Londres – O Relatório da Economia Digital 2024 apresentado nesta quarta-feira (10) pela agência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) confirma as previsões de analistas a respeito do impacto da digitalização e da inteligência artificial sobre o ambiente, devido ao alto consumo de energia, água e recursos minerais e ao descarte inadequado. 

Segundo o novo estudo, os impactos são “severos” e estão contribuindo significativamente para as emissões de gases de efeito estufa e poluição em todo o mundo, com impacto maior sobre os países em desenvolvimento. 

Os data centers consumiram 460 TWh de eletricidade em 2022, com a expectativa de que o consumo dobre até 2026. Produzir um computador de 2 kg requer aproximadamente 800 kg de matérias-primas.

Consumo de energia para inteligência artificial e Bitcoin

Um dos exemplos destacados no relatório é treinamento do ChatGPT-3, da Microsoft, que de acordo com a Unctad consumiu diretamente 700 mil litros de água potável para resfriamento. 

O consumo global de energia relacionado à mineração de Bitcoin também foi apontado como preocupante, por ter aumentado cerca de 34 vezes entre 2015 e 2023, atingindo 121 Terawatts.

O levantamento do Unctad revela que a pegada ambiental do setor de tecnologia da informação e comunicação é significativa, levando-se em conta todo o ciclo de vida dos dispositivos digitais e da infraestrutura: 

  • Em 2020, as emissões de CO2 do setor foram estimadas entre 0,69 e 1,6 gigatoneladas, representando de 1,5% a 3,2% das emissões globais de gases de efeito estufa, número que vem aumentando com o crescimento da economia digital. 
  • O crescimento do comércio eletrônico levou a um crescimento de 30% nos resíduos relacionados ao digital entre 2010 a 2022, atingindo 10,5 milhões de toneladas globalmente.
  • As vendas de comércio eletrônico empresarial aumentaram de US$ 17 trilhões em 2016 para US$ 27 trilhões em 2022 em 43 países.

Velocidades de conexão mais altas permitem que mais dados sejam gerados, coletados, armazenados e analisados, e isso é fundamental para tecnologias emergentes, como análise de big data, inteligência artificial e a Internet das coisas – mas tem um preço ambiental. 

  • A previsão é de que o número de objetos conectados à Internet aumente de 13 bilhões em 2022 para 35 bilhões em 2028 – e manter tudo isso funcionando ao mesmo tempo consumirá ainda mais recursos. 
  • O número de unidades semicondutoras quadruplicou de 2001 a 2022, com a cobertura 5G projetada para aumentar de 25% em 2021 para 85% até 2028.
  • Projeta-se que os dispositivos da Internet das Coisas (IoT) cresçam de 16 bilhões em 2023 para 39 bilhões até 2029.

Países em desenvolvimento: fardo e oportunidades 

Segundo o Unctad, o manuseio e o descarte inadequados de resíduos digitais também exacerbam as desigualdades ambientais, impactando desproporcionalmente os países em desenvolvimento.

Os países desenvolvidos geram 25 kg de resíduos digitais por pessoa, em comparação com menos de 1 kg nos países em desenvolvimento e apenas 0,21 kg nos países menos desenvolvidos.

O levantamento realizado pela agência da ONU conclui que embora a digitalização impulsione o crescimento econômico global e ofereça oportunidades para os países em desenvolvimento, são eles que suportam um fardo maior.  

Por outro lado, eles podem se beneficiar se políticas robustas forem adotadas, já que alguns deles, como o Brasil, são fundamentais na cadeia de suprimentos global de minerais e metais de transição, essenciais para a mudança para tecnologias digitais e de baixo carbono.

O Brasil possui grandes reservas desses minerais incluindo 26% do grafite natural, 19% de elementos de terras raras, 14% do manganês, 12% do níquel e 9% da bauxita.

O continente africano detém reservas significativas, que incluem 55% do cobalto mundial, 47,65% do manganês, 21,6% do grafite natural, 5,9% do cobre, 5,6% do níquel e 1% do lítio.

Segundo o Banco Mundial, a demanda por insumos necessários para a digitalização, como grafite, lítio e cobalto, pode aumentar 500% até 2050.

Desconectar é a solução? 

A secretária-geral do Unctad, Rebeca Grynspan, reforçou a necessidade de uma abordagem equilibrada, que aproveite o poder da digitalização para promover o desenvolvimento inclusivo e sustentável e ao mesmo tempo minimize os impactos ambientais negativos.

Para ela, é necessário fazer a transição para uma economia digital circular, caracterizada pelo “consumo e produção responsáveis, pela utilização de energias renováveis e pela gestão abrangente dos resíduos eletrônicos”. Isso significa priorizar a reciclagem, reutilização e recuperação de materiais digitais.

A especialista afirma que o crescente impacto ambiental da economia digital pode ser revertido. Além disso, ela afirmou que as nações em desenvolvimento atualmente “arcam com o ônus, mas não colhem os benefícios” e que isso pode mudar com políticas adequadas. 

O relatório completo pode ser visto aqui