Londres – Um tribunal de Amsterdã condenou nesta terça-feira (12) seis homens pelo assassinato do jornalista investigativo holandês Peter de Vries, morto a tiros no centro da capital em 2021, aplicando penas que variam entre 10 e 28 anos de cadeia.
Um das personalidades mais conhecidas da TV holandesa, De Vries comandava um programa de notícias policiais e havia se tornado consultor de uma das testemunhas de acusação do maior traficante de drogas do país, Ridouan Taghi, que recebeu em fevereiro uma pena de prisão perpétua.
O crime chocou o país e a Europa por estar associado ao crime organizado em uma região considerada segura. Os promotores haviam pedido prisão perpétua para os principais acusados, mas o tribunal recusou sob a alegação de que eles não tinham condenações anteriores.
O assassinato do jornalista holandês Peter De Vries
O crime foi ousado: De Vries, de 64 anos, levou cinco tiros à luz do dia quando deixava o prédio da emissora de TV RTL Boulevard, no dia 6 de julho de 2021, em uma área movimentada de Amsterdã. Ele morreu nove dias depois em um hospital.
Os condenados a até 28 anos de cadeia pelo assassinato do jornalista foram o rapper holandês Delano Geerman, que disparou os tiros, e o mecânico polonês Kamil Egiert, que dirigiu o carro usado na fuga. Eles foram presos horas depois em uma estrada.
Geerman, 21, que se apresentava como “Demper” ou “Slick”, participava de um canal no YouTube chamado 101Barz, acusado de glorificar a violência. Egiert tinha um mandado de prisão europeu pendente por furto e assaltos.
Kristian M., acusado pela Ministério Público de ter organizado o assassinato, recebeu uma sentença de 26 anos. Konrad W, que forneceu as armas, foi condenado a 14 anos de prisão.
O tribunal aplicou também uma pena de 10 anos na cadeia aos homens que filmaram o momento em que o jornalista holandês Peter De Vries foi assassinado e postaram as imagens em redes sociais, por terem tido um “papel considerável” no crime. Três outros acusados pelo MP foram inocentados.
A Corte descartou a tese de homicídio com intenção terrorista, sob a justificativa de que a intenção seria impor medo à população, nem comprovou que a motivação do crime tenha sido o apoio de Peter De Vries à testemunha no caso conhecido como Marengo.
Foi o maior julgamento criminal da história da Holanda, estendendo-se por quase três anos. Três homens receberam penas de prisão perpétua.
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ONGs pedem que autor intelectual do assassinato seja responsabilizado
Organizações de liberdade de expressão e de imprensa saudaram o resultado como um marco no caminho para a justiça plena, cobrando que a justiça holandesa não deixe o caso parado e condene o autor intelectual do crime.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o autor intelectual do assassinato não foi formalmente identificado nem acusado durante este julgamento.
O tribunal não descartou a possibilidade de envolvimento de “ indivíduos de alto escalão ” no crime, mas não pôde ir além, uma vez que o procurador não os incluiu na acusação, apontou a organização.
Embora o assassinato provavelmente não estivesse diretamente ligado ao trabalho jornalístico de De Vries, a acusação e o tribunal reconheceram o impacto do crime no Estado de direito e nas suas instituições, bem como no público holandês, dado o trabalho de de Vries como repórter policial, destacou a RSF.
“Durante as audiências, as provas revelaram várias referências ao trabalho de de Vries como jornalista.
Em uma comunicação telefônica interceptada durante as investigações, um suspeitos declarou que Vries ‘colocou o nariz em todos os lugares que não deveria, e por isso foi assassinado’.”
Quem era Peter De Vries
Peter R. de Vries era um profissional premiado, que tinha em seu currículo a cobertura de grandes casos criminais. Em 35 anos de carreira, tornou-se um dos repórteres mais conhecidos do país.
Seu livro sobre o sequestro do magnata da cerveja Freddy Heineken, ocorrido em 1983, foi adaptado para um filme de Hollywood estrelado por Anthony Hopkins. Ele ficou ainda mais popular comandando desde 1995 um programa de TV sobre crimes.
De Vries trabalhou para veículos como De Telegraaf, revista Panorama e Algemeen Dagblad. Em 2008, ganhou o prêmio Emmy Internacional por sua investigação sobre o desaparecimento da adolescente Natalee Holloway em 2006, em Aruba.
Dois anos antes do crime, a polícia avisou a De Vries que ele estava na “lista de alvos” de Ridouan Taghi por dar apoio destacado à principal testemunha contra o criminoso, Nabil B.
O jornalista holandês assassinado chegou a revelar no Twitter que estava sob ameaça, mas optou por não aceitar proteção policial apesar dos riscos evidentes: o irmão e o advogado de Nabil B. foram assassinados depois que ele se tornou informante.
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Caso de Peter De Vries assustou Holanda
O crime contra Peter De Vries chocou a Holanda, um país sem histórico de violência, e o mundo do jornalismo, pela ousadia dos autores, que não se intimidaram com as câmeras de segurança filmando toda a cena nem com a fama do repórter.
O caso chamou também atenção para o poder das quadrilhas na Europa.
Em entrevista à mídia holandesa logo após o crime, o juiz e promotor italiano Nicola Gratteri disse que Holanda, Alemanha, Bélgica e França subestimam a influência desestabilizadora do crime organizado na sociedade.
Segundo ele, a Holanda estava “minimamente equipada” para enfrentar as gangues criminosas.
“Os países europeus não têm ideia do que realmente é um mafioso, um criminoso sério, e do que é capaz”, disse Gratteri.
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