Londres -Lançado em 30 de novembro de 2022, o ChatGPT vai completar um ano de vida, mas a data acabou ofuscada pela demissĂŁo de Sam Altman, CEO da OpenIA − sem explicação sobre o que ele teria escondido do conselho para merecer um tratamento incomum no mundo corporativo, gerando uma novela na mĂ­dia e um alvoroço no Vale do SilĂ­cio que seguem firmes mesmo apĂłs sua recondução. 

As especulaçÔes sobre se a demissĂŁo da principal estrela da inteligĂȘncia artificial generativa estaria relacionada Ă  segurança foram inevitĂĄveis, o que Ă© consistente com as incertezas em torno da tecnologia e do que ela pode representar para o futuro da humanidade. 

Embora ela nĂŁo tenha sido inventada pela OpenIA, o ChatGPT foi o divisor de ĂĄguas e provocou a concorrĂȘncia. O Google entrou na briga com o Bard. Agora, Elon Musk chega com seu Grok, que parece inspirado no dono, respondendo aos prompts dos usuĂĄrios com ironias.

Em 1 ano de ChatGPT, pouca regulamentação 

Mas muitos questionamentos sobre privacidade, direitos autorais e desinformação continuam sem resposta. E as regulamentaçÔes ainda nĂŁo saĂ­ram do papel na maioria dos paĂ­ses um ano apĂłs a explosĂŁo do ChatGPT. 

No meio dessa confusão, a Repórteres Sem Fronteiras deu um passo importante. Na semana passada, a organização publicou uma carta de princípios para guiar o uso da IA generativa pelo jornalismo.

O texto foi elaborado por uma comissão de notáveis de vários países − nenhum do Brasil −, liderada pela jornalista filipina Maria Ressa, detentora do Nobel da Paz de 2021.

Ressa tem credenciais para falar sobre o tema que vĂŁo alĂ©m de seu prĂȘmio. Ela Ă© uma crĂ­tica feroz das redes sociais e de sua dificuldade em controlar desinformação e discurso de Ăłdio, riscos tambĂ©m associados Ă  IA.

Ao apresentar a chamada Carta de Paris, ela destacou que a inteligĂȘncia artificial pode prestar serviços notĂĄveis Ă  humanidade, “mas tem claramente o potencial de ampliar a manipulação das mentes em dimensĂ”es sem precedentes na histĂłria”.

Para a jornalista, a evidĂȘncia factual, a distinção clara entre conteĂșdo autĂȘntico e sintĂ©tico, a independĂȘncia editorial e a responsabilidade humana serĂŁo as principais garantias para o direito a notĂ­cias e informaçÔes confiĂĄveis na era da IA.

Os princĂ­pios da RSF para uso da IA no jornalismo 

A carta tem dez princĂ­pios:

  • A Ă©tica jornalĂ­stica deve guiar o uso da IA por empresas de mĂ­dia e profissionais, sendo colocada a serviço dos valores essenciais da atividade, como veracidade, precisĂŁo, justiça, imparcialidade, independĂȘncia, nĂŁo-lesĂŁo, nĂŁo-discriminação, responsabilização e respeito pela privacidade e pelo sigilo das fontes.
  • Os meios de comunicação priorizarĂŁo os seres humanos ao usarem a IA, tanto na tomada de decisĂ”es sobre estratĂ©gias de longo prazo quanto nas escolhas editoriais diĂĄrias.
  • Os sistemas de IA utilizados no jornalismo devem ser submetidos a  avaliaçÔes independentes por parte de entidades do setor − como a prĂłpria RSF.
  • As empresas jornalĂ­sticas assumirĂŁo a responsabilidade pelo conteĂșdo resultante do uso da IA em apuração, produção ou distribuição de notĂ­cias.
  • Os meios de comunicação deverĂŁo ser transparentes, divulgando ao pĂșblico se a IA teve participação significativa no conteĂșdo − ainda falta definir a extensĂŁo de “significativa”.
  • Ferramentas de Ășltima geração devem ser adotadas para garantir a autenticidade de origem de conteĂșdos veiculados, minimizando o risco de conteĂșdos falsos.
  • O jornalismo deve estabelecer uma linha clara entre conteĂșdo real e sintĂ©tico, e evitar o uso de recursos que simulem situaçÔes ou pessoas reais.
  • A personalização de conteĂșdos deve ser orientada pela Ă©tica, promovendo perspectivas diferenciadas sobre vĂĄrios temas e dando aos usuĂĄrios a opção de desativar preferĂȘncias para ter acesso a conteĂșdo nĂŁo filtrado.
  • Empresas jornalĂ­sticas e associaçÔes devem ter papel na governança e regulamentação da IA.
  • O jornalismo deve preservar sua base Ă©tica e econĂŽmica no engajamento com organizaçÔes de IA, assegurando acordos que garantam a sustentabilidade econĂŽmica e os diretos autorais.

Como toda carta de princípios, o documento da comissão criada pela Repórteres Sem Fronteiras pouco antes do marco de um ano do ChatGPT é cheio de boas intençÔes, e algumas de suas propostas não dependem apenas de jornalistas, redaçÔes ou empresas de mídia.

Mas Ă© um bom começo − e muito melhor do que nĂŁo fazer nada, especialmente quando nem os lĂ­deres da IA estĂŁo se entendendo.