Dafydd Townley

Antes do debate na TV de ontem à noite entre os dois candidatos à presidência dos EUA, havia fortes especulações em torno da agilidade que Joe Biden demonstraria diante das câmeras. 

A idade do presidente de 81 anos tinha sido objeto de conversas antes do debate, e o desempenho de Biden não tranquilizou seus apoiadores. Ao contrário: sua performance às vezes sinuosa deu motivos para mais preocupações sobre se ele é muito idoso para o cargo. 

Biden parecia estar rouco e tinha pouco alcance vocal, fazendo com que no meio do debate sua equipe explicasse que ele estava resfriado. Mas ele muitas vezes não foi claro em suas respostas e navegou muito mal ao falar sobre sua política de imigração na fronteira sul do país. 

Debate entre Biden e Trump sem interrupções 

A sessão, organizada pela CNN, foi realizada sob novas regras em relação aos debates eleitorais anteriores. Os microfones dos candidatos foram silenciados quando enquanto o oponente falava, evitando interrupções. Nos debates de 2020, Donald Trump tentou seguidamente intervir enquanto Biden falava.

E, pela primeira vez desde o debate presidencial entre Richard Nixon e John F. Kennedy, não havia plateia no estúdio, modelo percebido por alguns repórteres  como uma maneira de reduzir a quantidade de interrupções vista nos debates de 2020. 

Apesar de ter concordado com as regras várias semanas, Trump tentou definir a narrativa antes mesmo de ele acontecer.

Muitos republicanos, incluindo Trump, fizeram feito alegações infundadas  sugerindo o atual presidente estaria tomando uma série de substâncias que melhoram o desempenho para debater. Trump fez alegações semelhantes em 2016 ao enfrentar Hillary Clinton e quando enfrentou Joe Biden em 2020.

Trump e seus apoiadores também questionaram a imparcialidade dos moderadores, particularmente Jake Tapper.

Há cinco lições a serem observadas como resultado do confronto: 

1. A idade de Biden tornou-se um problema ainda maior do que antes

Esta foi a maior oportunidade de Biden para acabar com as preocupações dos americanos sobre sua idade, e ele não conseguiu. Sua voz raramente transmitiu confiança, e ele foi incapaz de realmente impressionar. 

Ele não criticou Trump sobre as tentativas de invalidar a eleição de 2020 ou suas nomeações para a Suprema Corte, que anularam o direito ao aborto estabelecido no julgamento Roe x Wade 50 anos antes.

Após o debate, um congressista disse a repórteres que achava que Joe Biden parecia “um boxeador campeão que entra no ringue depois de seu auge e precisa de seu canto para jogar a toalha”.

2. Trump foi comedido em sua participação no debate 

As novas regras que silenciavam os microfones dos candidatos quando eles não estavam falando pareceram surtir efeito sobre Trump.

Apenas em uma ocasião, quando Biden pausou no final da frase sem terminá-la, Trump zombou da idade do atual presidente.

“Eu realmente não entendi o que ele disse no final dessa frase. Eu também não acho que ele saiba.”

Mas essa foi a única ocasião, uma transformação notável em relação a quatro anos atrás.

3. O direito ao aborto continua sendo uma questão fundamental

Os democratas tentaram garantir que o controle de natalidade e os direitos ao aborto permaneçam centrais para a campanha, e Biden criticou o apoio de Trump à proibição do aborto.

“Tem sido uma coisa terrível o que você fez”, disse ele a Trump, acrescentando que um segundo mandato para o ex-presidente poderia trazer restrições federais ao aborto que se aplicariam em todo o país.

Em resposta, Trump disse que defendia uma proibição de aborto, exceto “para estupro, incesto e a vida da mãe”.

4. O debate ficou muito pessoal

Os dois candidatos aproveitaram a oportunidade para fazer ataques pessoais. 

Biden disse que Trump tinha “a moral de um gato vadio”, depois de afirmar que o oponente tinha dormido com a estrela pornô Stormy Daniels enquanto sua esposa estava grávida.

Trump se defendeu dizendo:

“Eu não fiz sexo com uma estrela pornô.”

Biden então afirmou que Trump era “a única pessoa neste palco que é um criminoso condenado”, ao que Trump respondeu que “quando ele fala sobre um criminoso condenado, seu filho é um criminoso condenado”.

Trump então acrescentou que Biden “pode ser um criminoso condenado assim que sair do cargo … Joe poderia ser um criminoso condenado com todas as coisas que ele fez”.

5. O ataque ao Capitólio ainda é um problema

A questão da insurreição de 6 de janeiro de 2021 e da negação da lisura da eleição foi colocada pelo moderador Jake Tapper para Trump, que disse que aceitaria os resultados da eleição “se fosse uma eleição justa, legal e correta”.

No entanto, Trump continuou a afirmar que a eleição de 2020 foi roubada dele, dizendo que a “fraude e tudo mais era ridícula”.

Debates cruciais na história 

O primeiro debate presidencial televisionado foi em 1956, mas nenhum dos candidatos –  Adlai Stevenson e Dwight Eisenhower – compareceu. Na ocasião, a senadora Margaret Chase Smith e a ex-primeira-dama, Eleanor Roosevelt, se enfrentaram.

Quatro anos depois, o debate entre o vice-presidente Richard Nixon e o senador John F. Kennedy foi crucial para o resultado da eleição, embora na hora isso não parecesse tão claro.  

Muitos que ouviram o debate no rádio acreditavam que Nixon tinha tido um desempenho melhor, mas a maioria dos espectadores achou que o jovem senador bronzeado superou Nixon, que parecia estar suando sob as luzes da televisão.

Muitos observadores também recordamo segundo debate na eleição de 1992, quando o presidente George H.W. Bush olhou para o relógio trinta minutos depois de o debate começar. 

Para muitos espectadores que assistiram, Bush deu a impressão de estar desinteressado sobre as questões que estavam sendo discutidas. Seu oponente, Bill Clinton, venceu o debate ao dialogar com um membro do público sobre a recessão.

Se o debate de ontem à noite nos proporcionou qualquer um desses momentos cruciais só se saberá após a eleição de novembro.

O que é certo é que muitos democratas estão muito mais preocupados com o desempenho de Joe Biden do que antes. E isso pode ser a coisa mais memorável sobre este debate.


Sobre o autor 

Dafydd Townley faz parte da Equipe de Educação Militar da Universidade de Portsmouth no RAF College Cranwell da RAF (Força Aérea britânica). Ele leciona história, política, relações internacionais e questões de segurança para oficiais cadetes. Anteriormente, ele foi professor de história na Universidade de Reading e bolsista no Rothermere American Institute da Universidade de Oxford.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui mediante licença Creative Commons.