Londres – Para quem acompanha os rumos dos grandes conglomerados de mídia, é impossível assistir ao seriado Succession e não imaginar que a inspiração para o personagem Logan Roy tenha sido Rupert Murdoch, dono da Fox News, que em um lance surpreendente aliou-se a um dos filhos em um processo judicial destinado a cortar o poder de outros três. 

Murdoch, de 93 anos, transferiu pacificamente em 2023 o comando da News Corp e da Fox News para o filho Lachan em 2023, aparentemente sem brigas na família. Mas o roteiro que tem como protagonista um dos maiores magnatas da história da mídia teve um “twist”. 

Agora, ele quer garantir que o filho preferido continue liderando mesmo quando ele não estiver mais por perto. Para isso, está movendo um processo para alterar as regras do trust da família, que prevê a divisão do poder decisório entre os quatro filhos mais velhos – James, Elizabeth e Prudence – após sua morte.

A briga, revelada pelo New York Times na semana passada, não diz respeito apenas a uma família bilionária.

O conglomerado fundado por Murdoch é dono de veículos de mídia influentes, incluindo o The Wall Street Journal, o The Times de Londres, a Sky News da Austrália, seu país natal, e a poderosa Fox News, que molda a opinião de boa parte da América. 

Processo de Murdoch pode mudar linha editorial de veículos como a Fox News

Os filhos têm posições políticas e ideológicas diferentes. Dependendo de quem fique no comando – apenas um, ou um sistema de decisões colegiadas – a linha editorial desses veículos pode continuar a mesma ou mudar, com consequências – boas ou más – para a sociedade.

No caso da Fox News, isso significa uma influência enorme nos EUA, que acaba se estendendo por outros países. Se Donald Trump ganhar as eleições, terá muito a agradecer à emissora, e suas decisões impactarão o mundo. 

A tentativa de Rupert Murdoch de mudar as regras do trust corre sob segredo de justiça. Mas a reportagem do New York Times informou que advogados de peso foram contratados pelos dois lados.

Em um deles está o patriarca e o filho Lachan. Do outro estão James, e as irmãs, qie discodaram da ideia do pai e para não serem deixadas de lado, fizeram uma aliança com o mais velho.

James é um progressista que em 2020 fez uma polpuda doação para a campanha de Joe Biden e defende políticas de proteção ambiental, enquanto a Fox dá voz aos negacionistas do clima. 

O primogênito afastou-se do conselho da News Corp naquele ano de forma dramática, como um roteirista de Succession poderia ter escrito. 

Ele atribuiu à decisão à discordância com decisões e conteúdos editoriais dos meios de comunicação da família, além de ter criticado abertamente a News Corp por espalhar desinformação.

Lachan ocupou o espaço e conseguiu a confiança do pai para ser nomeado como o chefão. 

Só que com a morte de Murdoch, que pela ordem natural das coisas deve acontecer antes da dos filhos, James pode voltar a ter influência nas decisões – ou vencer brigas com o irmão se as irmãs se aliarem a ele em tudo – e é isso que o pai tenta evitar. 

Linha editorial no centro da disputa dos Murdoch

O argumento para a briga jurídica está associado à política editorial. Rupert Murdoch alega que a concentração de poder nas mãos de Lachan seria benéfica para os negócios do grupo, é baseada em boa-fé, e traria vantagens para todos os herdeiros. 

Isso quer dizer, em outras palavras, que ser alinhado ao conservadorismo e à extrema-direita, como faz a Fox, apoiadora de primeira hora de Donald Trump, dá dinheiro. 

Mas também faz perder, e esse pode ser um argumento dos filhos que não aceitam ser mandados para escanteio.

A Fox teve que pagar a fortuna de US$ 785 milhões para colocar fim a um processo movido pela empresa de urnas eletrônicas Dominion, acusada por ela de uma suposta fraude que teria “roubado” a vitória de Trump. 

Quem viu Succession lembra como Logan Roy transitava nos meios políticos e tinha linha direta com o presidente da República. Assim provavelmente é Rupert Murdoch, que não faz o tipo que esnoba um presidente só por não gostar das ideias dele. 

A julgar pelo intenção de mudar o trust para garantir um sucessor à sua imagem e semelhança, entretanto, ele mostra que continua acreditando no estilo Fox News de fazer jornalismo e influenciar a sociedade – seja por ideologia ou por achar que mesmo pagando uma multa aqui outra ali, no fim das contas a audiência, os lucros e o poder compensam. 

Succession não deve ter uma nova temporada, segundo a HBO. Mas com a nova temporada da série Murdoch, com direito a julgamento em setembro, quem precisa?