Londres – A repórter Clare Rewcastle Brown, radicada em Londres, foi condenada à revelia a dois anos de prisão depois de ser considerada culpada de difamação criminal contra um membro da realeza da Malásia durante sua investigação sobre o escândalo de corrupção multibilionário do 1MDB.

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, em um julgamento “surpresa” realizado no dia 7 de Fevereiro, Rewcastle Brown, fundadora e editora do site de notícias Sarawak Report, foi condenada pelo Tribunal de Magistrados de Kuala Terengganu por difamar a sultana de Terengganu, Nur Zahirah, com fundamento na Seção 500 do Código Penal da Malásia.

O magistrado Nik Mohd Tarmizie Nik Mohd Shukri afirmou que o livro de Rewcastle Brown, ‘The Sarawak Report – The Inside Story of the 1MDB Exposé’, publicado em 2018, continha acusações difamatórias contra a sultana, alegação usada com cada vez mais frequência em processos judiciais destinados a intimidar ou punir jornalistas críticos. 

A jornalista, que é casada com o irmão do ex-primeiro-ministro Gordon Brown, especializou-se em cobrir assuntos da Malásia por ter nascido em Sarawak antes de o território ser anexado à Malásia, filha de pais britânicos. 

Ela mudou-se para o Reino Unido aos oito anos, obteve um mestrado em relações internacionais pela London School of Economics e se tornou jornalista, tendo trabalhado no Serviço Mundial da BBC. O site sobre a Malásia foi criado em 2010.  

A alegação que deu origem à condenação refere-se a um único parágrafo de seu livro, cujo prefácio foi escrito por Gordon Brown, mencionando o nome da sultana. 

Nur Zahirah havia originalmente pedido uma pena de MYR 100 milhões (US$ 24 mil) em indenização de cada réu, incluindo os editores do livro GB Gerakbudaya Enterprise Sdn Bhd, Chong Ton Sin e a gráfica Vinlin Press Sdn Bhd. 

Na Malásia, um dos maiores escândalos de corrupção do mundo 

A investigação de Rewcastle Brown centrou-se no escândalo em torno do desvio de 4,6 mil milhões de dólares do fundo soberano da Malásia, 1Malaysia Development Berhad (1MDB), expondo o seu fundador, o antigo primeiro-ministro da Malásia Najib Razak, que desviou fundos destinados ao desenvolvimento econômico para uma conta bancária pessoal.

O caso da cleptocracia também implicou várias celebridades de destaque e viu as primeiras acusações criminais movidas contra a empresa de Wall Street Goldman Sachs, lembrou a IFJ. 

O caso virou um documentário da Netflix, lançado em 2023, intitulado “Men on the Run” (Fugitivo, em tradução livre), tendo como principal personagem Jho Low, o empresário playboy que aparecia ao lado de estrelas de Hollywood como Leonardo di Caprio e que se uniu a Razak para a operação.

‘Vingança contra jornalismo de interesse público’

A jornalista Rewcastle Brown disse a Malaysiakini que não tinha conhecimento do julgamento e não teve a oportunidade de se defender na audiência. O seu advogado, Guok Ngek Seong, disse ter recebido instruções para interpor recurso no Tribunal Superior da Malásia devido ao fato de o magistrado não ter notificado os seus advogados, em violação da Secção 425A (1) do Código de Processo Penal.

Em entrevista à BBC, ela afirma ter sido uma vingança por seu jornalismo de interesse público, e salientou que o julgamento aconteceu poucos dias depois de antigo primeiro-ministro Najib ter tido sua pena de 12 anos de prisão reduzida à metade. 

Segundo a IFJ, a jornalista condenada à revelia  já havia informado às autoridades da Malásia que não tinha intenção de viajar para o país, observando que “difamação criminosa” não é crime no Reino Unido, onde é radicada 

Em nota, a IFJ afirmou que o veredito “é uma tentativa flagrante das autoridades malaias de reprimir reportagens críticas e jornalismo investigativo crucial” , representando grave ameaça à liberdade de imprensa. 

Monarquia é ‘assunto delicado’  diz RSF

Governada sob um regime de monarquia constitucional, a Malásia ocupa o 73º lugar no ranking Global Press Freedom da organização Repórteres Sem Fronteiras. A análise destaca o  arsenal legislativo draconiano para restringir a liberdade de imprensa. 

Segundo a RSF, o governo exerce uma grande pressão política para dissuadir os meios de comunicação de abordar temas tabus ou de criticar políticos e funcionários do governo, as autoridades perseguem os repórteres investigativos e a monarquia é “um assunto extremamente delicado”.

“Qualquer forma de comentário ou reportagem considerada crítica à monarquia pode resultar em processos e penas pesadas , levando à autocensura generalizada sobre o tema”, diz a organização de liberdade de imprensa.