A decisão de incluir as empresas de mídia públicas da Argentina no plano de privatização de estatais, anunciada pelo presidente eleito Javier Milei ,provocou reação imediata do setor. 

Já havia especulações de que a onda de privatizações do novo governo poderia atingir o sistema estatal de imprensa, mas dias antes do segundo turno das eleições, neste domingo (19), a coalizão La Libertad Avanza (LLA) desmentiu essa possibilidade depois de uma declaração feita pela deputada eleita Lilia Lemoine. 

No entanto, os sinais eram claros. Javier Milei, que mantém uma relação pouco amistosa com a imprensa, havia afirmado em entrevistas que os meios de comunicação públicos são “um ministério secreto de propaganda” e que “tudo o que puder estar nas mãos do setor privado, estará”. 

Fechadas as urnas, veio a confirmação de que a rede de comunicação pública também fará parte do amplo programa de privatizações do futuro presidente, mas a intenção dependerá do Congresso para ser colocada em prática. 

Federação Internacional contra privatização da mídia estatal por Milei 

A atuação de redes de comunicação financiadas por governos é motivo de controvérsia em vários países, com o risco de serem utilizadas como instrumento de propaganda governamental – o caso mais notório é o da Rússia.

No entanto, em outros elas operam de forma independente e são vistas como relevantes para disseminar conteúdo de interesse público muitas vezes negligenciado pelas redes comerciais. Mas não é esse o plano de Javier Milei para a Argentina. 

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) divulgou uma nota condenando a decisão do presidente eleito e endossando o comunicado conjuinto assinado pela presidente da Rádio e Televisão Argentina (RTA), Rosario Lufrano; pela diretora da agência pública de notícias Télam, Bernarda Llorente; por Claudio Martínez e Alejandro Pont Lezica, diretores executivos de Televisão Pública e Rádio Nacional; e por Jessica Tritten, gerente geral de conteúdo público. 

O documento dos líderes das empresas de mídia públicas afirma que o que foi dito pelo presidente eleito “gera preocupação, pois demonstra um grande desconhecimento do papel que elas desempenham na construção democrática”.

“Os meios de comunicação públicos garantem a informação como um direito “e não uma mercadoria”, bem como a pluralidade, a diversidade e a inclusão em seu conteúdo”. 

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, sua representação local, a Federação Argentina de Trabalhadores da Imprensa, convocou secretários e dirigentes de todo o país para uma reunião de emergência.

O Sindicato da Imprensa de Buenos Aires fará uma sessão plenária de delegados e dirigentes. Serão também realizadas assembleias nos meios de comunicação públicos para analisar a situação e as medidas a tomar, disse a IFJ, que condenou a intenção de privatizar o sistema:

“A Federação Internacional de Jornalistas apoia a luta organizada dos profissionais em defesa do acesso a notícias, da liberdade de expressão, do emprego e da existência de meios de comunicação públicos como garantia do direito à informação”. 

Sistema público alvo de cortes severos

Segundo a organização, durante a presidência de Mauricio Macri, entre 2015 e 2019, os meios de comunicação públicos foram vítimas de cortes severos. Antes de perderem os empregos, os profissionais sofreram assédio e perseguição, incluindo acompanhamento do que postavam nas redes sociais.

Na agência nacional Télam, foram demitidas 354 pessoas, das quais 47 trabalhavam como correspondentes no interior do país. A redação foi reduzida em 40%, de acordo com a IFJ. 

Na Rádio Nacional foram eliminados 21 postos de trabalho, correspondentes a emissoras de 15 províncias.

“A medida foi executada pelo então chefe do Sistema Federal de Mídia e Conteúdo Hernán Lombardi, ex-funcionário que participou, junto com o ex-presidente Macri, das comemorações pelos resultados eleitorais deste fim de semana”, apontou a Federação Internacional. 

A batalha de Javier Milei com a imprensa 

A batalha de Javier Milei com a imprensa não se limita à privatização das redes de comunicação estatais. A campanha eleitoral foi marcada por embates e ataques até físicos. 

Poucos dias antes da votação em segundo turno, ele foi recebido no aerporto de  Rosário por seguidores, e empurrou o jornalista de TV Pedro Levi, dizendo: “Isto é para as pessoas, não é para vocês”.

O Sindicato condenou o ato, que chamou de mais uma demonstração do desrespeito aos jornaitas. 

Durante a campanha, a Associação de Correspondentes Estrangeiros da Argentina (ACERA), emitiu um comunicado protestando contra “a marginalização de praticamente toda a mídia estrangeira”, que não foi credenciada a entrar no quartel-general do candidato quando os resultados do primeiro turno seriam anunciados. 

A entidade ameaçou denunciar formalmente Javier Milei à Justiça Eleitoral, e acabou conseguindo credenciamento para a maioria de seus membros. 

Organizações de liberdade de imprensa levantaram preocupações com ataques, insultos e ameaça de corte de verbas publicitárias capazes de comprometer ainda mais o ecossistema de mídia do país, que já atravessa um momento de crise.