Londres – Em uma vitória de Harry e Meghan contra os tabloides britânicos, o jornal The Sun foi punido pelo órgão fiscalizador da imprensa por causa de um artigo violento do colunista Jeremy Clarkson contra a duquesa de Sussex publicado em dezembro passado, logo após o documentário do casal na Netflix.  

No texto, ele disse sentir ódio “em nível celular” contra Meghan. E afirmou sonhar “com o dia em que ela seja obrigada a desfilar nua pelas ruas de todas as cidades da Grã-Bretanha com a multidão gritando ‘Que vergonha!’ e jogando excrementos”.

Por determinação da Ipso (Independent Press Standards Organisation), neste sábado o jornal publicou uma chamada na primeira página comunicando a decisão, e um texto na página 17 com um resumo do veredito do órgão. Há também uma chamada no site. 

Mais um caso de Harry & Meghan x tabloides

Clarkson é uma celebridade da mídia britânica conhecida por polêmicas.

Ele é especializado em automobilismo, mas também apresenta programas de entretenimento como o Quem Quer Ser um Milionário? e usa as redes sociais para expor opiniões controvertidas. 

O artigo contra Meghan bateu o recorde histórico de manifestações na Ipso: mais de 25 mil. A reclamação que deu origem ao processo não foi feita por Meghan, e sim por duas ONGs de direitos da mulher, a The Fawcett Society e a The Wilde Foundation. 

A Ipso entendeu que houve violação da cláusula 12 do Código de Editores, um conjunto de normas que deve ser observado pelos jornais que fazem parte da organização, por “referências pejorativas e sexistas contra a Duquesa de Sussex”. 

O título do artigo era “One day, Harold the glove puppet will tell the truth about A Woman Talking B***ks” (Em tradução livre, algo como “Um dia, a marionete Harold (apelido familiar de Harry) contará a verdade sobre a mulher que fala asneiras”). 

O colunista comparou o ódio que sentia da duquesa à sua aversão por duas outras figuras conhecidas, a então primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, e a assassina serial Rose West.

Houve também referência sexista, sugerindo que Meghan usava “promessas de quarto” para dominar Harry, conforme apontou a decisão do órgão regulador. 

Outro argumento da reclamação, o de discriminação racial, não foi aceito pelo órgão. 

Em um trecho, a Ipso enumera as violações ao código: 

“Especificamente: a alegação do colunista de que a duquesa exercia poder por meio de seu domínio sexual sobre o marido, sendo esta uma referência a estereótipos sobre mulheres usando sua sexualidade para obter poder, além de implicar que era a sexualidade da duquesa – ao invés de qualquer outro atributo – a fonte de seu poder. Uma comparação com duas outras pessoas – Nicola Sturgeon e Rose West – e a única característica comum clara entre as três sendo o gênero feminino e o “ódio” do jornalista. A caracterização de Meghan como um modelo negativo especificamente feminino, referindo-se à influência da Duquesa sobre “pessoas mais jovens, especialmente meninas”. E como ponto final, seu “sonho” de humilhação e degradação.”

A decisão da Ipso registra que o The Sun tentou se defender alegando que o autor do artigo era um polemista “conhecido por empregar linguagem hiperbólica” – justificativa que não foi aceita. 

Charlotte Dewar, diretora-executiva do órgão, disse:

“O código de conduta dos editores protege o direito dos comentaristas de desafiar, chocar, ser satírico e entreter, mas afirma que a imprensa deve evitar referências discriminatórias a um indivíduo”.

A representação estereotipada de mulheres na mídia afeta anônimas e pessoas mais expostas, como ocupantes de cargos políticos, executivas e artistas. 

The Times, do mesmo grupo, defende tabloide

O The Sun pertence ao mesmo grupo do respeitado jornal The Times, a News Corp., do magnata de mídia Rupert Murdoch. 

Neste sábado, o Times publicou um editorial criticando fortemente a decisão da Ipso, que classifica como “ameaça à liberdade de imprensa”. 

Embora admita que a coluna de Jeremy Clarkson tenha sido “de mau gosto e ofensiva”, o editorial afirma que a punição seria desnecessária, pelo fato de o texto já ter sido removido do site do The Sun e de o jornalista ter se desculpado logo em seguida ao episódio, o que segundo o Times já era suficiente para “o fim do assunto”. 

Mas o Times omite que a coluna só foi removida após três dias de críticas.

E que em suas desculpas, Clarkson tentou se emendar afirmando que os comentários sobre Meghan ser humilhada publicamente eram uma referência a uma cena em Game of Thrones que havia sido “mal interpretada”.

Na época, o colunista pediu desculpas diretamente ao casal, mas Meghan rebateu acusando-o publicamente de escrever artigos que “espalham discurso de ódio, perigosas teorias da conspiração e misoginia”.

Para o jornal The Times, a decisão da Ipsos foi “tendenciosa” por dar razão a reclamações de grupos de interesse “que tentam suprimir pontos de vista com os quais discordam”. 

Harriet Harman, presidente da The Fawcett Society, disse que a decisão foi um “grande passo para as mulheres na batalha contra o sexismo na mídia”.

“As mulheres não estão mais dispostas a suportar o machismo a que as gerações passadas foram submetidas. A Fawcett continuará vigilante contra o sexismo na mídia e o combaterá onde quer que apareça”, disse ela.

O caso coloca em questão o limite entre opinião e agressão na mídia. O comentário de Jeremy Clarkson sobre o desejo de ver Meghan agredida nas ruas foi interpretado por muitos como um risco ao incitamento da violência contra ela. 

O IPSO não tem o poder de multar ou de fazer qualquer outra sanção. Mas a decisão pode ter efeito favorável sobre as demandas judiciais que Harry move contra jornais tabloides.