Londres – Os cinco anos do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, nesta segunda-feira (2) foram marcados por protestos de entidades de liberdade de imprensa e direitos humanos devido ร impunidade, apesar das evidรชncias de que ele foi morto pelo Estado.
Colunista do Washington Post, Khashoggi foi capturado dentro da Embaixada saudita em Istambul, durante um compromisso agendado para tratar da documentaรงรฃo do casamento com sua companheira, a ativista turca Hatice Cengiz. Ele foi torturado e morto.
Organizaรงรตes como a Repรณrteres Sem Fronteiras (RSF) e a Anistia Internacional condenam a falta de responsabilizaรงรฃo dos que ordenaram e comandaram a operaรงรฃo que resultou na morte, ainda que o prรญncipe herdeiro que comanda a Arรกbia Saudita, Mohammed Bin Salman, ter admitido que ela foi “um erro, doloroso”.
Jornalista saudita foi emboscado na Turquia
Segundo autoridades americanas e turcas, um esquadrรฃo saudita esperava pelo jornalista dentro da embaixada, sabendo que ele ira lรก no horรกrio marcado para a audiรชncia. Ele teria sido estrangulado e seu corpo desmembrado para ser ocultado.
Em abril de 2022, a justiรงa da Turquia, que investigava o caso ocorrido em seu territรณrio, decidiu enviar o processo para ser julgado na Arรกbia Saudita.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou na รฉpoca do crime que a ordem para a morte do jornalista โveio dos nรญveis mais elevadosโ do governo saudita.
No entanto, a decisรฃo da justiรงa turca de encaminhar o processo para a Arรกbia Saudita foi interpretada por analistas como uma tentativa de Erdogan de melhorar o relacionamento com Riad.
Segundo a RSF, Bin Salman reconheceu em 2019, a โtotal responsabilidadeโ pelo assassinato de Khashoggi, mas negou ter ordenado o crime. “Um relatรณrio da inteligรชncia dos EUA sugere o contrรกrio”, afirma a entidade.
Um processo movido pela noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, contra o prรญncipe herdeiro num tribunal federal em Washington tambรฉm foi rejeitado.
A nomeaรงรฃo de Mohammed Bin Salman como primeiro-ministro da Arรกbia Saudita em setembro de 2022 levou a administraรงรฃo Biden a conceder-lhe imunidade nos EUA.
Segundo a RSF, o juiz rejeitou o processo, โapesar da inquietaรงรฃo do Tribunal, entรฃo, tanto com as circunstรขncias da nomeaรงรฃo de Bin Salman como com as alegaรงรตes crรญveis do seu envolvimento no assassinato de Khashoggi โ.
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Julgamento pelo crime contra o jornalista a portas fechadas
A Anistia Internacional considera o julgamento a portas fechadas dos agentes apontados como executores do crime em 2019 “uma farsa”.
โO caminho para a justiรงa pelo seu assassinato permanece totalmente bloqueadoโ, disse Agnรจs Callamard, Diretora-Geral da entidade, nos cinco anos da morte do jornalista.
โNunca foi realizada uma investigaรงรฃo criminal independente e imparcial sobre o papel desempenhado por altos funcionรกrios. Em vez disso, as autoridades sauditas continuam a sua repressรฃo implacรกvel ร liberdade de expressรฃo com total impunidade.
O desaparecimento forรงado, a tortura e a execuรงรฃo extrajudicial de Khashoggi sรฃo crimes ao abrigo do direito internacional, que devem ser investigados com urgรชncia e podem ser processados โโpor qualquer Estado atravรฉs da jurisdiรงรฃo universal.”
No aniversรกrio de cinco anos do crime, a noiva do jornalista saudita postou uma mensagem emocionada nas redes sociais.
“Neste dia, exatamente cinco anos atrรกs, vocรช me disse: ‘espere por mim aqui’. Eu esperei, e vocรช nunca mais voltou. E eu nรฃo sabia que vocรช nunca mais voltaria.
Vocรช nรฃo estรก mais vivo e nรณs nรฃo estamos ainda conseguindo obter seu corpo para enterrar seus restos mortais neste mundo.
Vocรช era meu querido e amado, e agora se tornou querido e amado de todos. Sempre nos lembramos de vocรช com saudade.”
Anistia internacional pede investigaรงรฃo internacional independente
A Anistia continua cobrando uma investigaรงรฃo internacional, independente e imparcial sobre assassinato de Khashoggi para identificar todos os envolvidos no crime e garantir que os suspeitos sejam levados ร justiรงa em julgamentos justos.
Embora Bin Salman insista que โtodos os envolvidos estรฃo cumprindo penaโ, a RSF salientou que reportagens da imprensa revelaram em 2021 que pelo menos trรชs dos indivรญduos condenados pelos tribunais sauditas estavam vivendo em propriedades luxuosas em complexo governamental perto de Riad.
O suposto mentor da operaรงรฃo, Saud al-Qahtani sequer foi julgado. “Na verdade, apรณs um desaparecimento de quatro anos, ele ressurgiu num vรญdeo no Twitter em junho de 2023, rodeado de apoiadores”, diz a RSF.
Ele era o assessor mais influente de Mohammed bin Salman. Os promotores sauditas disseram nรฃo ter encontrado nenhuma evidรชncia que ligasse Qahtani ao assassinato dentro do consulado do reino em Istambul.
O veredito, anunciado apรณs uma sรฉrie de audiรชncias secretas em Riad, distanciou o herdeiro do trono do paรญs de um evento que abalou sua imagem internacional. Mas nรฃo a ponto de afetar as relaรงรตes com paรญses importantes, como os EUA e o Reino Unido.
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Morte do jornalista saudita virou problema para Biden
Em julho de 2022, o presidente dos EUA, Joe Biden, provocou reaรงรฃo negativa ao defender as relaรงรตes com “um parceiro estratรฉgico de mais de 80 anos” ao visitar a Arรกbia Saudita, uma das paradas de um tour pelo Oriente Mรฉdio.
O CEO e publisher do jornal Washington Post, para o qual Khashoggi colaborava, escreveu um duro editorial em resposta ao do presidente dos EUA.
Para Fred Ryan, a viagem de Biden tinha cunho eleitoral e poderia significar o fim da responsabilizaรงรฃo da Arรกbia Saudita na morte do jornalista:
โQuando, buscando votos, Biden prometeu fazer do prรญncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman um โpรกriaโ por seu papel no assassinato do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi, o mundo tinha todos os motivos para pensar que ele falava sรฉrio.
Entรฃo, por que o presidente Biden agora vai a Jedรก de joelhos para apertar a mรฃo manchada de sangue do โpรกriaโ? Mais uma vez, ele estรก em busca de votos.โ
15 ONGs pressionam os EUA a nรฃo endossar regime saudita
No aniversรกrio de cinco anos da morte do jornalista saudita, 15 organizaรงรตes de direitos humanos e liberdade de imprensa internacionais como Comitรช para Proteรงรฃo de Jornalistas, Access Now e PEN America voltaram a cobrar do governo Joe Biden uma posiรงรฃo contra a Arรกbia Saudita pelo crime e pelas violaรงรตes regulares registradas no paรญs.
Apesar das promessas de campanha, a administraรงรฃo Biden nรฃo sรณ falhou em apoiar uma investigaรงรฃo internacional, independente e imparcial, como ajudou imensamente a ajudar a reabilitaรงรฃo de Mohammed bin Salman no cenรกrio internacional.
Tragicamente, o resultado foi o agravamento sem precedentes da repressรฃo e dos abusos governamentais sob a lideranรงa do prรญncipe herdeiro.
Em uma nota conjunta, as entidades cobram o fim de ameaรงas e detenรงรตes de jornalistas dentro da Arรกbia Saudita e da repressรฃo ร liberdade de expressรฃo e a grupos de direitos humanos, bem como a libertaรงรฃo de pessoas detidas por expressarem opiniรตes contra o reino.
O texto insta ainda o governo saudita a suspender a perseguiรงรฃo a dissidentes fora das fronteiras do paรญs e a detenรงรฃo de familiares de opositores do regime no territรณrio saudita.
“Se a administraรงรฃo Biden nรฃo trabalhar para garantir compromissos significativos em linha com essas recomendaรงรตes, isso indicaria que abandonou a memรณria de Jamal e a sua visรฃo de uma Arรกbia Saudita livre, justa e democrรกtica”.
“As prรกticas e polรญticas repressivas do prรญncipe herdeiro sรฃo uma ameaรงa nรฃo sรณ para as pessoas que residem na Arรกbia Saudita, mas para qualquer pessoa que se atreva a criticรก-lo, nรฃo importa o local de residรชncia, como ilustrado pelo assassinato brutal de Jamal”, completaram as entidades.
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