Londres – Uma das mais combativas e premiadas profissionais de imprensa da Rússia, a jornalista Galina Timchenko, editora-chefe do site de notícias independente Meduza, está sendo espionada com o software Pegasus desde fevereiro deste ano.
A denúncia foi feita pela organização de direitos humanos digitais Access Now, que realizou uma investigação em conjunto com o Citizen Lab da Munk School of Global Affairs da Universidade de Toronto.
O iPhone da jornalista, que vive na Letônia, foi infectado pelo spyware da empresa israelense NSO Group duas semanas depois de o governo russo ter declarado o Meduza uma “organização indesejável” pela sua cobertura crítica do regime de Vladimir Putin e da guerra na Ucrânia.
Primeiro jornalista russo espionado com o Pegasus
O spyware Pegasus ganhou notoriedade em 2021, quando se descobriu que estava instalado nos telefones de chefes de Estado e de governo em vários países, além de jornalistas e ativistas.
Projetado originalmente para espionar criminosos, acabou sendo reorientado para outros fins e é considerado uma ferramenta de cyberstalking avançada e potente.
O Pegasus pode ler mensagens, e-mails e textos, monitorar a utilização de apps, recolher dados de localização e acessar o microfone e a câmara do aparelho.
Segundo a Access Now, este é o primeiro caso documentado de infecção por Pegasus no telefone de um jornalista russo.
Notificação da Apple
O alerta foi dado no dia 22 de junho de 2023, quando Galina Timchenko recebeu uma notificação da Apple de que invasores poderiam ter como alvo seu iPhone.
No dia seguinte, o diretor de tecnologia da Meduza contatou o Access Now para verificar se havia vestígios de spyware no telefone.
A Access Now, com assistência forense do Citizen Lab, testou o dispositivo e descobriu que ele havia sido infectado com spyware Pegasus por volta de 10 de fevereiro de 2023, com a infecção provavelmente durando vários dias ou semanas depois disso.
No momento da invasão, Timchenko estava em Berlim, participando numa reunião privada com outros membros da mídia independente russa que vivem no exílio para discutir os riscos legais das designações de “indesejáveis” e “agentes estrangeiros”.
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O Comitê de Proteção a Jornalistas se disse “profundamente perturbado” contra o uso do Pegasus para espionar uma das jornalistas russas mais importantes do mundo
Gulnoza Said, coordenador do CPJ para a Europa e Ásia Central, afirmou:
“Os jornalistas e as suas fontes não estão livres e seguros se forem espionados, e este ataque a Timchenko sublinha que os governos devem implementar uma moratória imediata sobre o desenvolvimento, venda e utilização de tecnologias de spyware.
A ameaça é simplesmente grande demais para ser ignorada.”
Jornalismo independente russo sob ataque
O ataque com o Pegasus foi conduzido no contexto mais amplo de ataques contra jornalistas do Meduza e de outras organizações de mídia idependentes russas, no país e no exílio.
Timchenko e seus colegas fundaram o site em 2014, depois que o proprietário do Lenta.ru a demitiu do cargo de editora-chefe por publicar uma entrevista com o chefe de um grupo nacionalista ucraniano.
O grupo optou por usar a Letônia como base, contando com tecnologias digitais para atingir públicos dentro da Rússia.
O site tornou-se um dos primeiros meios de comunicação independentes dirigidos por jornalistas russos no exílio a lançar uma aplicação móvel como forma de contornar a censura russa.
A cobertura crítica de Meduza não passou, contudo, despercebida pelo regime de Putin. Em 2019, a polícia russa prendeu o jornalista da Meduza, Ivan Golunov, sob acusações forjadas de drogas.
Após protestos públicos, Golunov foi libertado e os policiais envolvidos foram enviados para a prisão pelo ato ilegal.
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Meduza virou ‘agente estrangeiro’
Em 2021, o governo russo designou o Meduza como “agente estrangeiro”, medida condenada pela União Europeia e por organizações de liberdade de imprensa.
Em março de 2022, devido à cobertura crítica do Meduza sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia e a condenação da guerra, o governo bloqueou o site da Meduza .
Em janeiro deste ano, o regime de Putin proibiu oficialmente o Meduza na Rússia , classificando-o como uma “organização indesejável”.
Assim como muitos meios de comunicação independentes russos e organizações de direitos humanos, o Meduza também foi fortemente afetada pelo cumprimento excessivo das sanções contra a Rússia por parte das empresas tecnológicas e financeiras, que afetaram o recebimento de doações e de pagamento por anúncios ou assinaturas.
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