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‘Pé’ de macarrão, Nixon de volta e mais: os trotes históricos de 1º de abril na imprensa

Mulher colhendo espaguete em árvore, trote do dia da mentira em 1º de abril de 1957 na BBC

Mulher colhendo espaguete em árvore, trote do dia da mentira em 1º de abril de 1957 na BBC (reprodução)

Trotes de primeiro de abril se tornaram tão presentes na cultura popular, na mídia e na propaganda que um museu foi criado nos Estados Unidos para reverenciar a tradição do dia da mentira – mas o Museum of Hoaxes não passa de mais um trote.

A ideia foi de Alex Boese, mestre em história da ciência pela Universidade da Califórnia e autor de três livros, incluindo um sobre seu museu fictício, que funciona apenas em um site na Internet apesar de exibir fotos de sua suposta sede em San Diego- com direito a indicações de como chegar lá.

No “acervo” do museu online estão trotes de primeiro de abril que ficaram na história da imprensa, em uma época em que as fake news não eram um problema grave como hoje em dia – a ponto de o Google ter cancelado suas brincadeiras no dia da mentira desde 2020.

No Dia da Mentira, as pegadinhas campeãs de primeiro de abril

Confira as campeãs da lista do Museum of  Hoaxes – algumas feitas pela própria imprensa, e outras em que ela também foi enganada.

#1: Espaguete em árvores, a mentira do dia primeiro de abril da BBC

Primeiro de abril de 1957: Na mentira considerada a melhor de todas pelo Museu, o respeitado programa Panorama, da BBC, anunciou que graças a um inverno muito ameno e à eliminação do temido gorgulho (uma tipo de praga que afeta grãos) do espaguete, os agricultores suíços em uma região próxima à Itália estavam desfrutando de uma safra abundante de massa.

Ao som de música italiana, a reportagem mostrava imagens de camponeses suíços puxando fios de espaguete das árvores, secando os fios ao sol e no final uma cerimônia típica em que a massa colhida de manhã é servida com pompa em um restaurante.

BBC: Spaghetti-Harvest in Ticino | Switzerland Tourism

Muitos espectadores ligaram para a BBC querendo saber como poderiam cultivar sua própria árvore de espaguete.  A BBC respondeu diplomaticamente: “coloque um raminho de espaguete em uma lata de molho de tomate e espere”.

Até o diretor-geral da emissora admitiu mais tarde que, depois de ver o programa, consultou uma enciclopédia para descobrir se era assim que o espaguete realmente crescia (mas a enciclopédia não tinha informações sobre o assunto).

A transmissão continua sendo, de longe, a farsa do Dia da Mentira mais popular e amplamente aclamada de todos os tempos, segundo o Museu do Embuste. E merece o título, devido à superprodução.

Nº 2: TV em cores instantânea

Primeiro de abril de 1962: A mentira que ocupa o segundo lugar na lista é de autoria da rede pública SVT, da Suécia (Sveriges Television). A emissora entrevistou seu especialista técnico, Kjell Stensson, para explicar ao público que, graças a uma nova tecnologia, os telespectadores poderiam converter seus aparelhos em TVs a cores.

Na época, havia apenas um canal de TV na Suécia, e transmitia em preto e branco. Stensson explicou que tudo o que os espectadores tinham que fazer era puxar uma meia de nylon sobre a tela da TV, e a malha faria com que a luz se dobrasse de tal forma que pareceria que a imagem era colorida.

Ele passou a demonstrar o processo. Milhares de pessoas acreditaram. Muitos suecos ainda hoje relatam se lembrar de seus pais correndo pela casa tentando encontrar meias para colocar sobre o aparelho de TV, segundo o Museu do Embuste.

As transmissões em cores regulares só começaram na Suécia em 1º de abril de 1970, sem precisar de meias.

#3: A Erupção do Monte Edgecumbe

Primeiro de abril de 1974: A terceira melhor mentira não foi da mídia, mas a superprodução foi digna de filme e ganhou o mundo. Os moradores de Sitka, no Alasca, acordaram com uma visão perturbadora. Nuvens de fumaça preta subiam da cratera do Monte Edgecumbe, o vulcão há muito adormecido.

As pessoas saíram de suas casas para contemplar o vulcão, apavoradas. No entanto, era um homem, não a natureza o responsável pela fumaça.

Foto tirada por Harold Wahlman, que estava atravessando a ponte de Alice Island quando notou fumaça subindo do Monte Edgecumbe. (Divulgação Hoax Museum)

Um brincalhão local chamado Porky Bickar havia jogado centenas de pneus velhos na cratera do vulcão e depois provocou um incêndio, em uma tentativa (bem-sucedida) de enganar os moradores da cidade para que acreditassem que o vulcão estava despertando.

A imprensa entrou na história porque a brincadeira teve sucesso além dos sonhos mais loucos do autor. As notícia foi publicada pela agencia Associated Press e espalhou-se em jornais de todo o mundo.

De acordo com a lenda local, quando o Monte Santa Helena entrou em erupção seis anos depois, um morador de Sitka escreveu a Bickar para lhe dizer: “Desta vez você foi longe demais!”

#4: O Iceberg de Sydney

Primeiro de abril de 1978: A quarta mentira escolhida pelo Museu do Embuste também não foi de autoria da imprensa, mas foi amplamente noticiada, sem que os jornalistas percebessem a brincadeira mesmo tendo a chance de desconfiar da história bem antes de ela se tornar “realidade”.

Uma barcaça rebocando um iceberg gigante apareceu no porto de Sydney, na Austrália. Os moradores estavam esperando ansiosamente.

Dick Smith, um aventureiro local e empresário milionário, vinha promovendo há tempos um esquema para rebocar um iceberg da Antártida. Dessa vez, como noticiou a mídia, ele tinha conseguido. O empresário anunciou que iria esculpir o iceberg em pequenos cubos de gelo, vendidos por dez centavos cada.

Foto: divulgação Hoax Museum

Smith ajudou a semear a empolgação ao fazer com que 300 de seus funcionários ligassem para estações de rádio e jornais, alegando ter visto o iceberg no porto.

Os cubos bem viajados, frescos das águas puras da Antártida, prometiam melhorar o sabor de qualquer bebida. Lentamente, o iceberg entrou no porto. As estações de rádio locais forneceram cobertura passo a passo da cena.

Somente quando o iceberg estava bem perto o segredo foi revelado. Começou a chover, e a espuma de combate a incêndios e o creme de barbear de que o iceberg era realmente feito desapareceram.

The Guardian inventou um arquipélago no dia da mentira 

#5: As Ilhas San Serriffe

1º de abril de 1977: O jornal britânico The Guardian publicou um suplemento especial de sete páginas dedicado a San Serriffe, uma pequena república que seria formada por ilhas em forma de ponto e vírgula localizadas no Oceano Índico.

Uma série de artigos descreveu afetuosamente a geografia e a cultura desta nação obscura. Suas duas ilhas principais foram chamadas de Upper Caisse e Lower Caisse, um trocadilho com as palavras uppercase e lowercase (letras maiúsculas e minúsculas, ou caixa alta e baixa).

A capital era Bodoni (uma tipologia de letra gráfica), e seu líder era o general Paica (escala de medida usada em diagramação de jornais na era pré-digital). O nome San Seriffe remetia às letras sem serifas.

Ainda assim, os telefones do Guardian tocaram o dia todo com leitores buscando mais informações sobre o idílico local de férias. Apenas alguns notaram que tudo sobre a ilha fazia referência a jargões do jornalismo.

O sucesso dessa farsa é amplamente creditado como o lançamento do entusiasmo por mentiras de primeiro de abril que tomou conta dos tabloides britânicos nas décadas seguintes.

#6: O alinhamento planetário diminui a gravidade

Primeiro de abril de 1976: Durante uma entrevista matutina na BBC Radio 2, o astrônomo britânico Patrick Moore anunciou que às 9h47 daquele dia um evento astronômico único iria ocorrer. Plutão passaria atrás de Júpiter, e esse alinhamento planetário diminuiria a gravidade da Terra.

Moore disse a seus ouvintes que se eles pulassem no ar no exato momento em que o alinhamento ocorresse, experimentariam uma estranha sensação de flutuação.

Quando deu 9h47, a rede  começou a receber centenas de telefonemas de ouvintes que alegavam ter sentido a sensação. Uma mulher relatou que ela e seus amigos se levantaram de suas cadeiras e flutuaram pela sala.

Moore pretendia que seu anúncio fosse uma paródia de uma teoria pseudocientífica que havia sido promovida pouco tempo antes em um livro chamado O Efeito Júpiter, alegando que um raro alinhamento dos planetas iria causar grandes terremotos e a destruição de Los Angeles em 1982.

#7: O Sino da Liberdade comprado por rede de fast food 

1º de abril de 1996: A rede de fast food Taco Bell publicou um anúncio de página inteira em seis grandes jornais anunciando que havia comprado o Liberty Bell (Sino da Liberdade), um dos símbolos da independência dos EUA, e o estava renomeando como Taco Liberty Bell.

Centenas de cidadãos indignados ligaram para o Parque Histórico Nacional da Filadélfia, que abriga o sino, para expressar raiva.  O parque teve que fazer uma entrevista coletiva para negar a venda.

Os nervos só se acalmaram quando ao meio-dia a Taco Bell divulgou um segundo comunicado de imprensa confessando a farsa e descrevendo-a como “A Melhor Piada do Dia”. A empresa também anunciou que doaria US$ 50.000 para a manutenção do Sino da Liberdade.

A mentira de primeiro de abril  foi inventada por uma equipe da Taco Bell que incluía Jonathan Blum, vice-presidente de relações públicas.

Em entrevista ao Philadelphia Inquirer, Blum afirmou que não foi difícil. Temendo que a farsa vazasse, eles instruíram a agência de publicidade, Paine & Associates, a enviar o anúncio aos jornais apenas dois dias antes da publicação.

Por ser  uma agência bem conhecida, isso não levantou nenhuma bandeira vermelha. Os jornais também não examinaram o anúncio. Um porta-voz do Inquirer disse que se eles tivessem visto o anúncio “provavelmente não teria sido veiculado”.

A história gerou o equivalente a US$ 25 milhões em publicidade gratuita para a Taco Bell, segundo a agência divulgou na época.

#8: Um OVNI aterrissa em Londres

31 de março de 1989:  Enganados por uma ação de marketing do dono da Virgin Media, Richard Branson, milhares de motoristas dirigindo em uma estrada nos arredores de Londres viram um disco voador brilhante descendo. Muitos pararam para ver a bizarra nave flutuar no ar.

O disco finalmente pousou em um campo esportivo. Os moradores chamaram a polícia para avisar sobre uma invasão alienígena. Um oficial corajoso se aproximou da nave com o cassetete nas mãos.

Diz a lenda que quando a porta se abriu e uma pequena figura vestida de prata emergiu, a bravura acabou e o homem da lei correu na direção oposta.

O disco era  um balão de ar quente construído especialmente para parecer um OVNI por Branson, então presidente da Virgin Records.

Divulgação Hoaxes Museum

A ideia combinou sua paixão por balonismo com seu amor por brincadeiras. Seu plano era pousar a nave no Hyde Park, em Londres, em 1º de abril. Infelizmente, o vento o tirou do curso e ele foi forçado a pousar um dia antes no local errado.

Pouco mais de três décadas depois, em julho de 2021, Richard Branson subiu mais ainda e não teve problemas no pouso a bordo da nave Unity, de sua companhia Virgin Galactic, criada para oferecer a experiência de ver a Terra de longe e passar alguns minutos em gravidade zero.

#9: Sidd Finch, o arremessador recordista 

A edição de abril de 1985 da revista americana Sports Illustrated revelou que o time New York Mets havia recrutado um arremessador novato chamado Sidd Finch, capaz de lançar uma bola de beisebol a 168 mph – 65 mph mais rápido que o recorde anterior.

Surpreendentemente, segundo a reportagem, Sidd Finch nunca havia jogado beisebol antes, mas havia dominado a “arte do arremesso” em um mosteiro tibetano. Os torcedores do Mets inundaram o site com pedidos de mais informações.

Mas, na realidade, esse jogador incrível só existia na imaginação do autor George Plimpton, que deixou uma pista no subtítulo do artigo:

“He’s a pitcher, part yogi and part recluse. Impressively liberated from our opulent life-style, Sidd’s deciding about yoga —and his future in baseball.” 

(“Ele é um arremessador, meio iogue e meio recluso. Impressionantemente liberado de nosso estilo de vida opulento, Sidd está decidindo sobre ioga – e seu futuro no beisebol.”)

Ao juntar as primeira letras de cada uma dessas palavras em inglês, lia-se “H-a-p-p-y A-p-r-i-l F-o-o-l-s D-a-y — A-h F-i-b”, ou “Feliz Dia da Mentira — Ah Fib”.

#10: Nixon de volta depois de Watergate  

Primeiro de abril de 1992: O programa Talk of the Nation da National Public Radio, emissora pública dos EUA, revelou que Richard Nixon, em um movimento surpresa, estava concorrendo à presidência novamente.

Divulgação / Hoax Museum

Nixon tinha renunciado em 1974, depois do escândalo de Watergate, que abalou a política americana.

Segundo a brincadeira do dia da mentira, seu novo slogan de campanha era: “Não fiz nada de errado e não farei de novo”.  Foi uma superprodução, com direito a clipes de áudio de Nixon fazendo seu discurso de candidatura.

Os ouvintes responderam revoltados, com telefonemas expressando choque e indignação. Somente durante a segunda metade do programa o apresentador John Hockenberry revelou que o anúncio era uma brincadeira. A voz de Nixon tinha sido imitada pelo comediante Rich Little – antes do advento dos vídeos deepfake.

Parece coisa do passado, mas primeiro de abril continua enganando a mídia

A história mais recente da seleção das 10 melhores mentiras do dia primeiro de abril feita pelo Museu do Embuste aconteceu em 1996, quando era mais difícil checar informações em outras fontes, com a internet pouco acessível.

No entanto, as boas mentiras continuam enganando muita gente – e nem todos acham graça.

Em 2021, a Volkswagen foi criticada por sua brincadeira que levou boa parte da mídia global a embarcar em um primeiro de abril bem contado.

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