O Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) instou Israel a “parar de fazer alegações sem provas de que jornalistas mortos por suas forças são terroristas ou estão envolvidos em atividades de militância, e exigiu investigações internacionais, rápidas e independentes sobre esses assassinatos.
“Mesmo antes do início da guerra em Gaza, o CPJ documentou o padrão de Israel de acusar jornalistas de serem terroristas sem produzir evidências confiáveis para substanciar suas alegações”, disse o diretor do CPJ, Carlos Martínez de la Serna.
“Campanhas de difamação colocam jornalistas em perigo e corroem a confiança pública na mídia. Israel deve acabar com essa prática e permitir investigações internacionais independentes sobre os assassinatos de jornalistas”, afirmou.
Segundo a organização, sediada em Washington, desde que a guerra começou, em 7 de outubro de 2023, o país usou evidências questionáveis e às vezes contraditórias para rotular pelo menos três jornalistas mortos pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) como membros ou supostos membros de organizações militantes.
Antes da guerra, o relatório “Deadly Pattern” de 2023 do CPJ havia detalhado exemplos de cinco alegações infundadas de terrorismo ou militância contra jornalistas mortos pelas forças israelenses entre 2004 e 2018.
O caso mais notório foi o assassinato da respeitada correspondente árabe da rede Al-Jazeera Shireen Abu Akleh, baleada em 11 de maio de 2022 na Cisjordânia ocupada quando fazia uma cobertura junto com outros profissionais de imprensa, credenciada e identificada como profissional de mídia.
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Os jornalistas apontados como terroristas por Israel
O CPJ documentou 113 jornalistas e profissionais da mídia assassinados entre 7 de outubro e 14 de agosto de 2024.
Quase todos – 111, sendo 109 palestinos e dois libaneses — foram mortos pelas forças israelenses, enquanto dois jornalistas israelenses foram mortos pelo Hamas em seu ataque em Israel em 7 de outubro.
A organização listou os casos em que o governo de Israel justificou ataques sob o argumento de que os jornalistas eram militantes do Hamas.
Ismail Al Ghoul, repórter da Al Jazeera
O jornalista foi morto junto com o operador de câmera freelance Rami Al Refee perto da Cidade de Gaza por um ataque de drone israelense em 31 de julho de 2024.
A IDF alega que Al Ghoul era um engenheiro da Brigada de Gaza do Hamas e um membro das forças especiais Nukhba do Hamas, que participaram do ataque mortal do Hamas em 7 de outubro que deu início à guerra Israel-Gaza, segundo o CPJ.
As Forças de Defesa de Israel publicaram um documento — que eles disseram ser um registro da atividade militar do Hamas de 2021 descoberto em um computador do Hamas — como evidência de suas acusações, que a Al Jazeera refutou.
O veículo questionou a autenticidade do documento, que continha informações contraditórias mostrando que Al Ghoul, nascido em 1997, recebeu uma patente militar do Hamas em 2007 — quando ele teria 10 anos de idade. O documento também indicou que Al Ghoul se juntou à ala militar do Hamas em 2014, aos 17 anos.
De acordo com o Comitê de Proteção a Jornalistas, a Al Jazeera também destacou que as IDF libertaram Al Ghoul após detê-lo durante o ataque do exército ao hospital Al-Shifa em 18 de março de 2024, o que, segundo a rede, evidencia a “falsa alegação das IDF sobre sua afiliação a qualquer organização”.
Em 6 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre liberdade de opinião e expressão, Irene Khan, denunciou o “ataque deliberado” de Israel aos dois jornalistas e instou o Tribunal Penal Internacional a agir rapidamente para processar os assassinatos de jornalistas em Gaza como um crime de guerra.
“O exército israelense parece estar fazendo acusações sem nenhuma evidência substancial como uma licença para matar jornalistas, o que é uma violação total do direito humanitário internacional”.
Hamza Al Dahdouh, jornalista da Al Jazeera, e o freelancer Mustafa Thuraya
Os dois foram mortos em um ataque israelense em 7 de janeiro de 2024. Israel alegou que eles eram terroristas operando um drone “representando uma ameaça” aos soldados da IDF.
Uma análise do Washington Post de suas filmagens de drones daquele dia não encontrou “nenhuma indicação de que qualquer um dos homens estivesse operando como algo diferente do trabalho de jornalista”, apontou o CPJ.
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As filmagens disponíveis mostram que os jornalistas não filmaram nenhuma tropa, aeronave ou equipamento militar da IDF, nem houve indicação de tropas da IDF nas proximidades da área que filmaram.
A investigação do Washington Post também observou que ambos os jornalistas passaram por postos de controle israelenses a caminho do sul no início da guerra e que Dahdouh havia sido aprovado para deixar Gaza — “um privilégio raro que dificilmente teria sido concedido a um militante conhecido”.
Outros casos antes da guerra entre o Hamas e Israel
Yaser Murtaja , fotojornalista da produtora de mídia Ain Media , sediada em Gaza
Morto em um ataque israelense em 2018, o jornalista foi rotulado pelo então Ministro da Defesa Avigdor Liberman como “um membro do braço militar do Hamas que detém uma patente paralela à de capitão, que foi ativo no Hamas por muitos anos” — uma alegação repetida no Twitter /X por dois porta-vozes do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
No entanto, Liberman nunca forneceu evidências. O The Washington Post relatou que Murtaja havia sido sido entrevistado pelo governo dos EUA para receber uma bolsa da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, em apoio à Ain Media, explica o CPJ.
Hussam Salama e Mahmoud al-Kumi, operadores de câmera da TV Al-Aqsa
Após a morte dos dois, em 2012, uma investigação da Human Rights Watch não encontrou provas de que seriam militantes, observando que o Hamas não publicou seus nomes em sua lista de combatentes mortos.
Depois que o CPJ pediu evidências para justificar o ataque, o porta-voz da embaixada israelense em Washington respondeu com uma carta acusando a TV Al-Aqsa de “glorificar a morte e defender a violência e o assassinato”.
Hamid Shihab , um motorista da agência de notícias Media 24, sediada em Gaza,
O motorista foi acusado por Israel de transportar armas em um carro marcado como “TV” quando foi morto em um ataque aéreo das IDF em 2014.
As IDF não forneceram nenhuma evidência de que Shihab era um membro do Hamas, dizendo que “à luz do uso militar feito do veículo para fins de transporte de armamento, a marcação do veículo não alterou a legalidade do ataque”.
Mohamed Abu Halima, estudante de jornalismo de uma estação de rádio na Universidade Nacional An-Najah de Nablus
O jovem foi baleado pelas forças israelenses em 2004. Israel disse que ele abriu fogo contra soldados, mas o produtor de Abu Halima disse que estava ao telefone com o jornalista momentos antes de ele ser baleado, e que ele estava simplesmente descrevendo a cena ao seu redor.
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