Londres – A notícia de que a Rússia estaria preparando exercícios de evacuação em caso de guerra nuclear para esta terça-feira (3) em todo o país pode ser apenas mais um golpe de propaganda do governo de Vladimir Putin – mas rumores sobre esses movimentos e de um suposto teste nuclear foram vistos com preocupação pela organização científica responsável pelo Doomsday Clock, ou Relógio do Apocalipse.

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia ajudou a aproximar o ponteiro da chamada “meia-noite do apocalipse” este ano. Ele nunca esteve tão próximo do fim do mundo simbólico. 

Nesta segunda-feira, o Bulletin of the Atomic Scientists publicou um artigo alertando para o risco de subestimar a possibilidade de uma escalada nuclear na Ucrânia a partir do chamado “blefe” de Vladimir Putin. 

Testes nucleares que preocupam equipe do Relógio do Apocalipse já podem ter acontecido 

A publicação foi na sequência de uma reportagem do New York Times indicando que a Rússia poderia estar se preparando para testar o míssil de cruzeiro intercontinental nuclear Burevestnik – ou já até teria feito isso.

Ao mesmo tempo, o site de notícias Baza, ligado ao Kremlin, informou sobre um grande exercício envolvendo a remoção de pessoas de supostas “zonas de radiação”, que estaria sendo feito pela primeira vez em todo o país nesta terça-feira. 

No artigo no site da organização responsável pelo Relógio do Apocalipse, o Bulletin of The Atomic Scientists, os professores Stephen Cimbala, que leciona ciência política na Penn State University, e Laurence Korb, docente de estudos de segurança em Georgetown, sugerem que esses movimentos podem não ser apenas propaganda, exigindo atenção dos EUA e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). 

A tese de que o chamado “blefe nuclear” de Moscou está desgastado, levantada em um artigo pelo renomado historiador Timothy Synder, da Universidade de Yale, foi considerada por eles “demasiadamente abrupta”. 

As preocupações sobre a possibilidade de uma escalada nuclear não devem ser descartadas e vão além da aceitação de qualquer propaganda russa obviamente tendenciosa.

Além do desempenho militar convencional de alto nível da Ucrânia e da unidade política da OTAN, outro requisito para o sucesso na defesa da Ucrânia é o controle da escalada [das ameaças].

As ameaças nucleares russas não devem paralisar a determinação da Ucrânia ou da OTAN em perseverar na guerra convencional, que tem riscos existenciais para a democracia ocidental.

Mas os líderes ocidentais também devem lembrar que a guerra é a menos previsível das atividades humanas, e que a guerra nuclear tem consequências inaceitáveis ​​e irreversíveis para toda a humanidade.

Por que riscos nucleares não devem ser vistos apenas como propaganda

Os professores apontam três motivos para que o risco nuclear que determinou o avanço dos ponteiros do relógio do apocalipse este ano não sejam minimizados: 

  • Os EUA e a OTAN não podem e não devem assumir que o raciocínio russo sobre a dissuasão nuclear e a escalada seguirá uma lógica semelhante à de países ocidentais.
  • A escalada não necessita de ser o resultado de uma premeditação deliberada: a escalada inadvertida pode levar a uma ultrapassagem do limiar nuclear em circunstâncias que não foram planejadas ou previstas.
  • Ninguém deve subestimar o que a Ucrânia e a OTAN já realizaram nesta guerra, tanto em termos de estratégia como de política – realizações significativas obtidas sem provocar a escalada nuclear.

Fruto de uma preocupação real com uma reação ocidental a um possível ataque nuclear da Rússia na Ucrânia ou apenas propaganda do Kremlin, a possibilidade de exercícios de evacuação em larga escala teve repercussão global. 

Em uma entrevista à revista Newsweek sobre os exercícios para a hipótese de ataque nuclear, o general reformado Ben Hodges, que comandou as forças do Exército dos EUA na Europa,  disse levar as ameaças a sério “porque a Rússia tem milhares de armas nucleares e porque eles claramente não se importam com quantas pessoas inocentes podem morrer”.

Mas ao mesmo tempo, salientou o ‘efeito propaganda’, afirmando que o país percebe que as armas nucleares são na verdade mais eficazes quando não usadas.