Lisboa – A cobertura da imprensa sobre as eleições em vários países como Portugal, que tem visto a extrema-direita crescer politicamente com uso cada vez mais intenso das redes sociais, preocupa jornalistas e esteve em debate durante o V Congresso de Jornalistas de Portugal, que ocorreu de 18 a 21 de janeiro em Lisboa.

Além de Portugal, serão realizadas eleições importantes este ano em diversas nações, incluindo os EUA, e também para o Parlamento Europeu.

Entre os debatedores do encontro estavam a brasileira Natália Viana, uma das fundadoras da Agência Pública, e Miguel Carvalho, jornalista português que cobriu política durante muitos anos na revista semanal Visão. 

Eleições em Portugal: conexão com populações esquecidas pela imprensa e por políticos 

Carvalho falou sobre André Ventura, o candidato do Chega, partido português considerado pelo jornalista como de “direita radical populista”. Ele acompanha o partido há mais de três anos e está seguindo de perto a atual campanha eleitoral. A eleição legislativa acontece em março. 

Miguel Carvalho, profissional de imprensa português, falou sobre o jornalismo em eleições
Miguel Carvalho, jornalista

O grande motor de expansão eleitoral do partido é, a seu ver, “a busca de uma proximidade com a população de regiões que não veem há muito tempo nem políticos nem jornalistas”.

Miguel Carvalho faz uma comparação entre o poder dos partidos e o jornalismo em Portugal: “Nós andamos de trotinete (patinete) e eles andam de Ferrari”.

Ele afirma que o partido Chega tem “dinâmicas brutais, muito à frente de qualquer partido” e uma narrativa simples: “a culpa é do PS [Partido Socialista que estava à frente do governo até novembro, quando então primeiro ministro António Costa deixou o cargo] ”.

O poder digital na política 

A brasileira Natalia Viana destacou o poder digital no cenário atual em que os atores políticos não existem sem as mídias digitais.

“O populismo digital se vale do jornalismo para crescer e as manchetes tornam-se caça-cliques com base em absurdos ditos por esses atores políticos que sabem muito bem como usar a imprensa.

Eles criam notícias e discursos sobre temas que geram polêmicas, são violentos e politicamente incorretos.  As manchetes atraem a atenção, que atrai o clique e a visualização nas redes.

Eles elaboram estratégias que usam os algoritmos para prender as pessoas na plataforma. Assim, o jornalista é usado neste ciclo e atacar o jornalista é uma forma da liderança política se projetar. Então é preciso pensar muito bem sobre o que será coberto ou não”.

A jornalista compartilhou em Portugal a estratégia do “silêncio estratégico” adotada no Brasil. Um exemplo citado por ela foi o do dia 8 de janeiro,  quando a invasão do Congresso completou um ano e apenas uma revista deu espaço para os comentários de Jair Bolsonaro dizendo que a invasão ao Congresso em Brasília foi uma invenção da esquerda”.

“Não é possível dar peso igual aos dois lados para construir a notícia ou manter a neutralidade. Quando o então presidente Bolsonaro começou a mentir repetidamente sobre as urnas durante o último processo eleitoral para presidência, vários jornais brasileiros disseram que estava mentindo.

Era preciso dizer isso de forma clara. Não adiantava dizer ‘o presidente declara’. Era preciso dizer ‘o presidente mente”. 

Imprensa enfraquecida é usada para desinformar

A crise econômica em vários países tem levado ao enfraquecimento do jornalismo tradicional e isso pode ser usado por quem produz desinformação para ganhar poder e para destruir a democracia.

Segundo Natalia, “não tem problema alguém de direita chegar ao poder; o problema é destruir direitos e a democracia. O problema é que essa nova direita é antidemocrática, quer destruir a democracia declaradamente em vários lugares”.

Ela destaca que é importante os jornalistas trabalharem com outros grupos, como membros da Academia, desenvolvedores digitais (para entender como funcionam os algoritmos e as estratégias digitais de partidos de extrema direita), advogados e autoridades da justiça eleitoral.

O trabalho em conjunto leva a ações que podem levar à suspensão de contas nas redes sociais de pessoas que criam narrativas para atrair pessoas a se aproximarem dos partidos de extrema direita.

A investigação digital auxilia a descoberta da origem da narrativa escusa que ganha a atração nas redes sociais. E a partir disso, surgem as ações concretas.

Imprensa, eleições e pluralismo 

Maja Server, jornalista croata e presidente da Federação Europeia de Jornalistas (EFJ, na sigla em inglês), também falou no Congresso e recordou as últimas eleições na Croácia, em que fez a cobertura para a emissora pública HRT. 

Naquela ocasião, a EFJ divulgou uma declaração reforçando o pluralismo e a liberdade do jornalismo na Europa.

“Temos um pouco de medo dos resultados destas eleições europeias, porque ninguém sabe o que acontecerá depois. Precisamos defender a democracia e exigir estes valores europeus, o jornalismo independente e o pluralismo dos meios de comunicação social.

Não importa quem esteja no poder em nível nacional ou europeu, os jornalistas devem ter a liberdade para fazer seu trabalho e atuarem em solidariedade como categoria para defender os valores do jornalismo e a democracia”.

O V Congresso de Jornalistas foi promovido pelo Sindicato dos Jornalistas, pela Casa da Imprensa e pelo Clube de Jornalistas de Portugal.

O encontro foi aberto pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, que salientou a importância da sustentabilidade financeira dos meios de comunicação, da transparência da gestão e do papel do jornalismo na defesa da democracia.


Por Lena Miessva, de Lisboa