Londres -“Dê-me um limite de tempo − assim que eu o atingir, me bloqueie”, disse uma usuária frequente do Facebook quando perguntada o que pediria ao chefão de uma empresa de mídia social se ele estivesse sentado à mesa com ela durante uma conversa que fez parte de uma nova pesquisa sobre redes sociais. 

O estudo, conduzido pelo think thank americano Pew Research Center, adotou uma abordagem diferente da que tem sido usada na maioria das pesquisas sobre o redes: discussões em grupo para entender as percepções e comportamentos dos usuários em vez de questionários estruturados, que ’enquadram’ as opiniões e as apresentam em forma de tabelas e gráficos.

O objetivo da pesquisa qualitativa e não quantitativa foi capturar experiências pessoais capazes de revelar como os participantes “navegam pelas complexidades de seus mundos online”.

Pesquisa com usuários altamente engajados de diferentes redes sociais

O centro faz a ressalva de que as opiniões não são estatisticamente representativas de um conjunto completo de usuários das redes ou de populações de outros países.

O Pew realizou cinco grupos focais envolvendo 23 adultos norte-americanos classificados como “usuários altamente engajados”, com o seguinte perfil: 

  • Uso de múltiplas plataformas com frequência – Todos os participantes disseram que usavam pelo menos três sites e aplicativos de mídia social, cada um pelo menos algumas vezes por semana;
  • Compartilhamento de conteúdo ou comentários em outras postagens – Todos disseram que usavam quase sempre ou frequentemente as redes sociais para compartilhar coisas sobre si mesmos, compartilhar coisas que outras pessoas postaram ou comentar o conteúdo de outras pessoas.
  • Consideraram a publicação nas redes sociais importante para a autoexpressão: Os escolhidos para participar da pesquisa quantitativa disseram que as redes sociais eram extremamente ou muito importantes para eles neste sentido.

Os pesquisadores não conseguiram encontrar o que chamaram de “experiência padrão de mídia social” das conversas. Os relatos dos participantes foram diferenciados e únicos.

Ainda assim, houve traços comuns, embora não dominantes. Um deles foi o uso das redes para procurar por comunidades, apoio e interação social, o que se intensificou com a pandemia da Covid-19.

Redes sociais ajudam na solidão, mostrou a pesquisa

Um homem descreveu como o TikTok o ajudou a se sentir menos sozinho na crise do coronavírus. Outro contou como usou o Nextdoor para conhecer seus vizinhos, saindo do online para o offline.

“Eu publiquei uma postagem no Nextdoor e no Facebook e fiquei impressionado com a quantidade de ajuda que recebi. As pessoas diziam: ‘Ei, você não mora tão longe de mim. Na verdade, eu ficaria feliz em passar por aí e ajudar você. … Foi agradável.

Foi uma experiência muito boa com as redes sociais.”

Uma mulher destacou o uso do Facebook como alternativa para se conectar com pessoas e manter relacionamentos a distância.

Pesquisa explorou grau de autenticidade dos usuários 

Já em relação a como os usuários se apresentam nas redes as opiniões foram divergentes, variando entre reserva total, exibição do que têm de melhor e autenticidade total.

Alguns participantes disseram que gostam de “ser um livro aberto” e de “viver em voz alta”, enquanto outros se mostraram relutantes em se expor ou seletivos em relação ao que tornam público sobre suas vidas.

Um usuário descreveu sua tática de manter as coisas “vagas”, enquanto outros contaram preferir “deixar sua personalidade brilhar” ou “espalhar positividade”.

Os pesquisadores destacaram duas opiniões que julgaram exemplos dos extremos da autenticidade, um de uma mulher de 30 anos e outro de um homem de 40. 

“Eu realmente sinto que sou a mesma pessoa nas redes sociais e para as pessoas que me conhecem. Definitivamente sou uma daquelas pessoas que se orgulha disso. … [Eu uso] o mesmo tom, a mesma atitude, as mesmas emoções, tudo é igual para mim.”

“Eu definitivamente não acho que alguém conheça meu verdadeiro eu nas redes sociais –  provavelmente somente 25% do que sou.” 

Família no Facebook, notícias no Twitter, amigos no Insta

Os usuários também apontaram suas percepções sobre como usar cada rede conforme o estilo. 

Uma mulher de 20 anos disse: 

“O Twitter é mais sério para mim. O Snapchat é um playground. Nós simplesmente chegamos lá e postamos um monte de filtros ótimos e idiotas. … Já o Facebook é de certa forma mais um bairro ou uma vila.

Você pode criar seu próprio conjunto, eu acho, de pessoas que entendem você. O Instagram… é um livro ilustrado. O  [Twitter é] para política e eventos mundiais. Recebo muitas novidades no meu Twitter.”

A ideia do Facebook como forma de conexão familiar foi verbalizada por outra participante, de 30 anos.

  “O Facebook serve principalmente para entrar em contato com minha mãe no Messenger. YouTube é mais entretenimento. Eu também uso para aprender porque tem muita informação- Mas é preciso cuidado pois há igualmente muita desinformação.

 E o TikTok também é principalmente para entretenimento para mim. O Instagram é mais para amigos e o Facebook é mais família.”

Privacidade nas redes sociais determina nível de exposição

Para uma parte deles, as decisões sobre o que revelar estão associadas a plataformas específicas e a quem vê o que publicam em cada uma.

Eles descreveram sua percepção sobre o quão “públicas” certas plataformas parecem ser como fator para decidir onde posta – ainda que a maioria ofereça diferentes opções de configurações de privacidade.

Um homem de 20 anos manifestou na pesquisa cautela em relação ao Facebook, onde “todos podem ver”.

Ele demonstrou mais conforto com o Instagram e disse:

“É onde se pode postar uma opinião estúpida, pois ela desaparecerá em 24 horas e só meus seguidores a verão”.

Outro participante disse como usa o Instagram e o Facebook para separar amigos e familiares: 

“Posto coisas que não quero que minha família veja no Instagram e coisas que não quero que meus amigos vejam no Facebook.”

Os dois lados da opinião política nas redes

Do ponto de vista de liberdade de expressão, houve um comportamento interessante de um grupo de mulheres: elas relataram a prática de usar as plataformas digitais com a finalidade de chamar a atenção para injustiças e expressar opiniões firmes.

Ao mesmo tempo, o temor de que opiniões políticas possam gerar consequências foi manifestado por vários usuários, bem como o medo de serem vigiados.

Uma mulher de 40 anos contou ter sido atacada no Facebook após postar uma imagem da família recebendo a vacina da Covid-19, por um homem que a xingou violentamente. 

“Isso feriu meus sentimentos, quase chorei − como alguém pode ser tão mau?”

O recado para os CEOs

Por fim, os pesquisadores do Pew Center perguntaram aos participantes dos grupos focais o que eles diriam ao CEO de uma plataforma de mídia social a respeito de como torná-la melhor para as pessoas que a usam se ele estivesse sentado na sala naquele momento.

Novamente não houve uma opinião predominante. Alguns mencionaram o desejo de que o Facebook e outros tenham uma postura mais forte no combate a opiniões e endossos autoritários.

Uma mulher reforçou a necessidade de que os limites de idade sejam cumpridos.

E outra verbalizou um desejo difícil de as plataformas atenderem, o de que haja um limite de tempo,  que soa quase como um pedido de socorro.

A questão sensível da moderação foi igualmente alvo de atenção por parte dos participantes da pesquisa, com referências principalmente ao Facebook. 

Alguns, como um homem de 20 anos, defendeu “alguns passos para trás” antes de bloquear ou banir conteúdo, como três notificações prévias. 

Uma mulher de 40 anos disse que se tivesse chance de falar com o CEO do Facebook, pediria mais clareza. 

“Não seja dissimulado, indireto. Imponha regras e depois silencie comentários divergentes”, sugeriu. 

Outra participante, uma mulher de 60 anos, pensa que o Facebook “não deveria estar tão ansioso para punir as pessoas somente porque alguém denunciou”. 

“A rede deveria permitir mais liberdade de expressão, como era no início, mas aberta”.

Uma jovem de 20 reconheceu que a mídia social é um negócio, mas ainda assim expressou o desejo de que os líderes ‘tirassem o aspecto comercial’, e tivessem mais consciência sobre os problemas de saúde mental relacionados às redes sociais.