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Um novo olhar sobre Van Gogh: mostra em Londres desfaz mitos e destaca fase iluminada do artista na França

Londres – Uma exposição inaugurada em Londres neste sábado (14) em comemoração aos 200 anos da National Gallery está reunindo algumas das mais famosas obras de Vincent Van Gogh, produzidas nos dois anos em que o pintor viveu no sul da França, um período iluminado de sua criação. 

Ao apresentar a exposição, a curadora Cornelia Homburg, uma das maiores especialistas no artista holandês do mundo, explicou que  diferentemente do muitos pensam, Van Gogh desenvolveu seu estilo marcado por pinceladas fortes, texturas e paleta de cores ousada de forma bem planejada, experimentando novas técnicas para criar sua marca, e não por estar atormentado quando pintava furiosamente – embora seus dramas pessoais e colapsos emocionais apareçam em algumas telas. 

Foto do quadro Self-Portrait, pintado por Vincent Van Gogh em 1889, apresentado na exposição Poets and Lovers da National Gallery London
Self-Portrait –
Vincent Van Gogh © Courtesy National Gallery of Art, Washington

A National Gallery conseguiu reunir para essa mostra 60 quadros que estão espalhados por vários países, em museus e coleções particulares, incluindo o trio formado por duas versões dos famosos Girassóis e um retrato de uma mulher local, uma combinação que Van Gogh planejou para decorar a célebre Casa Amarela, em Arles, onde recebia amigos artistas. 

É a primeira vez que os três quadros aparecem juntos depois que saíram da casa onde o pintor viveu e chegou a morar com Paul Gauguin, em 1888. 

Foto: Aldo De Luca / MediaTalks

A exposição se concentra no período de Van Gogh em Arles e Saint-Rémy, no sul da França (1888 a 1890). 

Ele morreu em julho de 1890 aos 37 anos, supostamente por suicídio, mas historiadores colocaram em dúvida essa hipótese mais aceita para a morte. 

O conjunto de obras reunidas para a exposição em Londres investiga a prática de Van Gogh de transformar os lugares que ele encontrou em espaços idealizados em sua arte, explorando seu processo criativo e suas fontes de inspiração.

Foto: Aldo De Luca / MediaTalks

Em entrevista ao MediaTalks, a curadora Cornelia Homburg desconstruiu alguns mitos sobre a forma de trabalho de um dos artistas mais importantes da história da arte.

Cornelia Homburg (foto: Aldo De Luca / MediaTalks)

“Existe uma diferença entre sua vida pessoal e o que ele queria retratar em suas pinturas. Certamente não se pode separar sua arte de suas ansiedades, medos e problemas de saúde.

Não é que não exista nenhuma pintura em que ele tenha expressado seus sentimentos, mas em grande maioria, e em particular no trabalho do sul da França, não foi isso que aconteceu.

Quanto ele estava muito mal, ele raramente pintava. Mas quando ele se recuperava, voltava a trabalhar.”

A espontaneidade que muitos atribuem a Van Gogh, apontando que ele pintava rapidamente e apaixonadamente, não corresponde à realidade, de acordo com a curadora. 

Olive Grove – Vincent Van Gogh © Photo: Gothenburg Museum of Art / Hossein Sehatlou

“Ele pintava um quadro muito rápido, mas apenas no momento em que sabia o que iria fazer, com tudo planejado, inclusive a combinação de cores. Em meia hora poderia finalizar uma tela.”

Citando trechos de cartas em que o pintor descrevia seu processo criativo, ela o compara a um ator no palco, e afirma que suas pinturas expressam não o que ele era, mas como queria ser visto artisticamente em obras como a impressionante Starry Night (Noite Estrelada), um dos destaques da mostra em Londres.

“O público em geral não tem ideia de como ele era focado”, enfatiza Cornelia.

Van Gogh Vincent (1853-1890). Paris, musée d’Orsay. RF 1975 19.

“O céu estrelado pintado à noite, sob uma lâmpada a gás” foi como Van Gogh descreveu a vista de Arles do outro lado do Rio Rhône, eternizada em Starry Night.

Apesar de pintá-la em grande parte ao ar livre e em tempo real, Van Gogh fez escolhas de composição para atingir o efeito que buscava ao posicionar a constelação da Ursa Maior acima da cena e inventar os amantes em primeiro plano. A presença deles foi essencial para sua concepção do status da pintura como um “assunto poético”.

Outro exemplo do planejamento de Van Gogh apontado por Cornelia Homburg é o trio de quadros que é o destaque da mostra. Ele planejou a disposição das três obras formando um tríptico.

O croqui foi enviado ao irmão Theo, seu grande apoiador, financiador e com quem trocou mais de 700 cartas durante a vida, incluindo a datada de 22 de maio de 1889, na qual desenhou o tríptico.

Tríptico idealizado por Van Gogh @ Carta ao irmão Theo, 22 de maio de 1889

A exposição em Londres ganhou o nome de Van Gogh, Poetas e Amantes, por destacar a imaginação poética do artista quase sempre lembrado como um atormentado que cortou a própria orelha em um episódio de depressão.

Na entrada, são destacadas reproduções imensas de detalhes dos quadros Girassóis e Retrato de um Camponês.

Foto: Aldo De Luca / MediaTalks

Suas pinturas no Sul da França são, em sua maioria, iluminadas e fazendo reverência à beleza da natureza, além de muitas vezes incluirem casais na paisagem. 

O pintor expressionista holandês tinha motivos frequentes em seu trabalho, destacados na exposição, como as oliveiras retratadas em diferentes paletas de cores – dos tons frios aos vermelhos e laranjas ensolarados. 

Olive trees with the Alpilles in the Background – Vincent Van Gogh © The Museum of Modern Art, New York/Scala, Florence

Neste último quadro, a colocação proeminente de um sol intensamente amarelo lembra o quadro O Semeador que ele fizera no ano anterior, na qual o sol também se destaca.

Aqui, o disco paira sobre um bosque de oliveiras altamente estilizadas. Na época, Van Gogh queria provar a Gauguin que uma obra de arte expressiva poderia ser feita sem citar diretamente a Bíblia.

Olive Trees – Vincent Van Gogh @ Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, The William Hood Dunwoody Fund

Veja outras outras obras exibidas na mostra, que fica em cartaz até janeiro e é uma oportunidade única para encontrar tantas telas  expressivas de Van  Gogh juntas, emprestadas pelos museus mais importantes do mundo para montar um cenário que mostra a intimidade do artista em sua casa e como ele transformou as paisagens e pessoas da região em obras-primas eternas. 

Nesta imagem, a segunda de três versões, Van Gogh reproduziu o quarto da casa amarela onde vivia. Ela foi pintada em Saint-Rémy em setembro de 1889 e altera os quadros pendurados na parede exibidos na primeira versão.

The Bedroom – Vincent Van Gogh © The Art Institute of Chicago (Foto: divulgação)

Sobre a cama, ele substituiu o quadro “O Poeta”, pelo recém pintado “Autorretrato” , e trocou o quadro “O Amante”, por um retrato não identificado de uma mulher. Os curadores da mostra avaliam que a escolha de imagens talvez expressasse seu anseio por amor e companheirismo.


Este quadro dos Girassóis foi pintado em 1988 e foi um dos primeiros que Van Gogh fez em Arles.  A obra foi pendurada no quarto de hóspedes da Casa Amarela em preparação para receber Paul Gauguin em sua “casa de artista”.

Sunflowers – Vincent Van Gogh © The National Gallery, London (foto: divulgação)

Embora os dois amigos  tenham discordado em muitas coisas ao longo dos dois meses em que viveram e trabalharam juntos, Gauguin admirava muito as pinturas de Girassóis e, mais tarde, escreveu a Van Gogh descrevendo-as como uma “página perfeita de um estilo essencial de “Vincent””. 

Sunflowers – Vincent Van Gogh @ Philadelphia Museum of Art: The Mr. and Mrs. Carroll S. Tyson, Collection, 1963 (Foto: MediaTalks)

Van Gogh percebeu a importância dos Girassóis e pintou versões adicionais deles no início de 1889, como esta com fundo azul. Para exibi-lo, pensou no “tríptico” com duas pinturas de Girassóis ladeando La Berceuse. Na carta ao irmão Theo, em maio, considerou que se essa combinação fosse pendurada em um navio, traria conforto aos marinheiros viajando longe de casa.

Os curadores destacam o quadro “O Semeador” entre os mais importantes do período de Van Gogh em Arles.

The Sower – Vincent Van Gogh @ Kunsthaus Zurich / Sammlung Emil Bührle – Foto MediaTalks

Ao colocar o enorme disco do sol atrás da figura do semeador, ele criou uma imagem poderosamente expressiva, com conteúdo simbólico e conotações cristãs. Trabalhando principalmente no estúdio, nesta obra Van Gogh fundiu motivos de outros artistas e gravuras japonesas com suas próprias observações do mundo natural.

Essas observações foram interpretadas pelo pintor holandês em diversas obras ao longo de sua estadia no Sul da França, na forma de naturezas-mortas e representações deslumbrantes da paisagem local. 

Oleanders – Vincent Van Gogh © The Metropolitan Museum of Art, New York (foto: divulgação)
Mountains at Saint-Rémy – Vincent Van Gogh @ Solomon R. Guggenheim Museum, New York. Thannhauser Collection, Gift, Justin K. Thannhauser, 1978 – Foto MediaTalks

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