Londres – O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio, está sendo lembrado desde o início da semana com alertas sobre os riscos cada vez maiores enfrentados por jornalistas e veículos de comunicação até em países antes seguros para a prática do jornalismo.
Santiago, no Chile, foi escolhida este ano para sediar o principal evento global dedicado à data, promovido pelas Nações Unidas, que começa nesta quinta-feira (2). O tema em 2024 é a liberdade de imprensa no contexto da crise climática, mas outras questões estão na agenda das celebrações.
A data foi criada pela Assembleia Geral da ONU em 1993, seguindo a recomendação da Conferência Geral da Unesco, em referência à Declaração de Windohoek, documento criado e assinado por um grupo de jornalistas africanos em um seminário da organização em 1991 na cidade de mesmo nome, na Namíbia.
“Após 30 anos, a ligação histórica estabelecida entre a liberdade de investigar, transmitir e receber informações e o bem comum continua tão relevante como era no momento da assinatura da declaração”, afirma a ONU.
A organização salienta que o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa serve como um lembrete aos governos da necessidade de respeitarem o seu compromisso com a liberdade de imprensa, e é uma oportunidade para os profissionais de comunicação refletirem sobre as barreiras que enfrentam e a ética profissional.
A data está sendo celebrada este ano com duas grandes guerras em curso, na Ucrânia e em Gaza.
Relatos de mortes e repressão de profissionais de imprensa cobrindo os acontecimentos – por meio de censura, prisões e intimidações que empurraram muitos para o exílio – tornaram-se rotina na mídia.
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Ameaças ao jornalismo em tempos de paz
Mas se antes a liberdade de imprensa era vista como ameaçada principalmente em países com governos autoritários ou em guerra, hoje os riscos estão presentes em todas as nações.
De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras, 45 jornalistas morreram comprovadamente a serviço ou em crimes relacionados ao trabalho em 2023, e 521 terminaram o ano atrás das grades.
Os ataques não são apenas físicos. O assédio digital e o assédio judicial são instrumentos cada vez mais usados para intimidar e silenciar jornalistas críticos, por governos e também por indivíduos e instituições que têm seus interesses prejudicados por denúncias.
Segundo um relatório publicado esta semana pelo Conselho da Europa, existem 55 jornalistas atrás das grades em Estados-membro e mais 65 em países da região que não fazem parte da União Europeia.
Um dos presos mais famosos é Julian Assange, preso no Reino Unido há cinco anos enquanto aguardada a tramitação do pedido de extradição feito pelos EUA para responder em solo americano a processos em decorrência da publicação de documentos confidenciais de guerra no site Wikileaks.
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Em países com realidades diferentes como o México e a Holanda, o crime organizado tirou a vida de profissionais de imprensa que denunciam suas práticas.
No México, segundo o governo, 19 profissionais de imprensa morreram desde 2022, a maioria de pequenos veículos locais e regionais, sem a proteção de grandes organizações de mídia.
Crises econômicas aliadas à migração das receitas publicitárias para as plataformas digitais abalou a sustentabilidade financeira da indústria de mídia, levando ao desaparecimento de veículos de imprensa independentes e críticos, e ao chamado “deserto de notíicas”.
O uso de software de vigilância (spyware) é outra ameaça, colocando em risco não apenas os jornalistas mas as fontes que vazam informações de interesse da sociedade. A Europa aprovou uma lei permitindo a aplicação em determinadas circunstâncias.
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Liberdade de imprensa e a crise ambiental
A ONU chama a atenção este ano para a importância da liberdade de imprensa no contexto da crise ambiental:
“Os jornalistas enfrentam desafios significativos na divulgação de informações sobre questões como problemas nas cadeias de abastecimento, migração climática, indústrias extrativas, mineração ilegal, poluição, caça predatória, tráfico de animais, destruição de florestas e alterações climáticas.
Garantir a visibilidade destas questões é crucial para promover a paz e os valores democráticos em todo o mundo.”
O Brasil é um triste exemplo desse risco, com o caso do jornalista inglês Dom Philips, assassinado junto com o indigenista Bruno Pereira na Amazônia em 2022.
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No Dia da Liberdade de Imprensa, a organização defende uma estratégia abrangente que inclui:
- Prevenir crimes cometidos contra jornalistas, protegendo melhor os profissionais.
- Garantir os direitos à liberdade de expressão, à liberdade de investigação científica e ao acesso às principais fontes de informação, além de combater a desinformação por meio do jornalismo.
- Promover a pluralidade, a diversidade e a viabilidade dos meios de comunicação, especialmente os regionais, locais, indígenas e comunitários.
- Garantir que a governança das plataformas digitais promova a transparência das empresas tecnológicas, a sua responsabilização, a devida diligência, a capacitação dos usuários e a moderação e curadoria de conteúdos com base nas normas internacionais de direitos humanos, conforme indicado nas Diretrizes da UNESCO
- Promover programas de alfabetização midiática para capacitar os usuários com habilidades para se envolverem e pensarem criticamente no ambiente digital
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