Londres – Primeira grande organização de jornalismo a fechar um acordo com uma empresa de inteligĂȘncia artificial generativa (IA) para uso de seu conteĂșdo, a agĂȘncia de notĂ­cias americana Associated Press (AP) publicou nesta quarta-feira (16) um conjunto de regras para o uso da tecnologia por seus profissionais. 

Os riscos da IA no jornalismo tĂȘm alarmado especialistas, jĂĄ que as ferramentas frequentemente inventam ou deturpam fatos, podendo levar a imprensa a cometer erros ao reproduzir imprecisĂ”es ou fake news disseminadas de propĂłsito. HĂĄ tambĂ©m o risco de infração de direitos autorais, com cĂłpias involuntĂĄrias de conteĂșdo protegido. 

O manual da AP estabelece que, embora a agĂȘncia de notĂ­cias tenha um contrato com a OpenAI, a equipe de profissionais pode “experimentar” o ChatGPT  “com cautela”, mas nĂŁo utilizĂĄ-lo para criar conteĂșdo publicĂĄvel.

Jornalismo da AP usado para treinar IA 

O contrato entre a AP e a OpenIA prevĂȘ remuneração pelo uso do conteĂșdo da agĂȘncia de notĂ­cias para treinar o ChatGPT. Enquanto isso nĂŁo acontece de forma extensa a ponto de garantir a confiabilidade das respostas do chatbot, a agĂȘncia de notĂ­cias optou por cuidado mĂĄximo. 

O guia, divulgado em uma postagem no blog assinada pela Vice-Presidente de PadrĂ”es e InclusĂŁo da AP, Amanda Barrett, diz: 

Qualquer resposta de uma ferramenta de IA generativa deve ser tratada como material de origem nĂŁo verificada.

A equipe deve aplicar seu julgamento editorial e os padrÔes jornalísticos da AP ao analisar qualquer informação antes da publicação.

Berrett ressalta que o papel central do jornalista da AP – reunir, avaliar e ordenar fatos em notĂ­cias, vĂ­deo, fotografia e ĂĄudio – nĂŁo mudarĂĄ com a chegada da IA generativa.

“NĂŁo a vemos como uma substituição dos jornalistas de forma alguma.”

O impacto das regras se estende a uma audiĂȘncia vasta, uma vez que o conteĂșdo da AP Ă© reproduzido por veĂ­culos de mĂ­dia de todo o mundo que pagam uma assinatura para ter direito de republicar o material. 

A agĂȘncia de notĂ­cias foi fundada em 1846 e funciona como uma cooperativa, sem fins lucrativos. A AP detĂ©m 58 prĂȘmios Pulitzer, incluindo 35 de fotografia. 

Veto a imagens manipuladas por IA 

O uso de imagens e sons gerados por ferramentas de inteligĂȘncia artificial tambĂ©m sofreu restriçÔes.  A AP vetou alteração de elementos de fotos, vĂ­deos ou ĂĄudios, seja adicionando-os ou eliminando-os do conteĂșdo original. 

As regras abrem exceção para a veiculação de ilustraçÔes ou obras de arte geradas por IA se forem o assunto de uma notícia, situação em que a imagem deve ser claramente rotulada como tal.

O guia da AP reflete ainda as preocupaçÔes com a privacidade de dados coletados pelas IAs, estabelecendo que a equipe nĂŁo deve inserir informaçÔes confidenciais em ferramentas de inteligĂȘncia artificial generativas. 

Jornalismo, IA e desinformação 

“A IA generativa torna ainda mais fĂĄcil para as pessoas espalharem intencionalmente desinformação por meio de palavras, fotos, vĂ­deos ou ĂĄudio alterados, incluindo conteĂșdo que pode nĂŁo ter sinais de alteração, parecendo realista e autĂȘntico”, disse Barrett.

“Para evitar o uso inadvertido de tais conteĂșdos, os jornalistas devem ter a mesma cautela e ceticismo que normalmente usariam, incluindo tentar identificar a fonte do conteĂșdo original, fazer uma pesquisa reversa para verificar a origem de uma imagem e checar reportagens com conteĂșdo semelhante de mĂ­dias confiĂĄveis.” 

O guia finaliza com um conselho sĂĄbio: “se houver dĂșvida sobre a autenticidade de um material, ele nĂŁo deve ser usado”.

A organização de liberdade de imprensa RepĂłrteres Sem Fronteiras criou um grupo formado por especialistas de vĂĄrios paĂ­ses para elaborar um cĂłdigo de regras para a adoção da inteligĂȘncia artificial no jornalismo, incluindo questĂ”es operacionais e Ă©ticas.