidão doméstica e exploração sexual e agora buscam reconstruir suas vidas.

Foto: Emeke Obanor / CAP Prize 2023

As meninas que escaparam compartilharam detalhes sobre os abusos que sofreram a fim de aumentar a conscientização sobre a questão do tráfico, a necessidade de preveni-lo e a importância do apoio as vítimas.

Foto: Emeke Obanor / CAP Prize 2023

Emeke explica que na terapia de reminiscência elas se expressam por meio de suas fotografias infantis, que são suas memórias felizes, mas que permanecem borradas até que estejam prontas para se revelarem plenamente em sua jornada de descoberta, cura e recuperação.

Migrações na África em fotos

Movimento ‘hambúrguer’, por Kwasi Darko, Gana

Darko atualmente mora em Senchi, Gana, onde produziu seu projeto selecionado como um dos finalistas do prêmio de fotografia africana.

A série de 2022 retrata o ‘movimento hambúrguer’, que na língua pidgin ganense significa mudar/fugir para outro lugar do país em busca de melhores condições de vida.

O movimento também se origina da migração de pessoas de Gana para Hamburgo, na Alemanha, do final dos anos 70 aos anos 80.

Foto: Kwasi Darko / CAP Prize 2023

O trabalho documenta a comunidade pesqueira de Senchi, na região de Volta, em Gana, que é fortemente afetada por esse fenômeno. 


‘Mapalakata’, por Robin Bernstein, África do Sul

Vivendo atualmente no Reino Unido, o fotógrafo Robin Bernstein é natural da Cidade do Cabo, África do Sul.

Seu ensaio analisa a natureza transitória dos ‘Mapalakata’ (visitantes), como eram chamados os comerciantes árabes e indianos que se deslocaram pela África Austral antes da época da colonização europeia.

Foto: Robin Bernstein / CAP Prize 2023

O projeto documenta a condição social que o povo sul-africano mantém com a terra e as narrativas de decadência e renascimento cíclicos, além de narrativas históricas menos conhecidas e reprimidas pelas forças políticas e sociais dominantes.


Esta é uma história sobre minha família, por Yassmin Forte, Moçambique

As imagens de Yassmin Forte finalistas no prêmio de fotografia africana contemporânea tentam dissecar e navegar pelos efeitos do colonialismo e da migração na história da sua família. 

Foto: Yassmin Forte / CAP Prize 2023

Seu trabalho aborta três vertentes: família, migração e a história dos africanos. Ela procura investigar como os africanos se tornaram resultado de misturas, migrações e colonizações e assim desvendar a sua própria identidade africana.

Foto: Yassmin Forte / CAP Prize 2023

A fotógrafa usa a colagem para enfatizar a história e sobrepõe imagens de família com cenas atuais de Moçambique, juntando passado e presente.


Em nenhum lugar próximo, por Alissa Martynova, Itália

A imigração África-Itália é o tema abordado pela fotógrafa russa residente na Itália. Dados apontam que mais de um milhão de imigrantes africanos residem oficialmente na Itália, além de um número desconhecido de imigrantes clandestinos. 

Foto: Alisa Martynova / CAP Prize 2023

Um estudo de 2016 da Organização Internacional de Migrantes apontou a insegurança, o conflito e a discriminação como os principais motivos da migração, além das razões econômicas e de trabalho.

Em 2020 o governo italiano publicou um decreto derrubando muitas políticas anti-imigração.


Rejeição, discriminação e recordações

Hond, por Nadja Ettwein, África do Sul

Nadia Ettwein nasceu em Port Shepstone e vive atualmente na Cidade do Cabo. Quando criança, morou em vários lugares da África do Sul.

Quando seu pai entrou para o exército sul-africano sua mãe a dispensou – “disseram que ela me jogou fora como um cachorro” – e Nadja foi adotada. Sua vida foi marcada pela ausência de amor.

Foto: Nadja Ettwein / CAP Prize 2023

“Meu trabalho está relacionado à dissociação de memórias dolorosas, traumas, rejeição e minhas experiências atuais”. 


‘Lesedi La Hae’, por Bontle Juku, África do Sul

O título da série, ‘Lesedi La Hae’ (sua luz) remete “à essência de Deus, a energia poderosa e espiritual do meio de luz, que não pode ser contida ou definida e vai além dos atributos físicos do meio”, explica a autora.

Foto: Bontle Juku / CAP Prize 2023

A série busca subverter os mitos coloniais que historicamente foram impostos ao corpo feminino negro por meio da fotografia. Através de técnicas de iluminação, a fotógrafa retrata o corpo negro com visibilidade, centralidade, autonomia, realeza e respeito.


Entre ontem e amanhã, por Maheder Haileselassie, Etiópia

Os obeliscos de Axum simbolizam orgulho e testemunham 3 mil anos de história da Etiópia. No entanto, durante a recente guerra no país, centenas de moradores da cidade foram brutalmente executados, mudando a memória do povo e a perspectiva de futuro para sempre.

Foto: Maheder Haileselassie / CAP Prize 2023

Natural de Adis Abeba, Etiópia, a fotógrafa combina fotos do século 19 feitos por europeus com imagens atuais e de álbuns de família. E afirma:

Recordar é sentir. É navegar involuntariamente num estado de sonho entre o ontem e o amanhã”.


Frantz Fanon, eu e as perguntas, por Issam Larkat, Argélia

“Cada geração deve, saindo da relativa obscuridade, descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la”.

A frase do ativista e revolucionário Frantz Fanon, que lutou por uma Argélia livre e pela liberdade para a África, foi a inspiração para a série fotográfica de Issam Larkat, um das finalistas do prêmio de fotografia africana.

Havia muitas salas de cinema na Argélia antes de serem todas fechadas na década negra dos anos 90 (guerra civil).

“A  imagem representa na parte de baixo um cinema fechado em Oran (rue Timpani), e para muita gente, hoje é tudo voltado para a TV que tem os canais nacionais cheios de propaganda e pautas ditatoriais.”

Foto: Issam Larkat / CAP Prize 2023

Aqui as portas não me conhecem, por Mohamed Mahdy, Egito

O retrato de uma comunidade de pescadores em Al Max, bairro de Alexandria, no Egito, que já foi chamada de Veneza do Oriente Médio e hoje está reduzida a um terço, já que seus moradores foram avisados que deveriam deixar suas casas, foi o tema do projeto de Mahdy.

Foto: Mohamed Mahdy / CAP Prize 2023

Um menino pula da ponte no canal da vila de Al-Max, Alexandria. Antes da demolição, todo pescador tinha seu barco e equipamentos em frente à sua casa.

O fotógrafo documentou entre 2016-2022 a vida desses moradores em fotos e também deu a eles um papel em branco para escreverem uma carta. As cartas foram colocadas em garrafas e chegam na praia com as últimas palavras de alguém.


Cairo: Uma coisa bonita nunca é perfeita, por Jonathan Jasberg, EUA

O título do projeto do fotógrafo americano vem se um antigo provérbio egípcio, “Uma coisa bonita nunca é perfeita”.

O Cairo foi nomeado a cidade mais bonita do mundo em 1925, mas passou por um século muito turbulento e não é frequentemente explorado ou fotografado além dos pontos turísticos.

Foto: Jonathan Jasberg / CAP Prize 2023

Natural de Los Angeles, atualmente morando em Tucson, Arizona, Jasberg resolveu mostrar através de fotos de rua espontâneas momentos de alegria, tristeza, estranheza e esperança da cidade do Cairo.


Andanças sem rumo, por Merji, Marrocos

O trabalho de Meriji, um dos finalistas do prêmio de fotografia africana contemporânea cria ilusões fotográficas transformando a realidade em um mundo mais mágico.

Foto: Merji / CAP Prize 2023

O fotógrafo questiona:

“Essas fotos são uma maldição porque me mantêm em minhas ilusões ou uma benção porque representam a última janelinha para o mundo da minha alma infantil? Espero encontrar a resposta para essa pergunta um dia”.


Outro conto ao luar, por Yagazie Emezi, Nigéria

O tema do trabalho fotográfico de Yagazie Emezi é uma re-imaginação dos contos de fadas europeus que se junta às realidades sócio-políticas históricas, culturais, ambientais e contemporâneas da Nigéria.

A série retrata narrativas obscurecidas e as complexidades morais entrelaçadas de ambas as culturas.

Foto: Yagazie Emezi / CAP Prize 2023

‘1754’, por Obakeng Molepe, África do Sul

Nascido em Krugersdorp, Gauteng, na África do Sul, o fotógrafo Molepe criou a série ‘1754’, número do código postal da sua cidade natal, para destacar a realidade do município e a cultura negra pós-apartheid.

Foto: Obakeng Molepe / CAP Prize 2023

O projeto mostra as igreja, os carros, a moda, a comida e o estilo de vida do local, sem os estereótipos criados pela mídia retratando pessoas negras como criminosas e que escolheram viver em ambientes infestados pelas drogas e pela pobreza.

Foto: Obakeng Molepe / CAP Prize 2023

O fotógrafo conta que a comunidade não viu a pobreza e não foi criada baseada no classismo.

“Na língua Sesotho temos um ditado que diz “Ngwana ke wa setshaba”, que pode ser traduzido como “É preciso uma aldeia”. Tivemos muitas mães e pais para nos protegerem e guiarem”.


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