Londres – No mesmo dia em que o chefe da COP28, o sultão Ahmed al Jaber, tentou se explicar sobre suas polêmicas declarações questionando a ciência por trás das pressões contra o uso de combustíveis fósseis, a coalizão internacional Kick Big Polluters Out (KBPO) divulgou uma análise mostrando que pelo menos 2.456 representantes do setor, que a ONG classifica como lobistas, estão participando da cúpula do clima da ONU em Dubai.

Segundo a organização, a presença é quatro vezes maior do que no ano passado. A estimativa é de que mais de 100 mil pessoas tenham sido credenciadas pela ONU, incluindo delegações dos países, ativistas, membros de organizações não-governamentais e jornalistas. 

A KBPO afirma em seu levantamento que há “significativamente” mais lobistas fósseis com acesso à COP28 do que quase todas as delegações do país. O Brasil – que vai sediar a COP30 – conta com 3.081 participantes, e os Emirados Árabes Unidos, os anfitriões, inscreveram 4.409 pessoas.

Por que a presença de lobistas na COP28 é questionada  

A presença dos representantes de grandes empresas de óleo e gás na conferência não é proibida, visto que trata-se de um encontro destinado a debater soluções sob os diversos pontos de vista da sociedade, e as empresas que produzem combustíveis fósseis são parte dela. 

Mas tornou-se objeto de críticas de ativistas e ONGs ambientais pela influência que pode ter sobre as decisões de países que dependem de recursos gerados pela exploração e uso de combustíveis fósseis em um momento crucial para a adoção de compromissos mais fortes, sobretudo na redução do uso de fontes fósseis de energia. 

Nesta segunda-feira, o Brasil conquistou o título de Fóssil do Dia, concedido pela organização Climate Action Network, que justificou a escolha pela decisão do país de integrar o grupo de observadores da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petreóleo).

Para o levantamento, a KBPO considerou como uma empresa de combustíveis fósseis qualquer organização que tenha atividades comerciais significativas na exploração, extração, refino, comércio, transporte especializado de combustíveis fósseis ou venda de eletricidade derivada deles.

Os dados foram pesquisados no cadastro de participantes na COP, e depois cruzados com perfis que permitissem classificar o representante como associado a uma dessas empresas. Mas a lista pode ser maior, pois se o delegado não divulgou sua afiliação, não foi inserido. 

COP28 tem mais representantes de indústrias do que no Egito e na Escócia

A Kick Big Polluters Out é uma coalizão de mais de 450 organizações em todo o mundo que se apresenta como um movimento dedicado a “exigir o fim da capacidade dos grandes poluidores de escreverem as regras de ação climática”.

No ano passado, a análise da KBPO mostrou que pelo menos 636 lobistas de combustíveis fósseis receberam acesso às negociações climáticas da COP27 no Egito, acima dos 503 do ano anterior em Glasgow. 

Veja os principais pontos do levantamento: 

  • Os lobistas de combustíveis fósseis receberam mais passes para a COP28 do que todos os delegados das dez nações mais vulneráveis ao clima combinadas (1509), ressaltando como a presença da indústria está superando a daqueles que estão na linha de frente da crise.
  •  Um grande número de lobistas de combustíveis fósseis recebeu acesso à COP como parte de uma associação comercial. Nove dos dez maiores desses grupos vieram do Norte Global. A maior foi a Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA), com sede em Genebra, que trouxe 116 pessoas, incluindo representantes da Big Polluters Shell, TotalEnergies e da Equinor da Noruega.
  • Em mais um sinal de que a COP28 está sendo usada pelos grandes poluidores como uma oportunidade para promover uma agenda de combustíveis fósseis às custas das comunidades da linha de frente, há mais de sete vezes o número de lobistas de combustíveis fósseis autorizados a entrar nas negociações de Dubai do que os representantes oficiais dos indígenas (316).
  • A França trouxe gigantes de combustíveis fósseis como TotalEnergies e EDF como parte de sua delegação no país. A Itália trouxe uma equipe de representantes da ENI e a União Europeia trouxe funcionários da BP, ENI e ExxonMobil.

Novos critérios de transparência na COP28 

Brice Böhmer, Líder de Clima e Meio Ambiente da ONG Transparência Internacional, salientou que os novos requisitos de transparência implantados pela organização da COP28 permitiram saber mais sobre os participantes, e criticou a presença dos representantes de empresas de combustíveis fósseis que não têm interesse em sua redução: 

“Por que vemos pouco progresso no combate à crise climática? Todos nós já sabemos a resposta: porque a influência dos grandes poluidores continua a ser vista e até cresce em alguns lugares como a COP!”

A campanha Kick Big Polluters Out disse ter pedido ao órgão climático da ONU e aos governos que continuem no caminho em direção a uma estrutura de responsabilidade robusta para resolver o problema em sua raiz, como com aconteceu com a indústria do tabaco nas negociações do tratado contra o fumo da Organização Mundial da Saúde.