Londres – Ao mesmo tempo em que a consciรชncia sobre o impacto das mudanรงas climรกticas e de prรกticas predatรณrias sobre a natureza e sobre as pessoas cresce, aumenta tambรฉm o risco para profissionais de jornalismo ambiental em todo o mundo – um problema pouco lembrado em datas comemorativas como o Dia da Terra, celebrado neste 22 de abril. 

Essa รฉ a conclusรฃo de um relatรณrio produzido pelo International Press Institute (IPI), de autoria da jornalista italiana Barbara Trionfi, ex-diretora da instituiรงรฃo. 

O documento Climate and Environmental Journalism Under Fire รฉ resultado de entrevistas com 40 jornalistas em 21 paรญses, traรงando um quadro sombrio que vai alรฉm dos riscos pessoais. Ele mostra como a liberdade รฉ comprometida por essas ameaรงas, afetando negativamente os esforรงos para reverter a crise ambiental e climรกtica. 

No Dia da Terra, a lembranรงa das ameaรงas aos jornalistas ambientais

A lista de problemas que afetam os que praticam o jornalismo ambiental รฉ longa: prisรตes, assรฉdio legal; assรฉdio online e campanhas de รณdio nas redes sociais; restriรงรตes ร  liberdade de circulaรงรฃo e obstรกculos no acesso ร  informaรงรฃo – e รฉ claro, a violรชncia que muitas vezes acaba em morte. 

O caso do jornalista britรขnico Dom Philips, assassinado na Amazรดnia junto com o indigenista Bruno Pereira, รฉ um exemplo que ficou famoso e รฉ citado no trabalho. Ele nรฃo estava fazendo uma reportagem, mas documentava a situaรงรฃo no Vale do Javari para um livro, que atรฉ hoje nรฃo saiu.

A famรญlia e amigos conseguiram apoio para levar a obra atรฉ o fim, o que รฉ uma exceรงรฃo ร  regra. Outros repรณrteres desistem de pautas ou morrem apรณs denรบncias, uma situaรงรฃo comum na Amรฉrica Latina e que afeta sobretudo jornalistas cidadรฃos ou de veรญculos comunitรกrios, sem a proteรงรฃo de grandes organizaรงรตes de mรญdia. 

Jornalistas ameaรงados em suas prรณprias comunidades 

Este รฉ um dos aspectos destacados no relatรณrio. Trionfi aponta que muitos desses profissionais sรฃo freelancers e acabam atacados por membros de suas prรณprias comunidades envolvidos ou se beneficiam de atividades ilegais. 

O estudo salienta ainda as ligaรงรตes polรญticas, o poder econรดmico de atores ligados a atividades poluidoras e prejudiciais ao meio ambiente, a polarizaรงรฃo em torno de questรตes climรกticas gerando hostilidade contra jornalistas, o envolvimento do crime organizado com essas atividades e a impunidade, que estimula a violรชncia. 

Os problemas acontecem em paรญses com baixo grau de liberdade de imprensa, mas tambรฉm em naรงรตes avanรงadas como a Franรงa. 

Um dos cases apresentados no relatรณrio do IPI narra a uniรฃo de jornalistas ambientais na Bretanha para desafiar o que foi chamado de “lei do silรชncio” na regiรฃo, cobrando das autoridades locais a liberdade de expressรฃo e acesso a informaรงรตes sobre questรตes relacionadas ao agronegรณcio. Mais de 450 jornalistas e organizaรงรตes de mรญdia subscreveram a carta.

O jogo รฉ pesado. A jornalista investigativa Morgan Large personifica a extensรฃo das ameaรงas: a rรกdio onde ela trabalhava foi invadida e perdeu propaganda de prefeituras locais. Seu cachorro foi envenenado.

Ela foi alvo de assรฉdio nas redes sociais e as rodas de seu carro foram afrouxadas duas vezes depois de reportagens crรญticas. Mesmo assim, pediu proteรงรฃo e nรฃo conseguiu. 

Enquanto Dia da Terra รฉ comemorado, aumenta a hostilidade contra jornalistas 

Barbara Trionfi observa que a hostilidade contra os jornalistas estรก ligada ao ativismo de duas formas, sobretudo na Europa e na Amรฉrica do Norte. 

Em primeiro lugar, os jornalistas ambientais e climรกticos dรฃo voz a fontes crรญticas, incluindo cientistas que apontam verdades que os negacionistas nรฃo querem ouvir, seja por ideologia ou por ir contra seus interesses. E assim viram objeto de crรญticas ou de ataques. 

Mas os prรณprios profissionais de imprensa acabam sendo vistos como ativistas da causa ambiental, mesmo quando sรฃo independentes e seguem as boas prรกticas jornalรญsticas em seu trabalho. 

Assim como a lista de problemas, a de soluรงรตes tambรฉm รฉ longa e nรฃo traz nada muito diferente daquilo que jรก se sabe. 

Aos jornalistas e empresas jornalรญsticas o relatรณrio recomenda cuidados avaliar os riscos de uma cobertura, a alianรงa com repรณrteres locais familiarizados com a regiรฃo (no caso de locais remotos) e buscar a colaboraรงรฃo, inclusive transfronteiriรงa. 

Os Estados sรฃo instados a garantir acesso ร s informaรงรตes, prover seguranรงa para os jornalistas ambientais e combater a impunidade. 

O estudo tambรฉm pede aos grupos de apoio ao jornalismo atenรงรฃo ร  formaรงรฃo em seguranรงa, fomento de redes de apoio e suporte jurรญdico para defesa de profissionais que sofrem assรฉdio judicial. 

Embora nรฃo sejam conselhos novos, sรฃo vitais para apagar a fogueira que se abate sobre o jornalismo climรกtico e ambiental, que pode nรฃo estar sendo lembrada tanto quanto deveria nesse Dia da Terra.  

O relatรณrio completo pode ser visto aqui.