Um novo relatório publicado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) mostra os principais riscos aos quais jornalistas que atuam na cobertura de questões ligadas à Amazônia, como desmatamento, garimpo ilegal e conflitos ambientais, estão sujeitos. 

Com dados inéditos, o documento foi construído a partir da análise de 66 denúncias de violações de liberdade de imprensa nos nove estados brasileiros no território amazônico entre 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023.

A instituição também avaliou a condução das investigações do assassinato do jornalista Dom Philips no vale do Javari, no Amazonas, para listar os riscos à integridade dos repórteres, e faz recomendações para uma transformação urgente deste cenário. 

Violência e autocensura ameaçam jornalismo na Amazônia

Intitulado “Amazônia: Jornalismo em Chamas”, o relatório da RSF aponta um conflito claro entre a imprensa livre com responsáveis por atividades econômicas locais — muitas vezes de natureza extrativista e ilegais — que tentam silenciá-los.

O mapa do relatório mostra a geografia das violações, com Manaus e Belém concentrando os ataques. 

Gráfico mostra ameaças a jornalistas que cobrem o desmatamento na Amazônia

A equipe da Repórteres Sem Fronteiras identificou também as formas principais de tentar silenciar a imprensa. Impedir algum tipo de cobertura é de longe a prática mais comum, seguida por ameaças diretas genéricas e de morte. 

Gráfico mostra as formas principais de tentar silenciar jornalistas que cobrem a Amazônia no Brasil

A organização mapeou ainda de onde vêm as ameaças a jornalistas que cobrem desmatamento e outros crimes ambientais na Amazônia. Nos nove estados da Amazônia Legal, os principais autores de ataques à liberdade de imprensa são atores privados, sejam eles integrantes de organizações criminosas, fazendeiros, agentes de segurança privados, representantes de mineradoras ou até mesmo de empresas turísticas.

Eles são responsáveis por 57% dos casos de ataques à imprensa registrados pela RSF entre 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023, segundo o documento. 

Gráfico mostra quem são os principais perpetradores de ameaças contra a imprensa na Amazônia brasileira

A Repórteres Sem Fronteiras detectou ainda o que classificou de assuntos “proibidos”, por atraírem mais ameaças para a imprensa. A política (nacional e local) é o principal tema. Em seguida aparecem as atividades comerciais e industriais.  

Gráfico descreve os assuntos mais visados por ameaças na cobertura da imprensa na Amazônia

Para Artur Romeu, diretor da RSF na América Latina, este cenário de violência, somado a dificuldades logísticas e de financiamento da cobertura jornalística, possuem impacto direto na “linha de frente de um dos conflitos mais importantes do nosso tempo”:

“Em outras palavras, a defesa de um jornalismo local livre, diverso e independente na Amazônia deve ser uma parte integral dos esforços para adereçar a emergência climática.” 

O relatório detectou cinco pontos principais de agravamento do jornalismo local:

1) Silenciamento por violência

De acordo com o RSF, 16 das 66 violações de imprensa analisadas — dentre casos de assédio, ameaças e até mesmo violência física — estavam conectadas com a cobertura de atividades ligadas ao desmatamento na Amazônia.

Segundo a organização, os ataques ocorriam mesmo quando as atividades ilegais não estavam no centro das reportagens, e que um terço das violações ocorreu durante a campanha eleitoral de 2022. 

2) Autocensura como reflexo de segurança

Uma das consequências diretas, porém menos explícitas da violência endêmica nestes estados é que profissionais de imprensa se “autocensuram”, diminuindo o impacto de suas coberturas para evitar represálias.

O relatório aponta também uma falta de amparo dos jornalistas nestas áreas de atividade, visto que seus trabalhos são alvos tanto do governo quanto de figurões do setor privado em um ambiente sem políticas de proteção à imprensa.

3) Interferências políticas e econômicas

A crise do modelo de negócio é outro problema que impacta a cobertura jornalística na região amazônica, segundo o documento. Repórteres locais ouvidos pela instituição apontam que pressões dos anunciantes interferem nas políticas editoriais em favor do governo e empresas que pagam pela publicidade. 

E fora da grande mídia, a situação não é mais fácil. De acordo com a RSF, a falta de financiamento para iniciativas independentes aumenta a escassez na cobertura de conflitos e desmatamento na Amazônia, facilitando um cenário de falta de informação.

4) Desafios geográficos e de infraestrutura

Por outro lado, a região também é de difícil acesso para a realização de trabalho local, especialmente em zonas mais remotas ou de território indígena.

Alana Manchineri, líder de comunicação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), exemplifica no relatório: 

“Nenhum jornalista jamais colocou o pé, por exemplo, em Riozinho, no Acre. Para chegar lá de Manaus, você precisa pegar um avião, dirigir sete horas e pegar um barco por mais de quatro horas.”

Além dos custos elevados para investigar nestas circunstâncias, a falta de acesso adequado a infraestruturas tecnológicas — como conexões de internet ou redes de telefonia — fazem como que muitos veículos de imprensa simplesmente abandonem suas investigações na região.

5) Respostas a incidentes em campo

A falta de infraestrutura de segurança pública na região também é outro obstáculo para a atuação da imprensa.

Para prosperar nestes cenários, jornalistas e veículos de notícia precisam providenciar tanto articulação local quanto medidas pessoais de autoproteção.

RSF lista ações para apoiar imprensa contra riscos na Amazônia

Em resposta a estes problemas, a Repórteres Sem Fronteiras aponta cinco principais recomendações para a proteção da atividade jornalística na Amazônia.

  • Ligar a segurança de jornalistas a programas de proteção à Amazônia. Instituições locais e internacionais devem proteger estes profissionais como elemento chave da preservação do meio ambiente.
  • Criar políticas de prevenção e proteção a profissionais que trabalham em reportagens sensíveis na região. Isso significa fortalecer programas como o de Proteção para Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e o Observatório de Violência contra Jornalistas.
  • Promoção maior de um ecossistema de mídia diverso e financeiramente viável. Estes financiamentos podem ocorrer através de editais, bolsas governamentais, parcerias público privadas e outros incentivos da esfera pública.
  • Reforço à educação digital e ao combate à desinformação na Amazônia. Promoção de atividades de conscientização dentro de escolas e universidades locais.
  • Extensão do monitoramento local de violações contra jornalistas. Isso deve ocorrer através da expansão de redes de jornalistas locais e maior seriedade nos boletins de ocorrência contra estes profissionais.

O relatório completo pode ser acessado aqui.