O consultor Nélio Bilate, que deixou a carreira em grandes multinacionais para apoiar empresas e executivos em cultura organizacional, convive de perto com causas e efeitos do burnout no mundo corporativo há vários anos.
Ele vê com preocupação o impacto da pandemia no universo das empresas, que em sua opinião provocou uma enorme perda de todos os tipos de equilíbrio: físico, mental, espiritual e emocional.
E acha que a imprensa deve aprimorar a forma como aborda questões relacionadas à saúde mental.
Veja a entrevista sobre o burnout no mundo corporativo
Legado da pandemia
“A pandemia fez aflorar a depressão e a ansiedade, situação agravada pelo Teams. As pessoas perderam a noção de tempo e as referências sobre como dividir o dia entre trabalho e vida pessoal. Ela abriu um lugar de raiva, desespero, revolta e frustração.
E deixou como um dos legados a descoberta de que se pode trabalhar de casa, ou mais ainda, de qualquer lugar para qualquer lugar. Isso mudou o conceito de trabalho e de permanência.”
Mudando de vida por mais saúde mental
“Aí veio o fim da pandemia, trazendo muita insegurança, com pessoas não querendo mais trabalhar com determinados colegas porque tomaram consciência que eles faziam mal a elas.
Então muita gente saiu, viajou, foi para o interior, encontrou outro caminho de trabalho, mudou de pais ou desistiu do que estava fazendo em busca de um modelo de trabalho e de vida mais flexível.
Para muitos, o objetivo deixou de ser a empresa, e sim juntar recursos para realizar sonhos, como viajar de veleiro durante um ano. Os objetivos mudaram.”
Workload ‘desumano’
“O esgotamento que leva muitos executivos a deixarem o cargo é do sistema em si. O mundo corporativo ainda é muito hierárquico, compartimentado em feudos e isso contribui para o burnout. As conversas não existem mais no nível que a gente gostaria.
Tem companhias que não falam mais sobre os clientes, nem sobre o consumidor, diante de tantos problemas internos para resolver.
Esse esgotamento mental está ligado também ao excesso de reuniões, comitês, viagens, um workload desumano.”
Geração Z e trabalho remoto
“Muitas pessoas, sobretudo jovens da Geração Z, não querem mais se relacionar diretamente com colegas, não querem estar num local de trabalho.
Eles dão preferência a trabalhar em empresas com regime híbrido mais forte ou 100% virtual. Por isso, as empresas estão tendo dificuldade para contratá-las.”
Saúde mental na mídia
“A mídia ainda não encontrou um lugar de total conhecimento sobre o tema saúde mental. Minha impressão é de que vai sempre para dois lados extremos: ou muito espiritualizado, ou muito sobre a patologia, uma abordagem pelos aspectos psiquiátricos.
E está se falando pouco sobre o fundamento disso, que está no autoconhecimento, em como as pessoas enxergam a vida.
Acredito ser uma abordagem rasa, e a linguagem também não é acessível, com muitos termos técnicos. Outro aspecto que vejo é a tendência de apontar as empresas como únicas responsáveis. A questão é muito mais ampla.”
LinkedIn, onde todo mundo é legal
“O LinkedIn é a maior e a melhor plataforma corporativa. Mas vejo que muita gente está começando a confundir o papel, postando sobre atividades pessoais e não relacionadas ao trabalho, o que a meu ver é um equívoco muito grande.
Passou a ser mais importante contar quantas pessoas viram o perfil, e não usar o LinkedIn para mostrar o que se pensa.
Por outro lado, o LinkedIn melhorou muito ao dar espaço a temas sociais das empresas associados ao bem-estar emocional, como preconceito e assédio.”
O papel de comunicação interna e do RH na crise do burnout
“Essas áreas são vitais e devem ir para um lugar muito mais estratégico, “conector”. Não se trata apenas da forma, mas principalmente do conteúdo.
Reportagem Especial MediaTalks – Comunicação, Imprensa, Redes Sociais e a crise da Saúde Mental